segunda-feira, 25 de novembro de 2024

.: Diálogo de James Baldwin com a poeta Nikki Giovanni na revista "Serrote"


A 48ª edição da "Serrote", revista de ensaios do Instituto Moreira Salles, já está disponível nas livrarias, com destaque para a publicação na íntegra, pela primeira vez em português, do celebrado diálogo de James Baldwin (1924-1987) e Nikki Giovanni (1947). A conversa entre eles aconteceu em novembro de 1971 num estúdio em Londres, e foi exibida no talk-show "Soul!", programa revolucionário que, entre 1968 e 1973, levou à TV pública americana artistas e pensadores negros consagrados do país.

Escritores e ativistas, Baldwin e Giovanni discorrem sobre diversos assuntos, como questão racial, liberdade, justiça, religião e poder, num confronto entre pensadores de gerações diferentes – ele tinha na ocasião 47 anos, e ela, 28. É na divergência entre eles, temperada sempre com polidez, que o diálogo ganha força. O texto é entremeado por frames da entrevista, tratados como ilustrações. Um deles, de James Baldwin, estampa a capa da edição, um feito inédito em 15 anos na história da revista que sempre circulou com uma arte na capa.

A publicação traz também os textos das três autoras premiadas na edição deste ano do Concurso de Ensaísmo serrote. Primeira colocada, a poeta e artista visual Tetê (1998), nascida em Marabá (PA) e residente em Recife, com atuação também na cena musical, assina o ensaio “Políticas Espaciais do Afeto". Seu trabalho cruza as noções técnicas de arquitetura e urbanismo e vivência pessoal para implodir muros historicamente erguidos entre classes sociais, ideias e sexualidades.

Original e muito bem costurado, o texto é demarcado pela pauta do deslocamento: de chegar num lugar (no seu caso, a universidade pública) a partir da política de cotas e não conseguir transpor as distâncias sociais. A autora acaba de ser contemplada no Concurso de Residências Artísticas da Fundação Joaquim Nabuco, onde dará continuidade à sua pesquisa em arquitetura e urbanismo com foco na admissão das dissidências.

Segundo lugar no concurso, a antropóloga Camila de Caux (1982), mineira residente em São Paulo, evoca no ensaio “Vestígios da Natureza” a trajetória de Tibira, pessoa Tupinambá executada cruelmente pelos invasores franceses no Maranhão do século XVII. A autora faz uma reflexão contemporânea sobre a plasticidade de gêneros e identidades e as violências que permeiam a história.

Escritora nascida em Sergipe, mas residente em Porto Alegre, Maria Isabela Moraes (1990) conquistou o terceiro lugar como um ensaio pessoal sobre como enfrentou as enchentes que devastaram a capital gaúcha em 2024, para onde se mudara um ano antes. Ela foge ao óbvio para construir uma espécie de diário, em que narra seu cotidiano enquanto testemunha o mofo tomar conta do apartamento onde mora.

A revista publica ainda um texto sofisticado – pelas pontes históricas que constrói – do historiador italiano Carlo Ginzburg (1939). “Fake News?” faz parte do livro Secularism and its ambiguities (2023), versão ampliada de uma série de conferências realizadas na Central European University, em Budapeste, em 2019. A interrogação do título, explica o autor, “está ali a fim de criar alguma distância em relação a um fenômeno que, com demasiada frequência, é tido por óbvio. Tomar distância pode nos ajudar a abordar as fake news de um ângulo oblíquo", diz ele.

Outro texto desta edição que conversa com a atualidade é o da americana Moira Weigel (1984), professora de estudos da comunicação na Northeastern University e pesquisadora associada da Harvard Society of Fellows, de quem a serrote #29 já publicou o ensaio “Um álibi para o autoritarismo". Na serrote #48 ela contribui com o ensaio “O algoritmo Adorno", em que aborda como o pensamento frankfurtiano ajuda a compreender as novas encarnações do fascismo.

Também nesta edição, um texto da carioca Bianca Tavolari (1988) escrito no marco dos 50 anos do golpe que derrubou Salvador Allende. Professora de direito da FGV, Bianca é neta de um deputado chileno preso e torturado pela ditadura do general Augusto Pinochet. Em “Santiago, 2023”, ela narra os cinco dias de setembro de 2023 em que percorreu as ruas e os memoriais da capital chilena, unindo o luto íntimo ao luto coletivo de uma nação.

Historiador que se especializou, em sua formação acadêmica na Universidade de Sheffield, nas culturas da bebida e intoxicação no início da Inglaterra moderna, o inglês James Brown revela, no texto “Feitiçaria Líquida”, como o gim, o ser introduzido na Inglaterra dos séculos 18 e 19, esteve no centro de uma cultura de delírio, loucura, alegria e morte.

Diplomata e um dos mais importantes tradutores da língua inglesa, Jorio Dauster (1937) verteu para o português autores como J. D. Salinger, Thomas Pynchon, Philip Roth, Ian McEwan, Jonathan Franzen, Paul Auster, Virginia Woolf e Vladimir Nabokov – é sobre este último que ele escreve no ensaio O professor Nabokov. Como o título antecipa, Dauster discorre não sobre o romancista célebre de Lolita, mas sobre o professor que encantava alunos nas instituições em que lecionava, tendo palestras e aulas reunidas em antologias como Lições de literatura, Lições de literatura russa e Lições sobre Dom Quixote. O texto é ilustrado com uma caricatura de Cássio Loredano.

Ainda nesta edição, Allan K. Pereira (1990), nascido em Queimadas (PB) e professor de história da Universidade Federal da Fronteira Sul, no campus de Erechim (RS), escreve sobre como as revoltas pela execução do adolescente afro-americano Michael Brown na cidade de Ferguson, no estado do Missouri, em agosto de 2014 inspiram as lutas contra o movimento global antinegritude. O ensaio “Ferguson, dez anos depois" parte da tese Impróprios para a história: rebelião, tempo e antinegritude em Ferguson, ainda não publicada, defendida no Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS em 2022.

A serrote #48 publica ainda um ensaio visual da artista mineira Solange Pessoa (1961). O designer gráfico Daniel Trench, diretor de arte da revista, apresenta a série de desenhos, chamando atenção para o peso e o volume que “parecem afixar essas figuras fugidias no papel". Também presentes nesta edição, trabalhos dos artistas Alvaro de Lara, Nara Amelia, Pedro França, Jorge Tacla, Regina Silveira e Damon Davis.

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