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terça-feira, 24 de dezembro de 2024

.: Entrevista: Arlete Salles recorda a personagem Carmosina, de "Tieta"


Arlete Salles recorda sua personagem em ‘Tieta’. Na imagem, as atrizes Arlete Salles e Betty Faria caracterizadas como Carmosina e Tieta. Foto: TV Globo / Bazilio Calazans

Um dos maiores sucessos da teledramaturgia brasileira, "Tieta" está de volta a partir do dia 2 de dezembro, no "Vale a Pena Ver de Novo". Arlete Salles, que viveu a boa-praça Carmosina, relembra o papel. “Era uma personagem doce, ingênua, mas tinha o seu defeito, que era abrir a correspondência alheia, para conhecer os segredos das pessoas. Era uma solteirona à espera de um amor que demorava”, relembra. Livremente inspirada no romance "Tieta do Agreste", de Jorge Amado, a obra de Aguinaldo SilvaAna Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares cativou o público com seu humor irreverente, personagens e atuações inesquecíveis há 35 anos e segue viva no coração dos brasileiros. 

Na trama, Carmosina é filha de Dona Milú (Miriam Pires) e grande amiga de Tieta (Betty Faria) desde a juventude, sendo uma das poucas que a defendia. Como uma agente dos Correios, usa o antigo e tradicional método do bico de chaleira para ler todas as cartas que chegam ou saem da cidade. Mas, embora seja a senhora de todos os segredos de Santana, se faz um "túmulo" quando necessário. Excelente cozinheira, culta e de grande caráter, também é sujeita a duras provações, como a sua longa solteirice e a paixão secreta que nutre.

Por ser uma novela ambientada no Nordeste brasileiro, na fictícia Santana do Agreste, as gravações traziam menos dificuldades para Arlete, natural de Pernambuco, que podia fazer uso do seu sotaque na produção. “A Carmosina foi uma personagem que me levou de volta para a minha terra. Sou nordestina e nesse trabalho tive a tranquilidade de liberar o meu sotaque, eu não precisava disfarçá-lo, era muito bom”, comenta a atriz. 


Qual foi a sensação ao saber que "Tieta" iria voltar no "Vale a Pena Ver de Novo"?
Arlete Salles - Eu recebi a notícia com muita alegria, foi uma bela surpresa. Fiquei contente de poder rever a Carmosina, uma personagem que deixou lembranças muito queridas no meu coração.


De que forma essa reprise mexe com você?
Arlete Salles Foi uma novela que fez muito sucesso e eu espero que ela consiga encantar e divertir o público outra vez. A trama tinha tópicos muito engraçados, até mesmo vindo da vilã Perpétua (Joana Fomm). E da própria Carmosina! Eu acho que a novela vai fazer uma apresentação bonita.

Como foi a repercussão da sua personagem, a Carmosina, na época?
Arlete Salles Foi muito bacana. Era uma personagem doce, ingênua, mas tinha o seu defeito, que era abrir a correspondência alheia, para conhecer os segredos das pessoas. Era uma solteirona à espera de um amor que demorava. Estou ansiosa para ver o percurso da personagem agora, com essa nova exibição.

Quais as principais lembranças que guarda desse trabalho e da rotina de gravação?
Arlete Salles A Carmosina foi uma personagem que me levou de volta para a minha terra. Sou nordestina e nesse trabalho tive a tranquilidade de liberar o meu sotaque, eu não precisava disfarçá-lo, era muito bom. Também me lembro de Bettinha (Betty Faria) fazendo a Tieta lindamente. Eu me lembro muito da Joana Fomm, que brilhou nessa novela, fez um trabalho incrível. Essas são algumas das lembranças que eu guardei desse trabalho.

Você se recorda da cena mais desafiadora que fez em 'Tieta'?
Arlete Salles Eu lembro de uma. A Carmosina era apaixonada pelo personagem Osnar, interpretado pelo José Mayer, e era uma paixão calada, sufocada. Mas um belo dia ela bebe em uma festa, encontra com ele e faz um grande desabafo, para a surpresa dele, que não sabia o que ocorria dentro do coração dela para gerar aquele descarrego.

E quais são os seus próximos projetos?
Arlete Salles Eu estou em turnê no espetáculo "Ninguém Dirá Que É Tarde Demais", escrito pelo meu neto, Pedro Medina. É um texto lindo, sensível, delicado, engraçado, e é uma delícia contracenar com Edwin Luisi, um grande ator e que tem um jogo bonito em cena. Depois dessa excursão que termina no ano que vem, eu vou descansar um pouquinho para pensar no próximo trabalho.

.: Entrevista: G. H. Oliveira fala como as datas comemorativas ajudam a refletir


Autor de "Fins & Feriados", G.H. Oliveira explica como utilizou os dias de celebração para pensar sobre a existência humana e os sentimentos inerentes da vida em sociedade. Foto: divulgação


Com a proximidade do Natal, muitas emoções vêm à tona: a alegria das confraternizações, o saudosismo de reencontrar familiares depois de anos, o medo do futuro e a melancolia dos finais de ciclo. Esses e outros sentimentos, típicos das datas comemorativas, serviram como inspiração para a publicação da antologia "Fins & Feriados", escrita por G.H. Oliveira. A obra utiliza o realismo fantástico para tratar sobre assuntos como luto, perdas, recomeços e encerramentos.

No conto natalino, por exemplo, o Papai Noel vai se aposentar e se prepara para o último dia de trabalho, mas ele não esperava uma surpresa das crianças de um orfanato. “Eu sempre defendo que é um livro sobre cura. E no melhor estilo possível, porque não é condescendente ou maçante, não é uma mensagem com cara de propaganda. São narrativas emocionantes de se acompanhar com personagens que a gente consegue se identificar e se projetar e, com isso, refletir sobre os fantasmas que carregamos dentro de nós”, afirma o autor. Acompanhe o autor no Instagram: @ghescritor. Compre o livro "Fins & Feriados", de G. H. Oliveira, neste link.


De onde veio a inspiração para escrever um livro focado em datas festivas?
G.H. Oliveira
 - Tudo começou com um concurso para uma antologia de Halloween. Nunca tinha escrito nada voltado para terror/suspense, mas decidi me aventurar. O que não esperava era ter ficado tão entusiasmado com esse processo de pegar os símbolos de uma data festiva, subvertê-los e aprofundá-los para criar uma história que tivesse o espírito do feriado, mas também que soasse algo novo, empolgante. O conto de Halloween acabou não sendo escolhido para a antologia, mas recebi excelentes feedbacks. Isso me motivou a pensar “e se eu escrevesse para outros feriados?”. A partir daí surge a minha antologia "Fins & Feriados", que mais tarde venceu o prêmio “Conto Inesquecível” da Amazon com a história de Dia dos Namorados.


Todas as histórias do livro foram pensadas especificamente para o livro, ou você reciclou ideias antigas e depois reuniu tudo nesta coletânea?
G.H. Oliveira
 - Todas foram pensadas especificamente para seus respectivos contos. Até porque a graça do processo era descobrir o que seria a história ao refletir sobre o que determinado feriado significava para mim e para as outras pessoas, qual gênero narrativo mais combinaria, como seria a estrutura da trama, quais os personagens mais adequados para guiar o leitor e entretê-lo.


Cada história é muito diferente uma da outra, e com isso você mostra como cada data é única. Quais as principais mensagens e aprendizados que você deixa ao leitor nos contos de "Fins & e Feriados"?
G.H. Oliveira
 - Apesar de ser um livro que fala de assuntos densos, como perda e luto, eu sempre defendo que é um livro sobre cura. E no melhor estilo possível, porque não é condescendente ou maçante, não é uma mensagem com cara de propaganda. São narrativas emocionantes de se acompanhar com personagens que a gente consegue se identificar e se projetar e, com isso, refletir sobre os fantasmas que carregamos dentro de nós. Com sorte, nos ajuda a conviver melhor com esses fantasmas.


Existe alguma data festiva não incluída no livro que você gostaria de abordar em uma história futura?
G.H. Oliveira - Eu tenho uma vontade tremenda de escrever uma história sobre Réveillon. Os símbolos, o clima, o significado, acho que tem tudo para render uma boa trama. Já rascunhei algumas ideias, mas nada muito certo ainda. Mas quem sabe? Às vezes o estalo que falta para tudo vir à tona, está mais perto do que eu imagino.


"Fins & Feriados" é seu livro de estreia. Que aprendizados desse processo de escrita e publicação você irá levar para seus trabalhos futuros?
G.H. Oliveira
 - Quanto à escrita, o processo de me desafiar a escrever tantas coisas fora da minha zona de conforto me trouxe muito mais alegria e empolgação do que angústia. A liberdade que há naquilo que desconhecemos, que nos desafia, só aguça nossa criatividade. Quanto à publicação, hoje me sinto muito mais seguro e confiante em publicar independente. Construí boas parcerias nessa caminhada e me reforçou essa ideia de que há várias “mãos” por trás da publicação de um livro, várias pessoas que agregam seus talentos e realçam a experiência que a sua obra causa ao leitor.


Sobre o autor

Guilherme Henrique Vieira de Oliveira nasceu em Teresópolis, mas cresceu em Volta Redonda, no interior do Rio Janeiro. Formado em Sistemas de Informação, divide seu tempo entre códigos e escrever histórias. É autor de O Viajante do Tempo, um dos contos incluídos à coletânea do Prêmio OFF FLIP 2023. Agora ele lança seu livro de estreia "Fins & Feriados", que reúne cinco histórias baseadas em datas festivas. Dentre elas, a comédia romântica Nem sempre é para sempre, que foi vencedora do Prêmio Conto Inesquecível promovido pelo Amazon KDP. Garanta o seu exemplar de "Fins & Feriados", escrito por G. H. Oliveira, neste link.


sábado, 21 de dezembro de 2024

.: Entrevista com Délio Galvão: escritor analisa costumes em romance policial


Na entrevista abaixo, o escritor Délio Galvão comenta sobre a importância de refletir acerca das transformações sociais através da literatura. Foto: divulgação

Autor do romance "Selva de Pedra", o escritor Délio Galvão cresceu em um país bem diferente do que é hoje: na década de 1980, os brasileiros ainda viviam na ditadura militar, e muitos jovens tinham uma liberdade restrita. Assuntos sobre sexualidade eram tabus no lar, e as desigualdades raciais e de gênero eram naturalizadas no dia a dia. Esses contextos mudaram em vários sentidos, mas o autor decidiu utilizar a literatura para analisar as transformações ocorridas na sociedade e para refletir sobre tudo aquilo que permanece o mesmo.

Além de narrar as investigações sobre um crime que atravessa 20 anos no tempo, a obra endossada por Raphael Montes faz um retrato fidedigno do Leblon. As três décadas em que viveu no bairro foram cenários importantes na vida do autor, que comenta: “Saí do Leblon, mas o Leblon nunca saiu de mim. Praia, ruas, bares e restaurantes formam o cenário do livro, não por acaso. Eu conheço cores, cheiros e sabores do bairro com muita propriedade. Sei que consegui passar um pouco de tudo isso para este caldeirão, que é o 'Selva de Pedra'”. Compre o livro "Selva de Pedra", escrito por Délio Galvão, neste link.


Você já tem contos, crônicas e obras infantojuvenis publicadas e “Selva de Pedra” é o primeiro romance policial da sua carreira literária. O que o motivou a explorar esse novo gênero? Quais foram as diferenças que você sentiu durante o processo de escrita?
Délio Galvão - Suspense e mistério sempre estiveram presentes em todas as minhas obras. Adoro criar clima de suspense e tensão em tudo que escrevo. Por exemplo, a coleção infantojuvenil "O Diário das Fantásticas Viagens de Giovana" contém um mistério por trás da localização de cinco cristais mágicos que estavam desparecidos em algum lugar do Brasil. Além disso, criei um personagem com a habilidade de viajar no tempo, que só tem a identidade revelada ao final do quarto volume. Sempre adorei os romances policiais. Li diversos livros de Raymond Chandler, George Simenon, Leonardo Padura, Rubem Fonseca e Luis Alfredo Garcia-Roza. Este último eternizou o detetive Espinosa, que investigava crimes em Copacabana, e me motivou a criar o detetive Pessanha, que investiga crimes no Leblon. As diferenças entre os dois segmentos, juvenil e de adultos, são enormes. A adaptação do meu processo de escrita envolveu muito estudo, leitura e cursos com grandes escritores e profissionais da área. Dentre os quais eu destaco o curso que fiz com o Raphael Montes (“Escreva o seu Romance”). Cabe destacar que o Raphael Montes endossou o "Selva de Pedra", ao enviar uma frase que está publicada na contracapa do livro. O outro curso que destaco foi com o do diretor Jorge Furtado (“Roteiro: do Início ao Fim, Passando pelo Meio”). Foi um curso que me ajudou a montar narrativas rápidas e diretas, com cenas de ação e diálogos curtos.


A obra é ambientada no Leblon, um dos cartões postais do Rio de Janeiro. Qual sua relação com o bairro?
Délio Galvão - Eu nasci em Copacabana e me mudei para o Leblon quando tinha quatro anos. Vivi intensamente o bairro até os 24 anos. Ali nasceram meus três irmãos. Eu morava em um apartamento na Ataulfo de Paiva e estudava em Botafogo. Pegava um ônibus circular todos os dias para chegar à escola. Nesse mesmo apartamento, assisti à separação de meus pais. Dez anos depois, eu me formei em engenharia e me casei. Foi então que eu tive que me mudar. Saí do Leblon, mas o Leblon nunca saiu de mim. Praia, ruas, bares e restaurantes formam o cenário do livro, não por acaso. Eu conheço cores, cheiros e sabores do bairro com muita propriedade. Sei que consegui passar um pouco de tudo isso para este caldeirão que é o "Selva de Pedra".


Além de ter uma investigação sobre uma morte, o enredo também atravessa algumas complexidades das diferenças sociais do Brasil. De que maneira você inseriu esses temas na obra e as utilizou para dar mais profundidade à trama?
Délio Galvão - O romance é contado em dois tempos em um bairro de classe média alta, o Leblon. A primeira parte se passa no início da década de 1980, quando ainda vivíamos a ditadura militar. Acredito que a grande maioria dos jovens da época, assim como eu, foi criada com rígidos padrões de respeito e de restrita liberdade. O machismo, o racismo e o sexismo, entre outras desigualdades vindas de uma sociedade patriarcal, eram muito presentes dentro de casa e no dia a dia. Além de assuntos como sexo, drogas, orientação sexual serem vistos como tabus e pouco falados. Apesar disso, os jovens se mantinham em uma busca incessante por novidades e pelo desconhecido. A ambientação do livro retrata este momento, bem como a forma como estes assuntos são tratados nos dias de hoje.


O livro tem linhas do tempo distintas, com 20 anos de diferença. Que características os leitores notam entre o RJ de 1980 e o de 2000 a partir da obra? E como você pensou nas diferenças entre os próprios personagens?
Délio Galvão - As diferenças na geografia do bairro e na criação dos filhos, de 1980 para hoje, são muito grandes. Aliás, me assusta lembrar a forma como fomos criados. A sandália virada de bruços, em cima do colo da mãe, para aprendermos a tabuada ou para comermos as verduras do prato e tomarmos o remédio amargo. Azul para o quarto dos meninos e rosa para o das meninas. A forma como criamos nossos filhos hoje em dia é muito diferente. Principalmente as filhas, que venceram tabus e cada vez mais se apresentam em igualdade de condições com os homens. Deixaram para trás aquela mulher submissa que se apresentava como “do lar” ao ser perguntada sobre sua profissão para censo do IBGE. Estes aspectos são bem caracterizados na mudança de tempo por qual o livro passa, antes de ser desvendado o mistério por trás da morte de um jovem.


O que os leitores podem esperar durante a leitura do livro? E quais lições espera que eles extraiam?
Délio Galvão - Ganância, ciúmes, traição, crime e castigo, está tudo junto e misturado em Selva de Pedra. O leitor vai passear com os investigadores por ruas, bares e restaurantes do Leblon enquanto investigam a morte de um jovem. Responder as perguntas “quem morreu, quem matou e por que matou?” formam a linha condutora deste romance que irá surpreender o leitor com inúmeras reviravoltas, algumas mortes e muitas traições. Espero que gostem, que observem as diferenças de cultura e hábitos pelos quais passamos, o quanto melhoramos e de quanto ainda precisamos evoluir.

Sobre o autor
Délio Galvão
 começou a carreira literária aos 56 anos com a publicação da coleção de livros infantojuvenis "O Diário das Fantásticas Viagens de Giovana", publicada pela Editora Bambolê. Recebeu o prêmio Ases da Literatura de 2023 por "Crônicas para Casais Quase Modernos", sua primeira obra para público adulto. Possui diversas crônicas e contos publicados em antologias de diferentes editoras. Já havia publicado narrativas curtas de suspense e tramas policiais, mas "Selva de Pedra" é o primeiro romance do gênero do autor. Instagram do autor: @deliogalvao.escritor. Garanta o seu exemplar de “Selva de Pedra”, escrito pot Délio Galvão, neste link.

.: Entrevista com Israel Pinheiro: "O bom humor sempre amplifica o alcance"


Israel Pinheiro escreveu "3 Natais Recifenses" para focar em personagens que enfrentam momentos de grande dor e solidão durante um dos períodos de maior comemoração do ano. Com um debate sobre a desigualdade brasileira e a valorização da identidade cultural do país, ele comenta abaixo sobre os motivos que o levaram a lançar o livro. Foto: Marcio Amorim


O escritor Israel Pinheiro publicou "3 Natais Recifenses" para explorar, a partir de vivências tipicamente brasileiras, os sentimentos intensos que a época desperta: esperança e a satisfação dos reencontros, mas também a saudade e o luto. Por meio de uma linguagem bem-humorada, com desfechos leves e otimistas, os três contos que compõem o livro homenageiam a capacidade do povo brasileiro em ser resiliente mesmo diante das adversidades. Em entrevista, o premiado autor comentou sobre a importância de resgatar o espírito solidário nesta época de festas de fim de ano e destacou ainda o papel da literatura como catalizadora de pautas sociais, com debates sobre a desigualdade de classe e a valorização da identidade cultural do país.


O que o inspirou a explorar o tema do Natal em Recife e suas complexidades sociais? Existe alguma experiência pessoal ou memória que influenciou a escrita dessas histórias?
Israel Pinheiro - O Natal muitas vezes nos provoca sensações ambíguas. E Recife é uma cidade de muitas assimetrias e contradições sociais. A indiferença dos que estão à mesa das ceias opulentas com a sorte dos que estão à mesa frugal me incomoda bastante, e é por aí que eu começo.


A obra "3 Natais Recifenses" surgiu em meio à pandemia de Covid-19. Como esta experiência influenciou o seu processo criativo e os temas abordados na narrativa? Como questões sobre isolamento, medo e resiliência foram traduzidas nas tramas?
Israel Pinheiro - A minha perplexidade com o estado de coisas durante a pandemia de Covid-19 influenciou bastante. Então eu tentei refletir um pouco sobre que tipo de sociedade somos a partir das escolhas absurdas que fazíamos em meio a uma crise sanitárias de proporções impensáveis. Poder falar a um leitor isolado, compulsoriamente fora de sua grei, e de uma forma afetiva, me provou que o diálogo estético é sempre possível e, quase sempre, bem-vindo.


O livro apresenta um retrato da classe média e das contradições sociais e estruturais da região. Como você enxerga o papel da literatura em provocar reflexões sobre desigualdades sociais?
Israel Pinheiro - O livro transita por diferentes estratos da classe média. Acho que Recife é uma das poucas cidades do mundo onde existem classe média trabalhadora e classe média aristocrática. São realidades muitos distintas para caber numa mesma nomenclatura oficial. A classe média trabalhadora recifense vive no fio da navalha e tem consciência de que a total pauperização é sempre um risco. A literatura tem o dever marcar essas distinções de algum modo.


O humor e a crítica social são elementos marcantes em “3 Natais Recifenses”. Como você equilibra esses dois aspectos para transmitir mensagens mais profundas de forma leve?
Israel Pinheiro - Eu acho que o bom humor sempre amplifica o alcance de uma reflexão. Tudo que eu faço, procuro fazer com leveza e com alguma elegância. Gosto de pensar que meus contos são uma espécie de conversa amistosa com o leitor, ainda que coisas duras possam ser ditas numa conversa amistosa, o tom faz toda a diferença.


A cultura pernambucana permeia o livro, seja nos diálogos ou nas referências musicais e locais. Dentre os elementos culturais regionais quais você considera essenciais para capturar a essência da cidade durante o período natalino?
Israel Pinheiro - Esses elementos fluem naturalmente de mim, eu sou um pernambucano típico. É tudo muito orgânico. Não acho que a cidade tenha um símbolo natalino incontornável. Talvez o mais peculiar seja essa ausência de símbolos próprios.


O resgate do espírito solidário é um ponto chave da obra. Como você acredita que as tradições natalinas podem ajudar a reforçar conexões humanas e combater a sensação de isolamento?
Israel Pinheiro - Há algo no Natal que nos compele a amar. É o que eu sinto. É de longe a minha época preferida do ano.


Sobre o autor
Pernambucano, Israel Pinheiro estudou Letras na Universidade Federal de Pernambuco e é graduado em Gestão de Marketing. Sempre foi apaixonado por literatura e tem contos premiados em diversos concursos literários nacionais, entre eles Concurso Nacional de Contos da Universidade do Vale do Paraíba (SP), em 2002; Concurso Literário Sesc Santo Amaro (SP) em 2003; Concurso de Contos Luís Jardim – Prefeitura do Recife (PE), 2007; e Concurso Literário Associação Nacional de Escritores (ANE) - "50 Anos, Contos" (DF), em 2013. Na literatura, "3 Natais Recifenses" é a sua terceira publicação, que conta também com uma edição em língua espanhola. Instagram do autor: @pinheiroisrael.silva.

.: Entrevista com Sérgio Coelho, escritor: "Cheguei a me assustar com tal 'insight'"


Sérgio Coelho, escritor do livro de poesia "A Garota e o Armagedon", fala sobre suas referências e motivações por trás da obra


O que levou Sérgio Coelho a escrever o livro "A Garota e o Armagedom" foi um momento de bloqueio criativo. Insatisfeito com os rumos de um romance em que trabalhava, voltou-se para a poesia, que permitiu um processo criativo mais livre e imaginativo. Entre as várias possibilidades e referências que o guiaram, o movimento Surrealista, uma das vanguardas artísticas do início do século XX, acabou cruzando seu caminho.

Combinando mitologia, folclore, música e cinema, os poemas da obra exploram imaginação e fantasia em uma jornada literária insólita. Para fazer companhia, o leitor encontra personagens como bailarinas, soldados, feras, divindades e uma heroína envolvida por acaso em uma aventura apocalíptica. Compre o livro "A Garota e o Armagedom", de Sérgio Coelho, neste link. 


Uma das principais referências do livro é o movimento surrealista. Por que você escolheu essa corrente artística como fonte de inspiração?
Sérgio Coelho - Sei que vai parecer estranho, mas não escolhi. Procurava um tema que conectasse os poemas a ponto de conseguir um livro. Fiquei alguns dias pensando, e, de repente, veio à cabeça a palavra “surrealismo” como uma ideia. O que me veio como inspiração foi o estilo, não um tema.... ou melhor, o estilo virou o tema do livro! Cheguei a me assustar com tal “insight”, não sabia nada sobre o movimento Surrealista. Mas a ideia, estranhíssima, pareceu tão boa que fui estudar. Assim começou a aventura: fugi do mundo comum, tornei-me um “criativo herói surrealista”.


Além do surrealismo, é possível ver nos poemas elementos de mitologia e fantasia. Que outros artistas e obras te inspiraram a escrever os poemas do livro?
Sérgio Coelho - Livros, documentários, música pop, movimentos artísticos, mitologia, folclore brasileiro e até o "Apocalipse de João". Usei parte da cultura que consegui acumular ao longo do tempo para trabalhar nos textos. Na hora de escrever, chamava uma ideia que se tornasse um verso e que conseguisse puxar outro. A única regra era que o texto precisava parecer um sonho. Tive que abrir mão da autocrítica, num ato de coragem, para não emperrar a criatividade. Se precisasse de inspiração, eu ia ao YouTube e pesquisava até me sentir encorajado, pronto para escrever.


"A garota e o Armagedon" foi realizado em um momento de bloqueio criativo. Quais técnicas você usa para estimular a criatividade?
Sérgio Coelho - Queria escrever um livro em prosa, uma história com três atos. Mas abandonei os escritos e senti insatisfação e frustração com o resultado. Resolvi voltar aos versos, com os quais tive uma recompensadora experiência anterior. Não estou certo de qual técnica utilizei, mas usei a criatividade para voltar a ficar satisfeito e cumprir a promessa, feita a mim mesmo, de conseguir um livro. Com isso, mudei do verso para a prosa. O processo foi bem particular: criar sem autocensura.


Você já tem projetos literários planejados para o futuro?
Sérgio Coelho - Adoraria voltar a escrever. Tenho dois livros “na gaveta”, e um deles chegou a ganhar uma edição limitada, distribuída a título de curiosidade. O feedback foi bom, pois tratava-se de uma série de poemas com uma personagem feminina: vilã e heroína. Dependendo do que acontecer com a “Garota”, a “Vilã” entra em cena.

Sobre o autor
Formado em Ciências Sociais, Sérgio Coelho é bancário e morador de Belo Horizonte. Curioso por movimentos artísticos, há anos é instigado por questionamentos sobre o sentido da vida e a ordem das coisas. Ainda sem respostas, segue transformando dúvidas em versos e imagens sobre a alma. Mesmo sendo muitas as profundezas que experimenta ao longo da vida, a cada mergulho, a volta à superfície é mais recompensadora. Garanta o seu exemplar de "A Garota e o Armagedom", escrito por Sérgio Coelho, neste link.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

.: Entrevista: Luiza Conde explora tempo e morte pelo fantástico e terror em livro


Rituais longínquos, maldições pregadas na parede e amigos monstruosos. Um ônibus para lugar nenhum, um metrô infinito e uma coleção sanguínea. Esses são cenários que atravessam “Relógios Partidos”, o primeiro livro da roteirista carioca Luiza Conde, lançado pela editora Litteralux. Com uma carreira profícua no roteiro, Luiza agora se lança na literatura fantástica com 12 contos sobre o tempo e os principais medos que acometem a humanidade: envelhecer, ficar só, errar, escolher, morrer, viver.  Dividido em três partes que remetem ao passado (“Tempos que Foram”), presente (“Tempos que São”) e futuro (“Tempos que Podem Ser”), o livro é influenciado pelas obras de autoras que conversam com o insólito e o terror, como Mariana Enriquez, Lygia Fagundes Telles, Silvina Ocampo e Socorro Acioli.  A obra tem texto de orelha assinado pelo escritor e pesquisador Leonardo Villa-Forte.

Nascida no Rio de Janeiro em 1989, Luiza é formada em Letras — Português e Russo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e trabalhou no mercado editorial por dez anos. Entre os autores que inspiram sua escrita, a autora vai de clássicos, passando pela ficção científica e o realismo mágico latino-americano, citando Machado de Assis, Jorge Luis Borges, William Faulkner, Sylvia Plath, Clarice Lispector, Adolfo Bioy Casares, Ursula K. Le Guin e Isaac Asimov.

Luiza trocou o mercado editorial pelo audiovisual aos 27 anos, área em que atua até hoje. Como roteirista, trabalhou nas séries “Sem Filtro” (Netflix), “Vai que Cola” (Multishow) e “Detetives do Prédio Azul” (Gloob), e é coautora do longa “Jogada Ensaiada” (Vitrine Filmes), vencedor do Prêmio Cabíria na categoria Argumento de longa infanto juvenil em 2021. 

O futuro de Luiza Conde está cheio de estreias. Ela também pretende começar a escrever seu primeiro romance, “A Hóspede”, em breve, além de lançar uma nova coletânea de contos fantásticos, dessa vez com a temática dos labirintos. Em 2025, estreia a primeira peça que assina como dramaturga, “Memórias da Superfície”, uma sátira sobre influenciadores e a nossa relação com redes sociais. Compre o livro "Relógios Partidos", de Luiza Conde, neste link.


Por que escolher tempo e morte como temas a se trabalhar em um livro?
Luiza Conde - O tempo sempre foi uma ideia fascinante para mim, desde pequena. Sempre amei histórias de viagem no tempo, com as suas intrincadas regras de funcionamento e os seus paradoxos. Lembro de ler sobre o paradoxo dos gêmeos quando era bem pequena e ficar totalmente ensimesmada com a ideia de que o tempo é mutável, moldável. Eu gosto da ideia do tempo como essa entidade que existe e não existe simultaneamente, como algo que sentimos e vivenciamos, mas que da mesma maneira criamos ao inventar as medidas de tempo e as convenções para a sua passagem. Acho incrível que consigamos dar formas ao futuro, algo que ainda não existe. E que tenhamos um passado coletivo compartilhado que nos impacta mesmo que não o tenhamos vivido. Acho difícil também lidar com o tempo, tenho dificuldade de administrá-lo e de precisar quanto cada coisa vai levar. Também por isso, escrevo sobre o tempo, para ver se faço mais sentido da coisa. Já a morte se apresentou como tema balizador do livro mais por circunstâncias de vida. Sempre gostei tanto de escrever quanto de ler e assistir histórias violentas, e, portanto, a morte sempre foi temática da minha literatura. Mas acredito que só se tornou um elemento tão estrutural do livro por ter começado a escrevê-lo pouco depois de perder meu pai e, ainda durante o processo de escrita, ter perdido minha mãe também. Assim, os anos de escrita do livro foram de perda e luto, e não havia como esses temas não transbordarem para a obra de uma forma ou de outra.


Como foi o processo de escrita de "Relógios Partidos"?
Luiza Conde - A minha literatura sempre foi mais densa, como em "Relógios Partidos". Curiosamente, desde que me tornei roteirista, aos 27 anos, só fui chamada para escrever comédias, como o meu currículo indica. Sou grata ao roteiro por ter revelado esse talento para a comédia que eu não sabia que tinha e que não teria descoberto de outra forma. Sinto que incorporei um humor sombrio à minha literatura por conta dessa descoberta, inclusive. No entanto, em algum momento começou a pesar o fato de só escrever comédias (e o mesmo tipo de comédia) no roteiro. Retomei a escrita da literatura aos 30 anos por necessidade de dar vazão a coisas que queria escrever que não tinham espaço no roteiro. Aos 31, em meados de 2021, uma amiga me indicou a oficina "Casulo", do Leonardo Villa-Forte, escritor e pesquisador. Era uma oficina de leitura e escrita de contos. Toda semana, nós líamos alguns contos e o Leonardo passava uma proposta de exercício em cima deles, e na semana seguinte líamos os contos que tínhamos escrito. Assim, eu fui escrevendo um conto por semana, e fui gostando do resultado. Ao final do ano, a oficina se encerrou e eu me dei conta de que já tinha um número bem considerável de contos escritos. Foi daí que surgiu a ideia de "Relógios Partidos". O processo de escrita não foi fácil, como disse foram anos de perdas muito duras, lutos e transformação. Também estava em salas de roteiro durante 2022 e 2023. Por conta disso tudo, não pude me dedicar com a constância que gostaria ao livro. Passei 2022 e a primeira metade de 2023 o escrevendo, reescrevendo, revisando. Em agosto de 2023, finalmente consegui terminá-lo.


Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?
Luiza Conde - Acho que o livro traz uma mensagem de não conformismo. Tanto de um ponto de vista individual, de romper com os papéis que somos obrigados a performar socialmente, com o que é esperado de nós; quanto coletivamente de ruptura com o status quo. Afinal, não é porque “as coisas são assim” que está tudo bem. As consequências da conformidade em nossa sociedade podem ser (e são) terríveis, o que também é explorado em alguns contos do livro. Acho também que, embora não seja exatamente uma mensagem do livro, ele sustenta algo que me é muito caro artisticamente: a ideia de que a arte deve causar algum tipo de incômodo, de desconforto, de deslocamento, porque isso gera reflexão e investigação.


O que esse livro e a escrita dele representam para você?
Luiza Conde - Para mim, é ao mesmo tempo a concretização de um grande sonho e o início de uma trajetória. Entendo agora que quero construir uma carreira como escritora e dramaturga, e "Relógios Partidos", para mim, é o ponto inicial desse caminho. A escrita do livro foi minha companheira durante esse momento pessoal delicado de luto, ao mesmo tempo em que o mercado de roteiro vem enfrentando um período complicado nesses anos pós-pandemia. Entendi não só a vontade, como a necessidade de diversificar meus caminhos profissionais, o que também fez crescer em mim um desejo antigo de retomar e aprofundar os estudos acadêmicos, outro caminho que pretendo começar a trilhar em breve. Isso tudo foi se dando durante o processo de escrita e publicação do livro, foi um período de investigação e transformações profundas mesmo.


Como a sua bagagem profissional como roteirista ajudou na construção da obra?
Luiza Conde - Embora esse seja o meu primeiro livro, considero que os anos de carreira como roteirista ajudaram bastante, especialmente no que diz respeito a uma constância, velocidade e experiência de escrita, principalmente no sentido de saber com mais facilidade o que funciona e o que não.


Por que a escolha dos gêneros conto e literatura fantástica para a escrita de "Relógios Partidos"?
Luiza Conde - Sempre escrevi contos, desde novinha. Já a literatura fantástica surgiu depois. Ali pelos 15, 16 anos meu pai me apresentou o Borges, e daí eu fui conhecer também o Cortázar, o Bioy Casares, a Ocampo... O Horacio Quiroga e a Lygia Fagundes Telles foram meu primeiro contato com contos de terror, e mais tarde eu viria a descobrir também a ficção científica. São gêneros que me fascinam, principalmente o realismo fantástico latino-americano, por ser uma expressão que eu considero bastante afinada com a nossa cultura, tradições e realidade. Assim é que, quando retomei a escrita de literatura aos 30, entendi que o que mais me interessava escrever era literatura fantástica e de gênero.


Como você definiria seu estilo de escrita? 
Luiza Conde - O Leonardo Villa-Forte disse na leitura crítica dele que a minha literatura se equilibra entre a brutalidade e a doçura. Acho que é uma ótima definição. Gosto de arte que incomoda e, por esse motivo, provoca reflexão, um olhar para dentro, uma reação. Não gosto da ideia de arte morna, sem alma. Também me interessa bastante a literatura de gênero, e é o que eu gosto de fazer: literatura fantástica, de terror, ficção científica. 


Que tipo de estrutura você adotou ao escrever a obra?
Luiza Conde - Inicialmente, não adotei estrutura nenhuma, no sentido de que sabia que seria uma coletânea de contos fantásticos, mas só isso. Fui juntando contos que me agradavam num mesmo documento para ter uma noção mais precisa de quantas páginas eu já tinha. Mas com isso fui percebendo que alguns contos conversavam entre si e tinham uma forma parecida. Foi assim que cheguei à ideia macro do livro como uma viagem no tempo e da divisão das 3 partes: passado, presente e possibilidades de futuro. A partir daí, organizei os contos que já tinha nas 3 partes, cortei alguns que não cabiam na proposta e aí sim passei a escrever de acordo com o que ainda precisava e com a proposta de linguagem de cada parte também.


Desde quando você escreve? 
Luiza Conde - Comecei a escrever bem novinha. Sempre adorei ler, e já pequena veio essa vontade de contar as histórias que surgiam na minha cabeça.


Como nasceu sua relação com a literatura?
Luiza Conde - Escrevi meu primeiro livrinho aos nove anos. Mas foi com 13, depois de ler "Crime e Castigo", que a ideia de ser escritora de fato surgiu. O livro teve um impacto enorme em mim, e para mim pareceu mágica a possibilidade de poder despertar tantos sentimentos com palavras no papel. Escrevi dos 13 até os 19 ou 20 (sempre contos), quando decidi deixar esse sonho para trás (o jovem sempre acha que está velho demais para alguma coisa). Aos 24, no entanto, eu (que também sempre fui apaixonada por cinema e TV) tive a ideia de me tornar roteirista. Aos 27 comecei na carreira. Aos 30 retomei a escrita de literatura. Aos 31, comecei a escrever "Relógios Partidos".


Tem alguma meta diária de escrita?
Luiza Conde - Tem dias em que não escrevo nada e dias em que escrevo madrugada adentro sem parar. Sou uma escritora meio caótica, não tenho uma frequência e horário pré-definidos. Também não costumo escrever a esmo. Escrevo de acordo com o projeto que estou desenvolvendo no momento. É o que me motiva e engaja. As demandas profissionais também fazem com que a escrita autoral aconteça quando dá, no ritmo em que é possível.



quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

.: Entrevista: Cássio Gabus Mendes comemora o retorno da novela "Tieta"


Em entrevista, ator relembra gravações e comenta sobre a importância da novela em sua vida. Foto: Globo/ Divulgação


"Tieta", uma das novelas mais assistidas da história da televisão brasileira vem fazendo sucesso TV Globo, no "Vale a Pena Ver de Novo". Livremente inspirada no romance "Tieta do Agreste", de Jorge Amado, a obra de Aguinaldo SilvaAna Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares cativou o público com seu humor irreverente, personagens e atuações inesquecíveis há 35 anos e segue viva no coração dos brasileiros. Cássio Gabus Mendes, que viveu um dos personagens mais importantes de sua carreira na novela, Ricardo, comemora a nova exibição da novela. “É importante uma reprise como essa. Uma obra-prima de Jorge Amado, adaptada com excelência e muito, muito talento pelo Aguinaldo Silva. É uma oportunidade de as novas gerações terem acesso”, comenta.

Na trama, Ricardo é filho de Perpétua (Joana Fomm) e irmão de Peto (Danton Mello). Jovem tímido, buscava viver uma juventude tranquila, mas como foi prometido aos céus por sua mãe, faz o possível para não a frustrar, seguindo então uma trajetória como seminarista. Por seu compromisso religioso, tenta não cair em tentação e procura se manter distante das mulheres. Ao mesmo tempo, é romântico, um leitor de clássicos, ligado em grandes amores. Em determinado momento da trama, seduzido, dá uma guinada na vida, deixando vir à tona o grande amante que é. Na entrevista abaixo, Cássio Gabus Mendes relembra um pouco mais sobre o trabalho em "Tieta". 


Qual foi a sensação ao saber que "Tieta" voltaria ao ar no "Vale a Pena Ver de Novo"?
Cássio Gabus Mendes - 
Foi uma sensação muito boa. É importante uma reprise como essa. Uma obra-prima de Jorge Amado, adaptada com excelência e muito, muito talento pelo Aguinaldo Silva. É uma oportunidade de as novas gerações terem acesso. Sei que hoje em dia temos o Globoplay, o Viva, e que a novela foi disponibilizada em ambos há um tempo, mas muitas pessoas não têm acesso às plataformas de streaming e canais pagos, por isso a TV aberta é sempre diferente, ela possibilita esse alcance. Quem já viu, vai poder rever, e quem ainda não assistiu, poderá conhecer agora esse primor de novela. Eu realmente acho que "Tieta" é uma das melhores novelas para se assistir, e com certeza uma das melhores que eu tive o privilégio de fazer.


Qual é a importância do Ricardo para a sua trajetória profissional?
Cássio Gabus Mendes - 
"Tieta" foi uma das novelas mais importantes que eu fiz. Tive o privilégio de ter sido convidado para participar e interpretar o Ricardo, um dos protagonistas, que é um personagem cheio de conflitos e atritos, o que foi muito valioso para mim. O Aguinaldo estruturou magnificamente a obra de Jorge Amado para a televisão, a história de todos os núcleos é muito rica. É uma novela que eu sempre gostei muito de ter feito, de assistir, é um prazer muito grande.


Você se recorda da sequência mais desafiadora que fez na novela?
Cássio Gabus Mendes - 
Eu começo a recordar com mais facilidade quando volto a rever o trabalho, o que eu vou tentar fazer agora com a reprise. Apesar de ser um prazer enorme fazer novela, o dia a dia de gravações é bastante trabalhoso. Todos os atores que fazem esse formato sabem como é. Mas um exemplo que eu lembro foram as sequências que tivemos que gravar nas dunas. Foram takes complicados. Assim como as cenas andando a cavalo, por conta do meu receio pessoal. Eu acho um animal lindo, maravilhoso, só tenho um pouco de receio. Mas não foi uma questão.


E quais são os seus próximos projetos?
Cássio Gabus Mendes - 
Estou voltando a fazer teatro agora. Fui convidado para a peça "Uma Ideia Brilhante" e os ensaios começam nos próximos dias. É uma comédia francesa, de Sébastien Castro, que atualmente está em cartaz em Paris e esse ano ganhou dois prêmios Molières, é um sucesso por lá. A peça vai ser dirigida por Alexandre Heineck, com produção do Sandro Chaim e no elenco também estão a Zezeh Barbosa, Suzy Rêgo e Ary França. Estreia no final de janeiro, no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

.: Entrevista: Simone Mendes reflete sobre a força feminina no sertanejo


Simone Mendes reflete sobre a carreira e a força feminina no sertanejo. Foto: Globo/ Beatriz Damy

Com uma voz marcante e hits que contagiam o Brasil, Simone Mendes é uma das cantoras que participam do projeto "AMIGAS", especial sertanejo que vai ao ar na TV Globo na próxima quarta-feira, dia 18. Apaixonada pelo universo musical e emocionada por fazer parte do show histórico, a cantora fala sobre o contexto da participação feminina na música sertaneja: “Hoje a gente tem mais espaço e visibilidade, e é incrível ver essa crescente participação feminina no gênero. São muitas artistas mostrando a força das mulheres no sertanejo e conquistando o seu lugar de fala”

Na entrevista a seguir, Simone compartilha fases importantes da carreira, revela a expectativa para a apresentação e conta sobre a conexão entre "AMIGAS". O programa tem produção de Daniela Santos e Valesca Campos, direção artística de Raoni Carneiro, direção geral de Celso Bernini, direção de Nídia Aranha e direção de gênero de Joana Thimoteo. O especial vai ao ar na TV Globo no dia 18 de dezembro, logo após a novela "Mania de Você".


Esta é a primeira edição do especial "AMIGAS", um show que desde a década de 1990 celebra a música sertaneja. Como é ser uma das artistas escolhidas para este projeto?  
Simone Mendes - Esse projeto, que começa agora, tem um significado muito especial porque destaca a força da mulher em um gênero que sempre foi muito masculino, mas que, de fato, hoje abraça mulheres talentosíssimas que levam o sertanejo Brasil a fora. Estou muito feliz e emocionada em fazer parte de mais esse capítulo histórico na música.
  

Para você, qual o significado da transmissão de "AMIGAS" para todo o país?  
Simone Mendes - Representa a união e a celebração da força feminina no sertanejo, na música. É uma honra gigante fazer parte de algo que exalta a grandiosidade da mulher no sertanejo, e que homenageia a trajetória de tantos artistas que abriram o caminho para gente. 
  

Conte um pouco da sua história com a música sertaneja. Com que idade e por que decidiu se tornar uma cantora de sertanejo? Que lugar este gênero musical ocupa na sua vida?  
Simone Mendes - A música sertaneja sempre esteve no meu coração, mas minha trajetória começou no forró, como backing vocal, aos 14 anos. Depois, ao lado da minha irmã, tivemos uma longa carreira à frente de outros projetos de grande sucesso. Não foi rápido todo esse processo, mas importante para conseguir cantar o sertanejo que representa a minha essência. 
  

Quais cantoras te inspiram na sua trajetória musical?  
Simone Mendes - Uma das grandes referências foram As Marcianas e as Irmãs Galvão no sertanejo. Tenho grande admiração e respeito por toda a trajetória e força delas, ainda mais em uma época em que os homens prevaleciam. 
  

A mulher está na música sertaneja há muitos, ainda antes de começarem a falar em “Feminejo”. Você é uma das que contribui para esse cenário atualmente, levando músicas ao topo das listas de mais ouvidos nos streamings. Acredita que existe uma crescente da participação feminina na música sertaneja? E qual a importância de falar e dar visibilidade ao trabalho das artistas nesse gênero musical?  
Simone Mendes - Hoje a gente tem mais espaço e visibilidade, e é incrível ver essa crescente participação feminina no gênero. São muitas artistas mostrando a força das mulheres no sertanejo e conquistando o seu lugar de fala. Hoje, podemos cantar sobre bebida, chifre, amor, relacionamentos… E isso que é o mais importante, termos a liberdade de cantar e sermos quem bem entendemos. Sou muito feliz e grata por poder ajudar meus fãs através das minhas músicas e, também, a encorajar outras mulheres a seguir carreira no meio. 
  

⁠Conte um pouco sobre a amizade com Lauana Prado, Maiara e Maraisa e Ana Castela, sobre a relação de vocês dentro e fora dos palcos.  
Simone Mendes - É muito especial com todas elas. Sempre estamos nos apoiando. Ter o amor pela música e pelo sertanejo em comum faz toda a diferença na nossa relação. Eu e a Lauana lançamos a música "Saudade Burra", e temos uma conexão muito genuína. A Ana Castela é uma menina doce, tenho um carinho enorme, e tivemos o privilégio de lançar a música "Não Vai Ver Nunca" juntas. Já com Maiara e Maraisa tenho uma troca de muitos anos, com muito desabafos, risadas, conselhos… eu amo as duas. Cultivamos uma amizade muito especial. 
  

"AMIGAS" será exibido para todo o Brasil na TV Globo, dia 18 de dezembro. Que mensagem e sentimentos você pretende levar ao público com essa apresentação? Fale um pouquinho de repertório, das músicas que vai apresentar. 
Simone Mendes - Eu quero levar ao público muito amor pelo sertanejo, pela música brasileira no geral, que tem um valor imenso, e muita energia positiva. Quanto ao repertório, fizemos questão de escolher a dedo cada música. Então, se preparem, que vai ser uma noite só de grandes sucessos e de muitos encontros musicais que, com certeza, ficarão marcados na história da música sertaneja!

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

.: Entrevista com Flavia Couri, da banda The Courettes: um rock pop retrô


Por
 Luiz Gomes Otero, jornalista e crítico cultural. Foto: divulgação.

Um som com uma certa roupagem retrô ambientada nos anos 50 e 60, mas que soa ao mesmo tempo contemporâneo no pop atual. Essa é a primeira impressão para quem ouve o som do duo The Courettes, formado por Flavia Couri (guitarras, teclados e vocal) e Martin Couri (bateria e percussão). A dupla mostra influência dos grupos produzidos pelo mítico Phil Spector, o criador do chamado Wall Of Sound, efeito no estúdio que criava uma espécie de muro sonoro preenchendo todos os espaços da gravação. 

Flavia é brasileira e integrou a banda Autoramas antes de se mudar para a Dinamarca e se casar com Martin em sua terra natal (sim, ele é dinamarquês). E a formação do duo acabou acontecendo de uma forma natural, pois ambos tinham o mesmo gosto musical e muita disposição para produzir um som que se identificava com os dois. O resultado disso são os mais de 100 shows por ano pela Europa, Estados Unidos e Japão, cativando um público cada vez maior em várias partes do mundo. Em entrevista para o Resenhando, Flavia conta um pouco sobre a trajetória do duo e como eles encaram o momento atual para o rock. “A cena alternativa é muito grande pelo mundo”.


Resenhando.com - Como foi o inicio de vocês na música?
Flavia Couri - A música sempre me tocou de uma forma muito forte, desde os meus sete anos. Meu primeiro instrumento foi um xilofone de brinquedo, eu tocava o dia inteiro. Eu chorava muitas vezes nas aulas de música na escola, algumas canções me emocionavam tanto, eu nem sabia explicar. Nessa época eu assisti aquelas reprises do show da Tina Turner no Rio na televisão e eu fiquei obcecada com a Tina, penteava o meu cabelo ao contrário para dar volume e ir pra escola parecendo ela. A minha mãe era muito fã da Rita Lee, ela escutava muito lá em casa, e a Rita foi uma das minhas primeiras heroínas roqueiras e role model. Eu comecei a comprar fitas cassete sozinha com uns nove anos e me apaixonei pelos Beatles aos 11. Eu comecei a tocar violão também aos 11 anos, com aquelas revistinhas. Eu achei um violão no armário, meu pai tinha dado de presente à minha mãe, mas ela nunca aprendeu. Logo depois comecei a tocar baixo também, comprei um baixo Finch cópia de Rickenbacker de um primo de uma amiga do colégio, com o dinheiro do lanche que minha mãe me dava e que eu fui juntando por meses. Quando eu cheguei em casa com o baixo (surpresa!), minha mãe achou tão legal a minha dedicação que deu-me um amplificador. Eu nasci nos anos 80, uma época fantástica pro rock no Brasil, explodindo nas rádios FM, a Rádio Fluminense… A MTV chegou ao Brasil quando eu tinha 9 anos, e eu amava tudo e assistia por horas a fio, principalmente o programa Lado B que me apresentou a bandas como The Cramps e Ramones. Eu lembro da primeira vez que eu ouvi “Smells Like Teen Spirit” e pirei, ainda pre-teen. Eu fui no show do Nirvana aos 12 anos no Hollywood Rock e os Ramones aos 13, no Circo Voador. O grunge e depois o movimento riot grrrl e as guitar bands influenciaram muito minha formação, ao mesmo tempo que o meu amor pela música dos anos 60 ia crescendo enquanto eu ouvia e pesquisava muito bandas como o Velvet Underground, Byrds, Troggs, Sonics e Seeds. Comecei a tocar baixo em muitas bandas a partir dos 15 anos, e o The Courettes é a segunda banda onde eu toco guitarra. Apesar de ter começado autodidata, eu estudei música também, anos depois, e fiz um mestrado em baixo na Dinamarca e uma pós em composição. 


Resenhando.com - Como funciona o processo criativo musical do The Courettes? 
Flavia Couri
 - Nos nossos primeiros discos, eu compus todas as músicas sozinha, mas o Martin sempre teve um papel importante dizendo quais idéias eram boas e mereciam ser trabalhadas e quais eu deveria jogar fora. A partir do nosso segundo disco, “We Are The Courettes”, começamos uma parceria com o Søren Christensen, da banda dinamarquesa The Blue Van (que é maravilhosa, por sinal). Ele é um músico incrível e escreveu umas duas músicas conosco nesse disco, no disco seguinte, “Back in Mono”, 12 das 14 músicas. Ele é nosso produtor e parceiro de composição nos álbuns “Back in mono”, “Back in Mono B-Sides & Outtakes” e “The Soul Of… The Fabulous Courettes”.


Resenhando.com - A melodia vem primeiro ou a letra surge antes?
Flavia Couri
 - Sobre o que vem antes, melodia ou letra, não há regra, na verdade. Às vezes a parte musical fica pronta antes, inteira, com acordes e melodia, às vezes até o arranjo, e a gente luta pra escrever uma letra… Outras vezes tenho o conceito da letra, dois ou três versos prontos e a música só vem depois.


Resenhando.com - Como vocês têm avaliado o mercado fonográfico na Europa? As plataformas de streaming realmente estão em evidência ou ainda há mercado para o disco físico?
Flavia Couri
 - Ainda há um mercado bem grande para vinil, e só tem crescido nos últimos anos. Acho que depende muito do tipo de música que o artista faz. Na música pop e no público adolescente creio que o streaming domina quase totalmente. 


Resenhando.com - As plataformas de streaming realmente estão em evidência ou ainda há mercado para o disco físico?
Flavia Couri - No nosso nicho (rock / indie rock / garage rock / Wall of Sound) o público adora vinil, coleciona e compra muito. E compram CDs também, principalmente na Alemanha e no Reino Unido. O The Courettes vende muitos discos, somos a segunda banda que mais vende discos na nossa gravadora, a britânica Damaged Goods Records, com quem assinamos em 2020. Só ficamos atrás do lendário Billy Childish. Com ele não dá pra concorrer!


Resenhando.com - Nos shows ao vivo se apresentam somente os dois integrantes ou vocês contam com mais músicos de apoio?
Flavia Couri
 - Estamos há dez anos tocando ao vivo só nós dois no palco, e foi um longo processo para desenvolver um show eficiente em duo, não só musicalmente mas também o lado da performance, para envolver e entreter o público. Muitos duos tendem a cair na monotonia se o set é longo, então finalmente podemos dizer que criamos um show só com duas pessoas que enche um palco de festival não só a nível sonoro, mas de performance também, e não foi fácil, deu muito trabalho e custou muitos shows para amadurecer, estamos quase chegando na marca de mil shows como The Courettes. Alguns dos truques incluem usar um oitavador e separar o som da guitarra em dois canais ou em dois amplificadores. Temos muito orgulho do show que conseguimos criar através dos anos, só como duo. Dito isso, em 2024 começamos a experimentar com outras formações, para expandir o universo sonoro. Usamos um baixista em alguns shows, e, a partir do lançamento do álbum novo “The Soul Of… The Fabulous Courettes” em setembro, estamos usando backing tracks. Tudo isso agora é uma opção, não uma necessidade. No futuro, estamos abertos a experimentar mais, com backing tracks ou outros músicos, porque a gente sente que não precisa provar nada pra ninguém, a gente se vira como duo, como trio, ou como a gente quiser.

Resenhando.com - O cenário indie rock atual tem aberto espaço para muitas bandas alternativas. Vocês tem conseguido encontrar seu espaço ou ainda há dificuldades?
Flavia Couri
 - O The Courettes encontrou seu espaço e faz cerca de 125 - 150 shows por ano, tocamos por toda a Europa, Reino Unido, Estados Unidos e Japão. A cena alternativa é muito grande pelo mundo, ela sobreviveu a pandemia e ainda há muitos clubes de tamanho médio e um público interessado. Isso é o mais importante, ter um público interessado. Enquanto houver gente interessada em ir a shows, que paga bilhete e compra merchandising, as casas de shows e os festivais vão continuar existindo, vai ter uma cena alternativa paralela ao Live Nation e afins.


Resenhando.com - Vocês citam o lendário produtor Phil Spector como referência. Como o trabalho dele ajudou a nortear a sua proposta de conceito musical?
Flavia Couri
 - O Martin e eu somos muito fãs dos girl groups dos anos 60, até no nome da banda a influência é óbvia. Quando nos conhecemos há 11 anos atrás, no Brasil, e começamos a conversar sobre música, o Martin me disse que ficou ainda mais apaixonado por mim quando eu disse que eu tinha o box set “Back To Mono”, com a obra do Phil Spector. Então a obra de Phil Spector sempre esteve presente. Musicalmente, a influência de Spector no nosso trabalho de estúdio ficou mais nítida no nosso terceiro álbum, “Back in Mono”, onde a proposta foi emular as técnicas de gravação e produção spectorianas para criar o nosso próprio Wall of Sound, o The Courettes´ Wall of Sound. A gente foi bem fundo nessa proposta, construímos nosso próprio estúdio, uma câmara de eco, e gravamos muitos overdubs no álbum. Algumas faixas têm 17 tracks só de guitarras, mais baixo, piano, órgão, violão de 12 cordas, guitarra de 12 cordas, tímpanos, castanholas… Foi uma evolução musical enorme pra gente. Na gravação do primeiro disco, nós queríamos evitar overdubs e gravar o mais orgânico e cru possível, para que não ficasse diferente ao vivo. A partir do segundo álbum, “We Are The Courettes”, eu comecei a gravar também órgão e piano, além de côros e harmonias vocais, mas sempre tendo em vista a versão ao vivo, como as músicas soariam sem os overdubs. Foi com “Back in Mono” que nos permitimos experimentar no estúdio, sem limites e sem preocupações. Decidimos não frear nossa criatividade limitando os arranjos ao que poderíamos tocar ao vivo como duo. Eu tive uma revelação: uma música boa é uma música boa, independente de ser tocada por uma orquestra de 20 músicos ou só no piano ou no violão. Então desde “Back in Mono”, e graças ao Phil Spector, que dividimos o trabalho de estúdio e o ao vivo como duas coisas diferentes, que a gente ama igual. Nosso foco agora é a composição, é escrever músicas cada vez melhores. E depois vemos como essas músicas vão funcionar ao vivo. Às vezes sentimos que é um pouco como se os Beatles tocassem os arranjos de “Sgt. Pepper´ s” ao vivo no Cavern Club, com aquela energia cru e só com os quatro músicos. (Sem querer nos comparam com os Beatles, é claro). E vale repetir que nossa admiração pelo Phil Spector é limitada ao seu trabalho como compositor e produtor, separamos bem o artista da sua vida pessoal. 


Resenhando.com - Como está sendo feita a divulgação do mais recente trabalho de vocês?
Flavia Couri
 - O disco recebeu resenhas incríveis no Reino Unido e na Europa, nas principais revistas de música como Rolling Stone (França), Vive Le Rock, Record Collector, Louder Than War, Shindig!, Vintage Rock e Clash (Reino Unido), Ox (Alemanha)… teve até um artigo no britânico The Guardian. Nós fizemos uma Live Session na lendária Rádio BBC, e também na Radio 3, a maior rádio espanhola. “The Soul Of…” entrou em muitas listas de melhor álbum de 2024, incluindo o site da Rough Trade, Shindig! e Louder than War. A turnê de divulgação começou em setembro, passou pelo Reino Unido, Dinamarca, Espanha e França, non stop, foi uma loucura total, 33 shows em um més e meio! Só agora estamos curtindo umas férias merecidas depois de 124 shows em 2024. Em 2025 vamos voltar à estrada e tocar em muitos festivais pela Europa, EUA e Reino Unido, como o Rebellion (UK), SXSW e Evolution (USA), Kilkenny Roots Festival (Irlanda), Zwarte Cross (Holanda), Folk & Fæstival (Dinamarca), além de shows na Alemanha, Suécia, Finlândia e França. Espero que a turnê passe também no Brasil, estou com muita vontade e saudade de tocar por aí! 

The Courettes - "Want You! Like a Cigarette"

The Courettes - "California"

The Courettes - "Shake!"

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

.: Entrevista: Claudia Ohana comemora retorno de "Tieta" e relembra gravações


Atriz revela que, antes de receber o convite para a novela, estava se preparando para viver uma versão italiana da personagem; Foto: TV Globo / Bazilio Calazans

A novela "Tieta" está de volta nesta segunda-feira, dia 2 de dezembro, no "Vale a Pena Ver de Novo". Livremente inspirada no romance "Tieta do Agreste", de Jorge Amado, a obra de Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares, que completou 35 anos em 2024, nunca saiu da memória do público. Claudia Ohana, que dá vida à protagonista homônima na primeira fase da novela, celebra a volta da obra. “Fico muito feliz em saber que uma nova geração vai assistir a essa novela que marcou época. Para mim, 'Tieta' só traz boas lembranças. Não sou de assistir aos meus trabalhos antigos, mas com certeza não vou resistir”, comenta a atriz.

A novela tem direção geral de Paulo Ubiratan e direção de Reynaldo Boury, Ricardo Waddington e Luiz Fernando Carvalho. Antes de retornar rica para Santana do Agreste, Tieta sofreu maus bocados, o que lhe trouxe muita experiência de vida e sabedoria. Bonita, vistosa, passional, mas também debochada, desbocada e rebelde, foi expulsa da cidade aos 18 anos. O comportamento da jovem acaba levando o pai, Zé Esteves (Sebastião Vasconcelos), irritado e influenciado pelas intrigas de sua outra filha, Perpétua (Adriana Canabrava), a escorraçar Tieta de Santana. Humilhada e abandonada pela família, ela segue para São Paulo, fugindo do conservadorismo de sua terra natal. Volta 25 anos depois com o firme propósito de se vingar de toda a hipocrisia da cidade. Na entrevista abaixo, Claudia Ohana relembra um pouco mais sobre o trabalho em "Tieta".

Qual foi a sensação ao saber que "Tieta" iria voltar no "Vale a Pena Ver de Novo"?
Claudia Ohana - Fico muito feliz em saber que uma nova geração vai assistir essa novela que marcou a época. Para mim, 'Tieta' só traz boas lembranças. As gravações nas dunas de Mangue Seco e esse personagem maravilhoso que é a Tieta em si. Não sou de assistir aos meus trabalhos antigos, mas com certeza não vou resistir!

Desde a exibição original da novela, há 35 anos, "Tieta" é lembrada como uma das protagonistas mais marcantes da teledramaturgia. A personagem-título era vistosa, sensual, passional, desbocada, obstinada, e na primeira fase, uma jovem rebelde. Como foi a experiência de dar vida a uma personagem com uma personalidade tão forte?
Claudia Ohana - Quando o diretor Paulo Ubiratan me chamou para fazer a Tieta, não pensei duas vezes. Eu já tinha estudado a personagem porque eu ia fazer o filme sobre ela na Itália, mas o projeto acabou não acontecendo. Então, quando veio esse convite, eu pude finalmente viver a minha Tieta, esse personagem icônico do Jorge Amado. Eu fiz de uma maneira bem simples, conforme o texto e a direção me induziam.

Você se recorda da cena mais desafiadora, e também a mais divertida, que fez na novela?
Claudia Ohana - As cenas rodadas em Mangue Seco foram tranquilas, lúdicas e maravilhosas. Lá tudo era muito mágico. Sobre a cena mais desafiadora, com certeza a da praça, onde Tieta é espancada pelo pai. Foi a cena mais forte que eu fiz na novela.

E quais são os seus próximos projetos?
Claudia Ohana - No momento estou com um espetáculo em São Paulo, "Toc Toc".

sábado, 30 de novembro de 2024

.: Entrevista: Jhonatas Nilson reflete sobre a capacidade de sobreviver a traumas


Com milhões de leituras online e vendas de e-booksJhonatas Nilson foi autor best-seller da revista Veja e constantemente encontra-se na lista dos mais vendidos da Amazon Brasil. Agora ele lança "O Filho que Eu Não Amei", um drama familiar sobre luto, rejeição e esperança. A trama acompanha Vincenzo, que, após uma tragédia familiar, vê-se obrigado a recomeçar a vida e a resgatar o tempo perdido com o filho Giovanni D’Angelo, acostumado a lidar com a falta da figura paterna. 

Por meio de uma narrativa visceral e sensível, o autor bacharel em Psicologia apresenta uma profunda reflexão sobre a força do afeto e a capacidade do amor de sobreviver a diferentes traumas. Em suas obras, ele busca incluir temáticas sobre a complexidade das relações humanas, criando uma atmosfera realista que permite os leitores se conectarem com o interior dos personagens. Em entrevista, Jhonatas Nilson comentou as inspirações por trás da trama e falou sobre a importância das redes sociais para ampliar a carreira de escritor. Compre o livro "O Filho que Eu Não Amei" neste link.

O que o inspirou abordar temas como luto, rejeição e esperança no relacionamento entre pai e filho em “O Filho que Eu Não Amei”?
Jhonatas Nilson - 
A inspiração surgiu de vários questionamentos que me vieram sobre as complexidades de uma possível relação entre um pai ausente e um filho em busca de aceitação. Por um tempo, hesitei em iniciar essa história por medo de não conseguir conclui-la devido ao peso emocional que a envolve. Mas, ao me permitir explorá-la, mergulhei fundo nos sentimentos, principalmente os de luto e rejeição - até mesmo chorei diversas vezes no processo de escrita. Hoje, fico imensamente feliz por ter seguido em frente e por ver como os leitores se conectaram com essa narrativa que tanto me marcou. 

Quais elementos psicológicos você incorpora na narrativa para explorar o impacto da rejeição e da reconciliação familiar? 
Jhonatas Nilson - 
Como psicólogo, sempre me pergunto como posso abordar temas reais e intensos sobre o emocional humano. Com "O Filho que Eu Não Amei", não foi diferente. Cada interação entre os protagonistas revela camadas de dor, busca por aprovação e os mecanismos de defesa que desenvolvemos ao nos sentirmos rejeitados. Através desses elementos, quis mostrar que recomeços são possíveis não só pelo amor, mas pela disposição de mudar de dentro para fora. 

Como o personagem Vincenzo lida com a necessidade de superar o rancor e construir uma relação afetiva com seu filho Giovanni? 
Jhonatas Nilson - 
Inicialmente, Vincenzo lida muito mal com essa necessidade e chega a agir de forma extremamente tóxica com o filho. Durante a escrita, eu senti de perto a luta interna que ele trava com suas dores e ressentimentos. Porém, foi emocionante conduzi-lo à autorreflexão e fazê-lo perceber que nossas dores não justificam causar sofrimento aos outros.


Qual é a mensagem que você pretende passar com isso para os leitores?  
Jhonatas Nilson - 
Através dessa jornada, quis transmitir que recomeços emocionais são possíveis, desde que tenhamos coragem de enfrentar nossos próprios padrões de dor. 

Em sua opinião, o que torna a jornada de um pai e filho em busca de reconciliação relevante para leitores que enfrentam conflitos familiares? 
Jhonatas Nilson - 
Acredito que conflitos familiares são tão universais quanto o luto e a rejeição. Em algum momento, todos nós somos obrigados a lidar com desentendimentos com aqueles que amamos. Trazer esses temas para a minha obra permite que a realidade humana toque o leitor através de uma ótica esperançosa, oferecendo um espelho de suas próprias experiências e mostrando que, mesmo nos relacionamentos mais difíceis, há espaço para a compreensão e o crescimento. 


Você é autor best-seller, com mais de 60 obras publicadas. Como “O Filho que Eu Não Amei” difere das suas outras produções?  
Jhonatas Nilson - Sinto que este ano me desafiei em muitos aspectos da minha carreira literária, explorando temas que não são tão habituais para mim. "O Filho que Eu Não Amei" exemplifica essa fase de experimentação, pois, embora eu já tenha abordado traumas familiares antes, nunca foi exatamente como tema central. Normalmente, escrevo romances românticos, mas criar uma história totalmente voltada para o amor familiar foi uma experiência mágica e enriquecedora. Espero poder explorar mais esse tipo de narrativa no futuro. 


Com mais de 30 mil seguidores no Instagram, como você enxerga a importância de escritores estarem nas redes sociais? Como o meio virtual pode ser aliado para a produção literária? 
Jhonatas Nilson - As redes sociais permitem que o leitor se sinta mais conectado com o autor. Como fã de muitos escritores, confesso que adoro acompanhar suas rotinas e estilos de vida. Além disso, com as ferramentas tecnológicas atuais, o meio virtual abre portas para divulgar as obras a um público mais amplo. Hoje, meus livros alcançam pessoas que talvez nunca os conhecessem sem a presença digital. As redes se tornaram uma aliada na construção e ampliação de uma base de leitores, sem dúvidas. 


Sobre o autor
Jhonatas Nilson já escreveu mais de 60 obras, tendo histórias traduzidas para o inglês, espanhol e italiano. Com milhões de leituras on-line e vendas de e-books, foi best-seller da revista Veja, está constantemente na lista dos mais vendidos da Amazon Brasil e alcançou o topo das vendas na Itália com "Il Piacere Nella Seduzione". Também é autor de "Um Dia no Verão”, "Quando as Estrelas Tocam o Céu” e "A Minha Vida Depois Daquele Dia”. Garanta o seu exemplar de "O Filho que Eu Não Amei" neste link.

terça-feira, 26 de novembro de 2024

.: Entrevista: Rodrigo Cabral fala sobre a estreia poética com o livro “refinaria”


A obra reflete sobre emoções e vivências a partir das mudanças cenográficas da Região dos Lagos, no Rio de Janeiro. Foto: Mariana Ricci


A poesia de Rodrigo Cabral ganha forma em “refinaria”, primeiro livro dele, lançado pela Sophia Editora durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) 2024. O livro mergulha na transformação da paisagem da Região dos Lagos (RJ) e da memória do autor, utilizando versos acompanhados por ilustrações de Rapha Ferreira. O prefácio foi escrito por Júlia Vita, que também editou a obra, e a orelha é assinada por Thiago Freitas

Rodrigo Cabral, 34 anos, nasceu em Campos dos Goytacazes e cresceu em Cabo Frio, onde fundou a Sophia Editora. Poeta e editor premiado, foi segundo lugar no prêmio Off Flip de 2024 na categoria Contos e destaque na categoria Poesia. Em 2023, conquistou o terceiro lugar no Festival de Poesia de Lisboa. Entre suas influências, estão nomes como Ferreira Gullar e Carlos Drummond de Andrade, além de obras como “Água-mãe”, de José Lins do Rego.

Nas páginas de “refinaria”, os poemas de Cabral traduzem o movimento incessante da vida e do território, a partir de uma linguagem que une referências locais e universais. Inspirado por Cabo Frio, cidade onde observa a Laguna de Araruama e a figueira centenária de sua infância, o autor reflete sobre memória, família e os processos internos da escrita. A obra também explora paralelos entre a geologia do pré-sal e a história da cana-de-açúcar em Campos dos Goytacazes. Leia abaixo a entrevista completa com o autor sobre o processo de composição do livro. Compre o livro "refinaria" neste link.

Se você pudesse resumir os temas centrais do livro, quais seriam?
Rodrigo Cabral - Nasci em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, e fui criado em Cabo Frio, na Região dos Lagos. Tenho uma ligação forte com a cidade, sobretudo porque praticamente vim ao mundo numa redação de jornal, já que meu pai, também jornalista, começou a editar, no ano do meu nascimento (1990), o periódico Folha dos Lagos. Fui criado na Rua Alice Torres, conhecida como “rua da árvore” devido a uma imponente figueira empostada perto do Canal do Itajuru, que liga a Laguna de Araruama à Praia do Forte. Durante a infância, caminhávamos pelas salinas até chegar ao mercado. Era um descampado, uma paisagem de sol e de sal que ainda faz pratear a memória. Todo esse cenário mudou. As salinas deram lugar a um novo bairro, o Novo Portinho. A “rua da árvore”, antes de terra, agora é asfaltada. Um antigo hotel jangada, onde crianças experimentaram os primeiros goles de Coca-Cola, também não está lá. Essas transformações estão na raiz de um poema cujo título é justamente “refinaria”. No livro, trato dessa refinaria de memórias, de cenários, do próprio texto editado, e isso com um olhar para o território: a restinga, as águas da Laguna de Araruama, as casuarinas, o sangue do operário cuja história e identidade o vento levou… Como editor da Sophia, tenho trabalhado há anos para formar catálogo com o objetivo primeiro de trazer à luz temas pertinentes à história, à memória e ao patrimônio histórico material e imaterial. Isso se tornou uma das principais características da editora. Naturalmente, a produção da Sophia também deságua na minha escrita.

O que motivou a escrita do livro?
Rodrigo Cabral - Comecei a escrever “refinaria” no início de 2022. Naquele período, tinha algumas ideias e livros pela metade, na gaveta. Em algum momento, percebi que o primeiro precisava partir daqui, do meu lugar. Precisava ser um abrir de janelas para os cenários que estavam diante de mim. Era necessário ouvir o que esses cenários diziam sobre as memórias, sempre borradas e fragmentadas. É claro que isso, no poema, transforma-se em outro espaço, em outro tempo, e é reescrito de acordo com as percepções de quem lê. De todo modo, o que me moveu, primeiro, foi me reconhecer como um poeta da restinga. Ou um “poeta da orla”, como escreve a Júlia Vita no prefácio.


Como foi o processo?
Rodrigo Cabral - Boa parte da produção surgiu durante a oficina do Marcelino Freire e da formação em poesia promovida pela Escola da Palavra, coordenada por Rafael Zacca e Lucas van Hombeeck. Na sequência, conheci a Júlia Vita, poeta e autora do livro “Água-viva”, publicado pela Córrego. Júlia foi a editora de “refinaria”. A partir das provocações e da sensibilidade dela, deixamos poemas de lado, acrescentamos outros e, então, depois de tantos processos, chegamos à versão final.


Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas por “refinaria”?
Rodrigo Cabral - 
O livro é uma tentativa de apreender o que está lá fora. Ou seja, a poesia não está no livro. Está no que foi vivido.  Acredito na poesia que se aproxima da vida com toda a sua camada de complexidade, controvérsia, dualidade e mistério. Concebo a obra, portanto, como refinaria, não em busca de compreender, tampouco de decifrar, mas, sim, de contemplar os processos de transformação de um território, de um indivíduo, de uma escrita; e, também, de analisar, com a ponta dos dedos, aquilo que não evapora, aquilo que permanece.

Você acredita que a escrita te transformou de alguma forma?
Rodrigo Cabral - 
Durante o processo de montagem de “refinaria”, não apenas a escrita mudou, como o escritor, ao se deparar, de repente, com fragmentos de memória no espelho d’água. O livro, aliás, parte do pressuposto de que tudo é, necessariamente, mudança contínua. A partir da escrita de “refinaria”, passei a me interessar cada vez por vasculhar cenários e palavras pertinentes aos lugares que habito ou que habitei. Durante o processo, por exemplo, escrevi o conto “O Encontro do Lamparão com a Galesca”, que trata de um diálogo entre o linguajar de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro, e o de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense. O conto ficou em segundo lugar no Prêmio Off Flip de Literatura em 2024.


Como a bagagem do que você escreveu anteriormente ajudou na construção da obra?
Rodrigo Cabral - 
Como autor, carrego a bagagem dos livros que escrevi e que não publiquei e, principalmente, dos que vivi e ainda não escrevi — ainda. Afinal, “refinaria” é meu primeiro livro. Como editor, posso falar que fui muito influenciado pelas obras publicadas pela Sophia e pelos estudos de pesquisadores da Região dos Lagos, como Ivo Barreto, Meri Damaceno, Leandro Miranda, Luiz Guilherme Scaldaferri, Gessiane Nazario, João Cristóvão, José Correia Baptista, entre tantos outros.


Desde quando escreve poesia?
Rodrigo Cabral - 
Rabisco poemas desde novo. As produções iam ficando por cadernos e arquivos em antigos computadores. De repente, dei-me conta de que a vida é curta e de que precisava organizar meus textos. Publiquei um fanzine com o Subverso, selo literário independente coordenado pelo meu amigo e poeta Frederico Tavares, e depois também passei a colaborar com alguns sites literários, como o Fazia Poesia.

Por que escolheu esse gênero? 
Rodrigo Cabral - 
A poesia não foi uma escolha racional. Foi algo que se impôs naturalmente diante de uma pulsão, uma necessidade de escrever por meio de imagens, recortes, melodias descompassadas, delírios. E a poesia é, também, um lugar da rebeldia, da desordem, da alucinação por meio da palavra, da invenção e da desinvenção. Um grito contra dias maquinais e automatizados.


Quais são suas principais influências artísticas e literárias?
Rodrigo Cabral - 
Entrei no processo de escrita sob muita influência de escritores como Roberto Piva, Claudio Willer, Lawrence Ferlinghetti (este também um poeta-editor, fundador da lendária City Light Books), Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Ferreira Gullar, Carlos Drummond de Andrade, Olga Savary, entre tantos outros. Aliás, conheci o Rapha Ferreira, artista plástico que assina as ilustrações do livro, enquanto ele declamava “A piedade”, poema do Piva, durante uma feira literária. 

Quais influenciaram diretamente a obra?
Rodrigo Cabral - Destaco especialmente a influência de José Lins do Rego, mais especificamente sua obra “Água-mãe” (1941). Trata-se do primeiro romance do escritor paraibano a ser ambientado fora do Nordeste. Foi justamente Cabo Frio que inspirou José Lins do Rego a escrever o livro. Ele esteve aqui durante a década de 1930 a trabalho — era fiscal de imposto de consumo. Apaixonou-se pelas paisagens e as colocou em seu livro — as casuarinas, a figueira, a fantasmagórica casa azul e a Laguna de Araruama, muitas vezes referenciada por ele apenas como “Araruama”, espécie de entidade. Fato curioso é que, no poema “refinaria”, falo sobre uma imponente figueira, a única coisa que não muda na “rua da árvore”. Em “Água-mãe”, José Lins do Rego também descreve uma figueira que estaria localizada bem próxima às águas da Araruama. O historiador Elisio Gomes diz que a figueira da Rua Alice Torres — a “rua da árvore” — é a mesma narrada escritor. Coincidências à parte, fato é que um trecho da obra de José Lins do Rego serve de epígrafe principal do meu livro e para um dos poemas. O título é dividido em dois capítulos. Cada um deles carrega uma epígrafe: o primeiro é um poema escrito por Olga Savary enquanto esteve em Arraial do Cabo e publicado em Sumidouro (1977); e, o segundo, extraído de uma canção de Victorino Carriço, chamada “Baixo Grande”. Aliás, o contato com a obra poética de Carriço, poeta nascido em São Pedro que se transformou em flâneur, indo e vindo sempre com um versinho no bolso, também foi bastante significativo. Estive em contato com a poesia dele a vida inteira, já que se trata do autor do hino da escola em que estudei desde os seis anos e, também, do hino de Cabo Frio e de outros municípios da região. Tanto tempo depois, tive a oportunidade de conhecer sua produção com ainda mais intimidade, já que me tornei amigo de sua filha Ercilia Carriço (in memorian) e de seus netos Fernanda Carriço e Junior Carriço, este um grande poeta e autor de um dos meus livros de cabeceira — “Recovecos” (2017, Editora Comunicação). 


Como você definiria seu estilo de escrita? Que tipo de estrutura você adotou ao escrever a obra?
Rodrigo Cabral - 
No início dos processos de composição, estava interessado na imagem em estado bruto; no poema em estado bruto também, como forma. Queria escrever poemas longos, em fluxo de consciência, guiando-me por flashes de memória. Depois, fui trabalhando e retrabalhando, refinando, mas ainda assim muitos dos poemas mais longos venceram a imposição do refino e continuaram com essa característica, digamos, impolida. Em contraposição, mais adiante passei a me interessar mais pela concisão, pelo lampejo que um poema curto pode oferecer. Lembro que fiz um arquivo chamado “pitadas de sal” com esses poemas menores para apresentar à Júlia Vita, editora do livro. Então, “refinaria” traz também essa contraposição de formas, mas não de forma segmentada. Os poemas caudalosos e os enxutos estão entrelaçados. Falo sobre os processos de refino de memórias, de sentimentos e de percepções e, em contraponto, digo que é necessário inaugurar uma antirrefinaria, o que tem a ver com a espontaneidade, com a vida que precisa ser vivida de bate-pronto, com o texto escrito sem tanta racionalização, pelo menos num primeiro momento. O que é a vida sem um porém?


Você escreve desde quando?
Rodrigo Cabral - 
Praticamente nasci numa redação de jornal, que a frequentei desde muito novo para esperar meu pai no trabalho. O cheiro de jornal impresso sempre foi muito forte durante toda a minha vida. Durante a adolescência, quis entrar para aula de música. Pedi um violão ao meu pai. Ele negociou que atenderia a meu pedido, mas, antes, eu deveria fazer uma espécie de “estágio”, para que eu escrevesse algumas redações. E lá fui eu. Os textos eram sempre corrigidos com muita tinta vermelha. No fim das contas, ganhei o violão, que me acompanha até hoje, e um gosto pela escrita e pela edição, também. Veja bem, não tenho medo da caneta vermelha. Essa é a refinaria — editar e ser editado, inclusive pelo leitor — necessária para viver, para terminar uma obra. Algumas dessas memórias estão no poema “chefe”. Anos depois, decidi cursar Jornalismo. Acontece que, confesso, a objetividade e a realidade muitas vezes sufocam. Escreveu Mallarmé: “É de ficar admirado que não exista uma associação, em todas as grandes cidades, entre os sonhadores que aí permanecem para supeditar um jornal que observe os acontecimentos sob a luz própria do sonho”. Estou tentando, ao meu jeito.


Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de produção?
Rodrigo Cabral - 
Tenho feito diário de escrita, o que ajuda bastante. Algumas vezes, palavras ou frases se intrometem na minha mente. Digo que são “galhos”. Posso puxar e descobrir uma árvore inteira. Ou posso ignorar, deixar para lá, dizer que depois me sento para escrever — geralmente é a pior opção, porque o próximo dia pode ser de terra arrasada.


Quais são seus projetos atuais de escrita?
Rodrigo Cabral - 
Quero continuar a refinaria. Não esta, pois agora já é texto consolidado. Meu desejo é escrever mais poemas e um romance. Meu desejo é escrever. 

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