domingo, 21 de julho de 2024

.: Entrevista com Adriano Dolph, autor do livro "Fevereiro em Chamas"


"Durante anos uma lenda urbana foi divulgada até por veículos jornalísticos, de que teriam sido encontradas em um elevador, e que os corpos estavam carbonizados. Isso nunca ocorreu", comenta Adriano Dolph em entrevista exclusiva para o portal Resenhando.com.

Por Helder Moraes Miranda, editor do portal Resenhando.com. 

O livro “Fevereiro em Chamas” (compre neste link), do jornalista Adriano Dolph, é dramático e revelador, O autor percorre um longo caminho relembrando as três tragédias que abalaram o Brasil no mês de fevereiro: edifícios Joelma, Grande Avenida e Andraus. Com uma abordagem humana, sensível e jornalística, mostra a dor de familiares; ecos, cicatrizes e consequências dos incêndios. A partir daí, ele conta histórias de força e persistência. Dolph conduziu uma grande investigação sobre o tema, percorrendo arquivos de fóruns, jornais, corporações e até da ditadura militar.

Devido à abordagem documental, a obra literária ganhou uma segunda fase, agora em formato de audiovisual em um canal na internet. O documentário apresentado em série traz uma abordagem ampla e que abre espaço para novos registros, agora em audiovisual vídeos inéditos. “Fevereiro em Chamas” também está disponível no YouTube  (@fevereiroemchamas) e também no Spotify - Edifício Joelma - 50 anos em busca da verdade.

Nascido em 1975 em São Paulo, Adriano Dolph, é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero, com Pós-Graduação em Comunicação. A Iniciou em 2004 uma série de pesquisas e entrevistas para o livro “Fevereiro em Chamas”, contribuindo também para um trabalho acadêmico sobre narrativas midiáticas e opinião pública na cobertura dos incêndios do Edifício Joelma e da Boate Kiss. Atualmente, atua como comentarista esportivo na plataforma Brasileirão Play, além de ser apresentador, criador de conteúdo digital e mestre de cerimônias.


Resenhando.com - O que motivou você a escrever o livro "Fevereiro em Chamas"?
Adriano Dolph - Este assunto dos grandes incêndios na cidade de São Paulo sempre me chamou a atenção. Ainda jovem, buscava referências e textos, informações específicas sobre o tema, e era muito difícil encontrar reportagens apuradas e checadas. Como exemplo, cito a questão das 13 vítimas não identificadas que foram sepultadas no cemitério São Pedro. Ou então a questão dos réus que foram julgados. Resolvi arregaçar as mangas e correr atrás das informações. Foram 15 anos de trabalho checando mais de 10 mil páginas de documentos, fotos e arquivos.

Resenhando.com - Em que as tragédias do Edifício Joelma, Grande Avenida e Andraus - e também a tragédia da Boate Kiss, podem dizer a respeito da segurança contra incêndios e nas políticas públicas do Brasil?
Adriano Dolph - 
Importante salientar que nos incêndios do Andraus e Joelma, ainda estava em vigência um Código de Obras datada da década de 1930, ou seja, muito obsolete e que não atendia as demandas do crescimento vertical de uma cidade como São Paulo. Em 1972, por exemplo, não existiam noções de brigada de incêndio e primeiro combate ao fogo nas edificações, o que era um total absurdo para um prédio como o Andraus, com mais de 25 andares. Em 1981 ocorreu o segundo incêndio no Edifício Grande Avenida, onde foram constatadas diversas irregularidades nas obras de reconstrução após o primeiro incêndio, em 1969. Dezessete pessoas perderam a vida em decorrência, justamente, da falta de uma escadas com isolamento para o fogo. Mesmo neste século presenciamos diversas tragédias do relacionadas ao fogo, como na Boate Kiss. Todas tem como coincidência alguns pontos: o desleixo das autoridades ao fiscalizar edificações, ao exigir o cumprimento das regras e da lei. E a imperícia de funcionários ou responsáveis.

Resenhando.com - Essas tragédias poderiam ser evitadas - ou você acredita no poder imutável do destino?
Adriano Dolph - 
Em termos técnicos, de fiscalização e prevenção, com toda certeza. Infelizmente o Poder Público falhou, e obviamente, os responsáveis pelos edifícios, ao designar pessoas inabilitadas para desempenhar funções que exigiam conhecimento prévio.


Resenhando.com - Qual das tragédias pesquisadas por você o impactou mais?
Adriano Dolph - Todas tiveram um impacto muito forte, pois em todos os incêndios ocorreram histórias de dor e sofrimento. Mas é inegável que o incêndio do Edifício Joelma ocorre um impacto maior, especialmente pelo número de perdas elevado, e pela dimensão das imagens, fotos e videos.

 
O que podemos aprender a respeito sobre essas tragédias nacionais e o que fazer para evitá-las?
Adriano Dolph - 
Onde há prevenção, treinamento, e fiscalização, as chances de ocorrerem um grande incêndio diminuem consideravelmente. Seja o Poder Público, seja os responsáveis pelas edificações, fica a lição de que o desleixo pelas normas e regras pôde significar em uma grande tragédia.

 
Realizar as pesquisas para três tragédias arrebatadoras demanda tempo. Quando percebeu que era a hora de parar de pesquisar para começar a escrever o livro?
Adriano Dolph - O livro foi escrito e publicado, mas ainda há outras histórias sendo apuradas e checadas para uma futura edição revisada, ou um novo livro sobre o edifício Joelma. No caso de "Fevereiro em Chamas", o timing foi o marco dos 50 anos do incêndio do edifício Andraus. Costumo falar que o jornalista nunca deve parar de pesquisar e apurar. Essa é a função da profissão.

 
Na investigação sobre o tema, você percorreu arquivos de fóruns, jornais, corporações e até da Ditadura Militar. Como a ditadura militar pôde ajudar a contar essa história?
Adriano Dolph - 
Os três incêndios ocorreram em um período de perseguição a opositores, onde foram cassados direitos políticos, e havia restrição do que poderia ser ou não publicado. E obviamente tive muita atenção desse contexto em relação aos eventos. Na produção do livro descobri documentos sigilosos de que todos os incêndios chegaram a ser investigados como atentados subversivos, sem que nada tenha sido provado. Pessoas foram conduzidas a delegacias e órgãos repressores para depoimentos. Mas ainda há muito a ser desvendado especialmente no incêndio do edifício Joelma.

 
Há alguma informação que encontrou, durante as pesquisas, que o surpreendeu?
Adriano Dolph - 
A informação mais importante foi em relação aos 13 corpos não identificados que foram enterrados em Vila Alpina. Durante anos uma lenda urbana foi divulgada até por veículos jornalísticos, de que teriam sido encontradas em um elevador, e que os corpos estavam carbonizados. Isso nunca ocorreu. Através de uma intensa apuração e pesquisa, descobrir que estas pessoas faleceram em circunstâncias, dias e locais absolutamente diferentes. Jamais foram encontradas em tal elevador. E no livro apresento todos estes dados, com dez possíveis nomes destas pessoas.

 
Você lidou com um tema muito pesado. Logo, essas pesquisas mexeram emocionalmente com você? 
Adriano Dolph - É impossível em todo o processo não se emocionar. Obviamente, trabalhando na apuração, checagem, entrevistando, escrevendo, procurei sempre me distanciar para ser o mais neutro e imparcial possível. Mas em diversos momentos me emocionei. A dor de quem passou por uma tragédia destas é gigantesca. E todo contexto de arquivos, fotos e relatos é muito doloroso.

 
O que a série documental derivada de "Fevereiro em Chamas" complementa o livro, e o que há no livro que não tem na série?
Adriano Dolph - A série contextualiza o livro. Traz imagens inéditas que foram garimpadas nas redes sociais e na internet. E está sempre em apuração e checagem de novas informações. Por isso, considero que seja a primeira websserie de cunho jornalístico, com apuração e checagem, sem o ranço do sensacionalismo e das lendas urbanas.



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