Por Luiz Gomes Otero, jornalista e crítico cultural. Foto: divulgação.
Um som com uma certa roupagem retrô ambientada nos anos 50 e 60, mas que soa ao mesmo tempo contemporâneo no pop atual. Essa é a primeira impressão para quem ouve o som do duo The Courettes, formado por Flavia Couri (guitarras, teclados e vocal) e Martin Couri (bateria e percussão). A dupla mostra influência dos grupos produzidos pelo mítico Phil Spector, o criador do chamado Wall Of Sound, efeito no estúdio que criava uma espécie de muro sonoro preenchendo todos os espaços da gravação.
Flavia é brasileira e integrou a banda Autoramas antes de se mudar para a Dinamarca e se casar com Martin em sua terra natal (sim, ele é dinamarquês). E a formação do duo acabou acontecendo de uma forma natural, pois ambos tinham o mesmo gosto musical e muita disposição para produzir um som que se identificava com os dois. O resultado disso são os mais de 100 shows por ano pela Europa, Estados Unidos e Japão, cativando um público cada vez maior em várias partes do mundo. Em entrevista para o Resenhando, Flavia conta um pouco sobre a trajetória do duo e como eles encaram o momento atual para o rock. “A cena alternativa é muito grande pelo mundo”.
Resenhando.com - Como foi o inicio de vocês na música?
Flavia Couri - A música sempre me tocou de uma forma muito forte, desde os meus sete anos. Meu primeiro instrumento foi um xilofone de brinquedo, eu tocava o dia inteiro. Eu chorava muitas vezes nas aulas de música na escola, algumas canções me emocionavam tanto, eu nem sabia explicar. Nessa época eu assisti aquelas reprises do show da Tina Turner no Rio na televisão e eu fiquei obcecada com a Tina, penteava o meu cabelo ao contrário para dar volume e ir pra escola parecendo ela. A minha mãe era muito fã da Rita Lee, ela escutava muito lá em casa, e a Rita foi uma das minhas primeiras heroínas roqueiras e role model. Eu comecei a comprar fitas cassete sozinha com uns nove anos e me apaixonei pelos Beatles aos 11. Eu comecei a tocar violão também aos 11 anos, com aquelas revistinhas. Eu achei um violão no armário, meu pai tinha dado de presente à minha mãe, mas ela nunca aprendeu. Logo depois comecei a tocar baixo também, comprei um baixo Finch cópia de Rickenbacker de um primo de uma amiga do colégio, com o dinheiro do lanche que minha mãe me dava e que eu fui juntando por meses. Quando eu cheguei em casa com o baixo (surpresa!), minha mãe achou tão legal a minha dedicação que deu-me um amplificador. Eu nasci nos anos 80, uma época fantástica pro rock no Brasil, explodindo nas rádios FM, a Rádio Fluminense… A MTV chegou ao Brasil quando eu tinha 9 anos, e eu amava tudo e assistia por horas a fio, principalmente o programa Lado B que me apresentou a bandas como The Cramps e Ramones. Eu lembro da primeira vez que eu ouvi “Smells Like Teen Spirit” e pirei, ainda pre-teen. Eu fui no show do Nirvana aos 12 anos no Hollywood Rock e os Ramones aos 13, no Circo Voador. O grunge e depois o movimento riot grrrl e as guitar bands influenciaram muito minha formação, ao mesmo tempo que o meu amor pela música dos anos 60 ia crescendo enquanto eu ouvia e pesquisava muito bandas como o Velvet Underground, Byrds, Troggs, Sonics e Seeds. Comecei a tocar baixo em muitas bandas a partir dos 15 anos, e o The Courettes é a segunda banda onde eu toco guitarra. Apesar de ter começado autodidata, eu estudei música também, anos depois, e fiz um mestrado em baixo na Dinamarca e uma pós em composição.
Resenhando.com - Como funciona o processo criativo musical do The Courettes?
Flavia Couri - Nos nossos primeiros discos, eu compus todas as músicas sozinha, mas o Martin sempre teve um papel importante dizendo quais idéias eram boas e mereciam ser trabalhadas e quais eu deveria jogar fora. A partir do nosso segundo disco, “We Are The Courettes”, começamos uma parceria com o Søren Christensen, da banda dinamarquesa The Blue Van (que é maravilhosa, por sinal). Ele é um músico incrível e escreveu umas duas músicas conosco nesse disco, no disco seguinte, “Back in Mono”, 12 das 14 músicas. Ele é nosso produtor e parceiro de composição nos álbuns “Back in mono”, “Back in Mono B-Sides & Outtakes” e “The Soul Of… The Fabulous Courettes”.
Resenhando.com - A melodia vem primeiro ou a letra surge antes?
Flavia Couri - Sobre o que vem antes, melodia ou letra, não há regra, na verdade. Às vezes a parte musical fica pronta antes, inteira, com acordes e melodia, às vezes até o arranjo, e a gente luta pra escrever uma letra… Outras vezes tenho o conceito da letra, dois ou três versos prontos e a música só vem depois.
Resenhando.com - Como vocês têm avaliado o mercado fonográfico na Europa? As plataformas de streaming realmente estão em evidência ou ainda há mercado para o disco físico?
Flavia Couri - Ainda há um mercado bem grande para vinil, e só tem crescido nos últimos anos. Acho que depende muito do tipo de música que o artista faz. Na música pop e no público adolescente creio que o streaming domina quase totalmente.
Flavia Couri - No nosso nicho (rock / indie rock / garage rock / Wall of Sound) o público adora vinil, coleciona e compra muito. E compram CDs também, principalmente na Alemanha e no Reino Unido. O The Courettes vende muitos discos, somos a segunda banda que mais vende discos na nossa gravadora, a britânica Damaged Goods Records, com quem assinamos em 2020. Só ficamos atrás do lendário Billy Childish. Com ele não dá pra concorrer!
Resenhando.com - Nos shows ao vivo se apresentam somente os dois integrantes ou vocês contam com mais músicos de apoio?
Flavia Couri - Estamos há dez anos tocando ao vivo só nós dois no palco, e foi um longo processo para desenvolver um show eficiente em duo, não só musicalmente mas também o lado da performance, para envolver e entreter o público. Muitos duos tendem a cair na monotonia se o set é longo, então finalmente podemos dizer que criamos um show só com duas pessoas que enche um palco de festival não só a nível sonoro, mas de performance também, e não foi fácil, deu muito trabalho e custou muitos shows para amadurecer, estamos quase chegando na marca de mil shows como The Courettes. Alguns dos truques incluem usar um oitavador e separar o som da guitarra em dois canais ou em dois amplificadores. Temos muito orgulho do show que conseguimos criar através dos anos, só como duo. Dito isso, em 2024 começamos a experimentar com outras formações, para expandir o universo sonoro. Usamos um baixista em alguns shows, e, a partir do lançamento do álbum novo “The Soul Of… The Fabulous Courettes” em setembro, estamos usando backing tracks. Tudo isso agora é uma opção, não uma necessidade. No futuro, estamos abertos a experimentar mais, com backing tracks ou outros músicos, porque a gente sente que não precisa provar nada pra ninguém, a gente se vira como duo, como trio, ou como a gente quiser.
Resenhando.com - O cenário indie rock atual tem aberto espaço para muitas bandas alternativas. Vocês tem conseguido encontrar seu espaço ou ainda há dificuldades?
Flavia Couri - O The Courettes encontrou seu espaço e faz cerca de 125 - 150 shows por ano, tocamos por toda a Europa, Reino Unido, Estados Unidos e Japão. A cena alternativa é muito grande pelo mundo, ela sobreviveu a pandemia e ainda há muitos clubes de tamanho médio e um público interessado. Isso é o mais importante, ter um público interessado. Enquanto houver gente interessada em ir a shows, que paga bilhete e compra merchandising, as casas de shows e os festivais vão continuar existindo, vai ter uma cena alternativa paralela ao Live Nation e afins.
Resenhando.com - Vocês citam o lendário produtor Phil Spector como referência. Como o trabalho dele ajudou a nortear a sua proposta de conceito musical?
Flavia Couri - O Martin e eu somos muito fãs dos girl groups dos anos 60, até no nome da banda a influência é óbvia. Quando nos conhecemos há 11 anos atrás, no Brasil, e começamos a conversar sobre música, o Martin me disse que ficou ainda mais apaixonado por mim quando eu disse que eu tinha o box set “Back To Mono”, com a obra do Phil Spector. Então a obra de Phil Spector sempre esteve presente. Musicalmente, a influência de Spector no nosso trabalho de estúdio ficou mais nítida no nosso terceiro álbum, “Back in Mono”, onde a proposta foi emular as técnicas de gravação e produção spectorianas para criar o nosso próprio Wall of Sound, o The Courettes´ Wall of Sound. A gente foi bem fundo nessa proposta, construímos nosso próprio estúdio, uma câmara de eco, e gravamos muitos overdubs no álbum. Algumas faixas têm 17 tracks só de guitarras, mais baixo, piano, órgão, violão de 12 cordas, guitarra de 12 cordas, tímpanos, castanholas… Foi uma evolução musical enorme pra gente. Na gravação do primeiro disco, nós queríamos evitar overdubs e gravar o mais orgânico e cru possível, para que não ficasse diferente ao vivo. A partir do segundo álbum, “We Are The Courettes”, eu comecei a gravar também órgão e piano, além de côros e harmonias vocais, mas sempre tendo em vista a versão ao vivo, como as músicas soariam sem os overdubs. Foi com “Back in Mono” que nos permitimos experimentar no estúdio, sem limites e sem preocupações. Decidimos não frear nossa criatividade limitando os arranjos ao que poderíamos tocar ao vivo como duo. Eu tive uma revelação: uma música boa é uma música boa, independente de ser tocada por uma orquestra de 20 músicos ou só no piano ou no violão. Então desde “Back in Mono”, e graças ao Phil Spector, que dividimos o trabalho de estúdio e o ao vivo como duas coisas diferentes, que a gente ama igual. Nosso foco agora é a composição, é escrever músicas cada vez melhores. E depois vemos como essas músicas vão funcionar ao vivo. Às vezes sentimos que é um pouco como se os Beatles tocassem os arranjos de “Sgt. Pepper´ s” ao vivo no Cavern Club, com aquela energia cru e só com os quatro músicos. (Sem querer nos comparam com os Beatles, é claro). E vale repetir que nossa admiração pelo Phil Spector é limitada ao seu trabalho como compositor e produtor, separamos bem o artista da sua vida pessoal.
Resenhando.com - Como está sendo feita a divulgação do mais recente trabalho de vocês?
Flavia Couri - O disco recebeu resenhas incríveis no Reino Unido e na Europa, nas principais revistas de música como Rolling Stone (França), Vive Le Rock, Record Collector, Louder Than War, Shindig!, Vintage Rock e Clash (Reino Unido), Ox (Alemanha)… teve até um artigo no britânico The Guardian. Nós fizemos uma Live Session na lendária Rádio BBC, e também na Radio 3, a maior rádio espanhola. “The Soul Of…” entrou em muitas listas de melhor álbum de 2024, incluindo o site da Rough Trade, Shindig! e Louder than War. A turnê de divulgação começou em setembro, passou pelo Reino Unido, Dinamarca, Espanha e França, non stop, foi uma loucura total, 33 shows em um més e meio! Só agora estamos curtindo umas férias merecidas depois de 124 shows em 2024. Em 2025 vamos voltar à estrada e tocar em muitos festivais pela Europa, EUA e Reino Unido, como o Rebellion (UK), SXSW e Evolution (USA), Kilkenny Roots Festival (Irlanda), Zwarte Cross (Holanda), Folk & Fæstival (Dinamarca), além de shows na Alemanha, Suécia, Finlândia e França. Espero que a turnê passe também no Brasil, estou com muita vontade e saudade de tocar por aí!
The Courettes - "Want You! Like a Cigarette"
The Courettes - "Shake!"
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