Ney Latorraca caracterizado como o vampiro Vlad, Conde Vladymir Polanski. Foto: Nelson Di Rago
Por Helder Moraes Miranda, editor do portal Resenhando.com.
“Para sobreviver, eu preciso representar. Trabalhando é que eu sobrevivo”, declarou Ney Latorraca, falecido aos 80 anos, em 26 de dezembro de 2024, em uma das muitas entrevistas que concedeu. Não é exagero dizer que ele foi um dos maiores atores brasileiros de todos os tempos. A extensa trajetória na televisão, no teatro e no cinema deixou um legado que marcou gerações e consolidou o lugar dele no coração do público. O artista estava internado Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro, desde o último dia 20 de dezembro. Ele foi diagnosticado com câncer de próstata em 2019 e deixa o marido, o ator Edi Botelho, com quem era casado há 30 anos.
Desde cedo, demonstrou talento e paixão pelas artes. Filho de pais artistas, iniciou a trajetória artística ainda na infância, com participações na Rádio Record aos seis anos. Antonio Ney Latorraca nasceu em Santos, no dia 25 de julho de 1944. Filho de pais artistas - um crooner e uma corista - teve como padrinho de batismo o ator Grande Otelo e costumava dizer que “o ator já nasce ator”. Os pais dele trabalhavam em cassinos, até que o jogo foi proibido no país. Atuou no teatro estudantil e, aos 19 anos, passou no primeiro teste que fez para “Pluft, o Fantasminha”, de Maria Clara Machado. Teve sua primeira oportunidade profissional ao ser aprovado para o elenco da peça “Reportagem de Um Tempo Mau”, em 1965. Logo após a estreia no Teatro Arena, o governo militar proibiu o espetáculo e prendeu o elenco.
Obrigado a voltar para Santos, Ney Latorraca se dedicou ao estudo de artes cênicas. Entrou para o Teatro da Faculdade de Filosofia de Santos (TEFF). No ano seguinte, ingressava na Escola de Arte Dramática da USP (EAD). Primeiro aluno da turma, formou-se com nota dez em drama e comédia, apadrinhado por Marília Pêra. Enquanto estudava, Ney morava em pensão e trabalhava durante o dia. Durante esta época, foi bancário, balconista, gerente de loja de roupas e vendedor de joias. Ainda em 1969, encenou "O Balcão", de Jean Genet, dirigido por Victor Garcia. No ano seguinte, apresentou-se no musical "Hair".
Ney Latorraca estreou na televisão como figurante na TV Tupi e o primeiro papel de destaque foi na novela "Beto Rockfeller" (1968). A estreia na Globo aconteceu em 1975, em outro folhetim, “Escalada”, em que fez par romântico com Nathalia Timberg e deu o que falar a partir da história do romance entre uma mulher 15 anos mais velha que enfrentou muitas barreiras no Brasil daquela época. Polêmico, esse trabalho iniciou a trajetória de 50 anos de trabalho na emissora.
Depois, brilhou como o rebelde Mederiquis de "Estúpido Cupido" (1976) e marcou época na novela “Vamp” (1991), quando interpretou o Conde Vlad, um dos vilões mais emblemáticos da teledramaturgia brasileira - que era para ser apenas uma participação especial e ficou até o fim devido ao talento do intérprete.
Ney Latorraca, ao lado de Marco Nanini, marcaram a história do teatro brasileiro com a primeira montagem brasileira de "O Mistério de Irma Vap", com direção de Marília Pêra. O espetáculo estreou em 1986 e ficou em cartaz durante 11 anos consecutivos, o que garantiu a entrada no livro Guiness World Records. A peça ficou marcada por uma espécie de gincana de troca de figurinos feita pelos atores
A trajetória do artista também foi de superação. De origem humilde, Ney Latorraca enfrentou desafios financeiros e sociais com resiliência e criatividade, transformando a arte em sua razão de viver. O humor refinado e a capacidade de encantar o público em papéis dramáticos ou cômicos o tornaram um artista completo. “Aprendi desde pequeno que precisava representar para sobreviver, o que nunca me deixou um trauma, pelo contrário. Sempre fui uma criança diferente das outras. Às vezes, eu tinha que dormir cedo porque não havia o que comer em casa. Então, até hoje, para mim, estou no lucro. Minha vida é sempre lucro”, analisava Ney Latorraca, alguém que sempre será lembrado como um artista único e grande ser humano.
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