Por Helder Moraes Miranda, editor do portal Resenhando.com.
O romance "Caminho de Pedras" retorna às prateleiras, reconhecido como a obra mais politicamente comprometida de Rachel de Queiroz. A narrativa, escolhida como leitura obrigatória para os vestibulares da Fuvest em 2026 e 2027, se passa em Fortaleza nos anos 1930, no contexto da Era Vargas. O protagonista, Roberto, recebe a incumbência de angariar trabalhadores para integrar uma nova célula de esquerda.
Entre os interessados está Noemi, mãe de Guri e casada com um homem por quem já não nutre sentimentos. Em busca de um propósito que a faça sentir-se viva, ela passa a frequentar os encontros do partido. A partir daí, surge uma forte afinidade intelectual com Roberto - laço que rapidamente se transforma em um envolvimento amoroso. A partir daí, Noemi começa a explorar novas fronteiras morais e éticas, tanto no amor quanto no ativismo político.
Expressão de um socialismo libertário raro na trajetória literária de Rachel de Queiroz, "Caminho de Pedras" é amplamente considerado seu livro mais ideológico. A obra antecipa o surgimento de um estilo mais reflexivo e psicológico, fundamentando cenas marcadas por grande carga emocional. Com inteligência narrativa, a autora constrói a história de uma paixão proibida alimentada pelo idealismo político.
Ao longo do romance, Rachel de Queiroz destaca a força de uma mulher que escolhe seguir os próprios desejos - mesmo que isso significasse enfrentar o divórcio. Em um contexto social onde se esperava da mulher apenas os papéis de mãe, esposa e dona de casa, Noemi surge como uma transgressora e, ao mesmo tempo, protagonista corajosa da própria trajetória. A punição social que sabia que enfrentaria não foi suficiente para dissuadi-la de romper com um casamento sem afeto. Apoie o Resenhando.com e compre o livro neste link.
Casamento, perdas e prisão: os bastidores da criação de “Caminho de Pedras”
Após o sucesso de "O Quinze", romance de estreia, Rachel de Queiroz fez diversas viagens para divulgar a obra. Durante esse período, conheceu o poeta José Auto da Cruz Oliveira, conhecido como Zé Auto, com quem se casaria em 14 de dezembro de 1932. No ano seguinte, em Fortaleza, nasceu Clotilde, a única filha do casal.
Contudo, tragicamente, a menina faleceu aos um ano e meio de idade, em apenas 24 horas, vítima de meningite aguda. Pouco tempo depois, Rachel enfrentaria outra dor: a morte do irmão mais novo, Flávio, aos 18 anos, devido a uma septicemia causada por uma infecção em uma espinha no rosto. Esse período mergulhou a autora em um profundo estado de luto e desolação.
Nos anos seguintes, com o endurecimento do regime de Getúlio Vargas, o Nordeste passou a ser alvo de uma repressão intensa contra movimentos de esquerda. Durante esse clima político tenso, Rachel foi presa sob acusação de envolvimento comunista, ficando incomunicável nas instalações do Corpo de Bombeiros de Fortaleza. Foi justamente durante esse período de reclusão que ela iniciou a escrita do terceiro romance - sendo que o segundo, "João Miguel", só seria publicado em 1937 - o qual receberia o título de “Caminho de Pedras”.
A obra é frequentemente apontada por estudiosos como o romance mais politicamente comprometido de sua longa trajetória literária, marcado por um socialismo libertário que raramente voltaria a aparecer em seus escritos. Com uma prosa concisa e direta, o livro mergulha na psicologia dos personagens, narrando a história de um amor proibido entre Roberto e Noemi - esta, esposa do ex-militante comunista João Jaques e mãe de um bebê chamado apenas de Guri. A narrativa tem como pano de fundo o cenário de luta social dos anos 1930, com duras críticas ao Integralismo e ao autoritarismo do Estado Novo. Apoie o Resenhando.com e compre o livro neste link.
Resumo Detalhado de "Caminho de Pedras", de Rachel de Queiroz
Contexto histórico e político
Publicado originalmente em 1937, "Caminho de Pedras" se passa em Fortaleza, nos anos 1930, durante a Era Vargas, um período de forte repressão política, especialmente contra movimentos de esquerda. A narrativa se insere nesse cenário turbulento, trazendo à tona discussões ideológicas, sociais e morais - tudo isso atravessado por uma trama afetiva intensa.
🧍♂️ Personagens principais de "Caminho de Pedras"
Roberto - Jovem idealista, envolvido com o movimento de esquerda. A missão dele é organizar uma nova célula comunista em Fortaleza. Inteligente, sensível e politicamente comprometido, representa o engajamento da juventude com as causas sociais.
Noemi - Mulher casada, mãe do pequeno Guri, vive presa a um casamento sem amor com João Jaques, um ex-militante comunista agora desencantado. Noemi é uma personagem complexa, dividida entre o papel que a sociedade lhe impõe e o desejo de viver algo mais verdadeiro e intenso.
João Jaques - Marido de Noemi. É um homem desiludido, que abandonou a luta política. Seu afastamento do idealismo o coloca em contraste com Roberto, que ainda acredita na transformação social.
🧩 Enredo de "Caminho de Pedras"
A história de "Caminho de Pedras" gira em torno da chegada de Roberto a Fortaleza com o objetivo de reunir trabalhadores e formar uma nova célula comunista. Durante essa missão, ele conhece Noemi, uma mulher inquieta, frustrada com sua vida familiar e emocionalmente distante do marido. Ela se interessa pelas ideias políticas de Roberto, mas principalmente por ele como pessoa.
Noemi começa a frequentar reuniões políticas e estabelece com Roberto uma conexão que extrapola o campo ideológico: nasce entre os dois uma relação amorosa intensa, carregada de paixão, mas também de dilemas morais. Noemi vive um conflito interno profundo - entre os valores conservadores que a cercam (e que ela internalizou) e o desejo de se libertar de uma vida sem sentido.
Ao se envolver com Roberto, Noemi começa a experimentar uma forma de liberdade até então desconhecida para ela, questionando seu papel de esposa e mãe tradicional. Essa libertação, no entanto, tem um custo: o julgamento social e as consequências afetivas e políticas que envolvem sua escolha.
🔍 Temas principais de "Caminho de Pedras"
Conflito entre o desejo e o dever - Noemi personifica esse embate, sendo pressionada pelos papéis sociais atribuídos à mulher, mas ansiando por uma existência mais autêntica.
Militância e desilusão política - Roberto representa o entusiasmo revolucionário; João Jaques, a descrença e o abandono da luta.
Emancipação feminina: Noemi tenta trilhar um "caminho de pedras" rumo à autonomia emocional, intelectual e amorosa.
Moralidade e transgressão - A obra questiona os limites éticos impostos pela sociedade, colocando em foco o preço da liberdade individual.
💬 Estilo e linguagem de "Caminho de Pedras"
A escrita de Rachel de Queiroz em "Caminho de Pedras" é marcada por uma linguagem enxuta, direta e sensível, com forte carga psicológica e introspectiva. A narrativa avança com diálogos intensos e passagens de grande densidade emocional, revelando a complexidade interna dos personagens.
📝 Importância de "Caminho de Pedras" na obra de Rachel de Queiroz
Considerado por muitos críticos o romance mais engajado politicamente de Rachel de Queiroz, o romance "Caminho de Pedras" também marca o início de um estilo mais maduro da autora, com profundas análises existenciais e emocionais. É também uma das raras ocasiões em que ela explora, de maneira direta, temas ligados ao socialismo libertário. Apoie o Resenhando.com e compre o livro neste link.
Esquema por capítulos de "Caminho de Pedras" (resumo da narrativa)
Capítulo 1 - Chegada e missão
Roberto chega a Fortaleza com a missão de organizar uma célula comunista. É introduzido o contexto político da Era Vargas e o clima de tensão no Nordeste. Roberto começa a se aproximar de operários e trabalhadores para formar uma base ideológica.
Capítulo 2 - Primeiros contatos
Noemi aparece como personagem secundária nas reuniões políticas. Aos poucos, mostra-se interessada não só nas ideias, mas em Roberto. Introdução do núcleo familiar de Noemi: João Jaques e o filho, Guri.
Capítulo 3 - A aproximação
A conexão entre Roberto e Noemi se fortalece. O ambiente doméstico opressivo de Noemi é descrito, revelando seu desgaste emocional. Cresce o clima de tensão e desejo entre os dois.
Capítulo 4 - Início do romance
Noemi e Roberto se envolvem amorosamente. A relação desafia as convenções da época: adultério, militância e desejo de liberdade. Roberto é dividido entre seu idealismo político e o sentimento por Noemi.
Capítulo 5 - Conflitos internos
Noemi entra em crise: culpa, desejo, medo da repressão social. João Jaques começa a desconfiar.. Roberto tem dificuldades com o avanço da célula revolucionária.
Capítulo 6 - Queda e consequências
O relacionamento é descoberto ou se torna insustentável. Noemi enfrenta o julgamento da sociedade e o colapso do casamento. Roberto sofre repressão ou precisa fugir.
Capítulo 7 – Escolhas e liberdade
Noemi decide romper com as expectativas e padrões sociais. O final é melancólico, mas libertador: há perda, mas também consciência de si. A metáfora do "caminho de pedras" é consolidada como o percurso árduo da mulher em busca de autonomia.
Análise temática aprofundada de "Caminho de Pedras"
1. Amor e transgressão
O romance aborda o amor extraconjugal entre Noemi e Roberto, desafiando as normas sociais da época. Essa relação é retratada com profundidade emocional, explorando os conflitos internos de Noemi entre desejo e culpa.
2. Militância política
A obra está inserida no contexto da Era Vargas, destacando a repressão aos movimentos de esquerda. Roberto representa o idealismo revolucionário, enquanto João Jaques simboliza a desilusão com a política.
3. Emancipação feminina
Noemi busca romper com os papéis tradicionais de esposa e mãe, em busca de autonomia e realização pessoal. Sua jornada reflete as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que desafiam as expectativas sociais.
4. Conflito entre vida pública e privada
A narrativa explora como as escolhas pessoais de Noemi estão intrinsecamente ligadas ao contexto político e social, mostrando a interdependência entre o íntimo e o coletivo.
🧠 Perfil psicológico dos personagens principais de "Caminho de Pedras"
Noemi
Conflitos internos: luta entre o desejo de liberdade e o peso da culpa por trair as expectativas sociais. Evolução: passa de uma mulher submissa a uma figura que busca ativamente sua autonomia, mesmo enfrentando consequências dolorosas.
Roberto
Conflitos internos: dividido entre o compromisso com a causa socialista e o amor por Noemi. Evolução: a relação com Noemi o humaniza, mas também o coloca em risco dentro do contexto político repressivo.
O que disseram sobre o livro "Caminho de Pedras"
“Caminho de pedras é uma história de gente magra, uma história onde há fome, trabalho excessivo, perseguições, cadeia, injustiças de toda a espécie, coisas que os cidadãos bem instalados na vida não toleram.” ― Graciliano Ramos
“A mesquinhez pulha dos indivíduos, a amargura sofrente de todos, a incapacidade como que por fatalidade, a dedicação por um ideal mais sonhado que entendido, o ambiente parado das cidades nordestinas (com exceção do Recife), a quantidade inflexível de sol que está no livro, a pureza da linguagem natural, sem a menor pesquisa: é a Rachel de Queiroz grande romancista.” ― Mário de Andrade
“A trilogia 'O Quinze', 'João Miguel' e 'Caminho de Pedras' marca claramente um momento da obra de Rachel. A afirmação de seu compromisso com a linguagem clara, de dicção moderna, a preocupação com o social, seus conflitos políticos, sua raiz nordestina. Marca ainda sua habilidade no desenho de personagens femininas cujo desempenho desafia invariavelmente a lógica patriarcal desta primeira metade do século XX.” ― Heloisa Teixeira
Fuvest 2026
"Opúsculo Humanitário" (1853) - Nísia Floresta Brasileira Augusta
"Nebulosas" (1872) - Narcisa Amália
"Memórias de Martha" (1899) - Júlia Lopes de Almeida
"Caminho de Pedras" (1937) - Rachel de Queiroz
"O Cristo Cigano" (1961) – Sophia de Mello Breyner Andresen
"As Meninas" (1973) – Lygia Fagundes Telles
"Balada de Amor ao Vento" (1990) – Paulina Chiziane
"Canção para Ninar Menino Grande" (2018) – Conceição Evaristo
"A Visão das Plantas" (2019) – Djaimilia Pereira de Almeida