Por: Mary Ellen Farias dos Santos
Em julho de 2024
Ser uma pessoa boa para o próximo e para os seus, nem sempre é certeza de receber devolutivas positivas. Eis que "Ainda Temos o Amanhã", produção mais vista na Itália em 2023, vai além do fazer o bem sem olhar a quem quando põe o protagonismo para a abnegada Delia (Paola Cortellesi). Na Itália dos anos 40, pós-guerra, ela é uma mulher simples, casada com um homem rude, Ivano (Valerio Mastandrea), que vive no repetitivo discurso de ter lutado na guerra, enquanto que ela cuida da casa, da família e trabalha fora complementando a renda para manter tanto o aluguel quanto os gastos da família.
Ao sair para batalhar por algum dinheiro, o marido de Delia bebe, joga com os amigos e sai com prostitutas, Delia se vira em meio a costuras, aplicando injeções e buscando doações. Mãe de dois meninos -projetos machistas que refletem o agir do pai e do avô Ottorino (Giorgio Colangeli, de "Cidadãos do Mundo")- e de uma moça, Marcella (Romana Maggiora) que vem sendo cortejada pelo filho de uma família influente, Giulio Moretti (Francesco Centorame, de "O Colibri"). Délia cuida de tudo e de todos. Juntando dinheiro sem o conhecimento do marido, recebe uma carta misteriosa, enquanto que no caminho corrido dos afazeres, encontra uma foto no chão percebendo ser de um soldado americano, William (Yonv Joseph).
Em meio a uma amizade em que ambos desconhecem o idioma do outro, Delia descobre que Nino (Vinicio Marchioni, "Obrigado, Rapazes" e "O Labirinto"), uma paixão do passado, vai partir. Com a relação conturbada em casa, a mulher batalhadora ainda aguenta as surras do esposo -a primeira é motivada por ela ganhar chocolate. Com uma trilha sonora impecável, o longa também dirigido por Paola Cortellesi, entrega cinema numa sequência movimentos ritmados entre os corpos (ou quase, uma vez que Delia tenta escapar por estar sendo surrada). Unindo ações opostas, "Ainda Temos o Amanhã" destaca a constante dança de quem sofre agressões debaixo do próprio teto.
Exibido no Festival de Cinema Italiano, no longa de 1h58 tudo acontece freneticamente e com motivo, para se conectar de modo surpreendente -o que empolga o público que torce pelo bem de Delia. Provocante, crítico, mas também divertido, em preto e branco, o longa tem um elenco que esbanja talento. "Ainda Temos o Amanhã" é também um grito pela liberdade feminina ao retratar a naturalidade que a subserviência da mulher, sem um pingo de voz, era aceita pela sociedade. Lindo e imperdível!
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