terça-feira, 9 de julho de 2024

.: “Açougueira” expõe condenação prévia da mulher em qualquer circunstância


Em uma das cenas mais emblemáticas de “Açougueira” (compre neste link), lançado pela editora Claraboia, a personagem principal é incitada a abater e descarnar um boi. O duelo homem-animal presente no imaginário como uma batalha entre a força masculina versus a natureza ganha outras camadas e evidencia a singularidade do romance de estreia da escritora e dramaturga gaúcha Marina Monteiro, que também é atriz, arte-educadora, produtora e gestora cultural.

Na trama, quem está em frente ao boi é uma mulher. Ao deslocar as posições sociais e de poder, a escritora apresenta um romance provocativo que evoca discussões sobre violência de gênero e opressão. Um evento de lançamento está agendado em Florianópolis, em Santa Catarina, no dia 12 de julho, a partir das 18h30, na Livraria Latinas - Rua Padre Lourenço R. de Andrade, 650, bairro Santo Antônio de Lisboa.

A obra permeia temas como tradições sociais, relações familiares, paixão, desejo, violência doméstica e justiça. Este último, segundo a autora, é motivo de inquietação constante: “Reflito sobre o papel da justiça, o ideal de imparcialidade, a realidade muitas vezes parcial em uma sociedade tão desigual quanto a nossa”.

Uma das inspirações para o livro veio justamente de sua busca por casos de violência contra a mulher na internet, em notícias e reportagens, e a percepção dos resultados de julgamentos desfavoráveis às vítimas. “Comecei a observar como a Justiça prontamente já coloca essa mulher no centro do palco de acusação. Tirar a vida de alguém é um crime que precisa ser punido, assim como violentar uma mulher, física ou psicologicamente, também deve ser. Mas o que acaba acontecendo, na maioria das vezes, é uma culpabilização da vítima”, argumenta. 

“Açougueira” se divide em cinco partes intituladas: “O Reflexo no Braço Dele”, “Coro de Vizinhos”, “De Fora a Fora”, “Coração Fazendo Goteira” e “Voz Escorrendo”. O enredo envolve o assassinato e esquartejamento de um homem numa cidadezinha interiorana onde todos se conhecem. A principal suspeita é a esposa, personagem central da trama. 

A narrativa é estruturada a partir de depoimentos concedidos a uma autoridade, referenciada por todos como “doutor”.  A esposa detalha desde o início do enlace com o futuro marido até a decadência do matrimônio. Suas falas são entrecortadas por declarações pouco amistosas de vizinhos e conhecidos do casal.

Nessa configuração textual, a autora concede intensidade a todos os envolvidos na trama, acentua repetições, imprecisões e exaltações nas falas, pontua trejeitos, cacoetes e postura dos corpos, e revela ainda emoções e personalidade de cada um.  Nenhum deles tem nome, ainda assim, é possível discernir quem é quem. Outro mérito da obra é a composição das cenas. As descrições misturam a aspereza da paisagem à intensidade das emoções experimentadas pelos envolvidos na cena. As metáforas também são destaque e transportam o leitor para diferentes atmosferas. 

Esse recurso narrativo torna-se essencial para que se conceda o benefício da dúvida à protagonista/esposa e adentre nas camadas complexas que existem no binômio relação afetiva- violência. A escritora acredita que “Açougueira” faz o leitor se implicar na narrativa e assumir um lugar. “Para além disso, acho que o livro traz  esse movimento constante de uma mulher que persegue o desejo de ser e sobretudo de fazer diferente e mudar as estruturas”,  revela Marina.   

De fato, a determinação com que a esposa passa a própria vida em revista, incluindo nessa narrativa as partes repugnantes de sua trajetória, evidencia não só a força e perseverança dessa personagem fictícia, mas acima de tudo a coragem da autora em explorar esses temas num romance original, inventivo e marcante. Compre o livro “Açougueira” , de Marina Monteiro, neste link.


O que disseram sobre o livro
“Em 'Açougueira', a narradora conta seu testemunho de vida e o oferece perante um júri. Essa mulher quieta e observadora, espia a vida por uma fresta e vive a vida por uma fresta. Ir contra Deus, desse jeito, é demais, é ir contra a natureza do homem. Mulher não age assim. Dizem a ela, e contra deus e tudo, ela segue, abrindo passagens. Neste romance, Marina Monteiro trabalha linguagem e forma de um modo admirável e faz emergir uma história inquietante e polifônica.” (Natalia Borges Polesso na quarta capa do livro “Açougueira”)


Trecho do livro
“Depois soube, foram pro bar, me negociando. Queria saber meu preço, mas os dois se retiraram porque era assunto deles. Mulher não precisa saber quanto vale. Eu e a mãe ficamos no escuro da cozinha ouvindo o silêncio da noite, quando o eco da risada se espalhou e sumiu. A mãe não dizia nada, eu olhando a mãe, tentando entender. Tinha umas partes do corpo dela querendo se despregar e eu quase vi um meio riso na boca dela. Tava gostando. Que mãe não gostava? Ia arranjar a filha nova ainda. Mais cedo que as vizinhas do entorno da igreja. Talvez nem precisasse rezar novena. Bastava uma vela pra santinha, em agradecimento. Ia arranjar a filha com homem trabalhador, de braço duro e suado. Homem bom. O suor tem valor. Eu disse, o suor é o começo da minha história.” (Trecho de "Açougueira", pág, 19)


Experiência do palco para o livro
Marina Monteiro nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 1982, e vive atualmente entre as capitais Rio de Janeiro e Florianópolis, em Santa Catarina. A autora possui licenciatura em teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), e ainda o título de bacharela em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Marina define-se como atriz, arte-educadora, produtora e gestora cultural. 

Na área da escrita dedica-se à composição de textos literários, dramatúrgicos e roteiros. É autora do livro de formato híbrido “Comendo Borboletas Azuis” (Multifoco, 2010) e dos livros de contos “Em Nossa Cidade Amarelinha Era Sapata” (Patuá, 2019), vencedor do prêmio da Associação Gaúcha de Escritores (AGES) e “Contos de Vista Pontos de Queda” (Patuá, 2021), indicado ao prêmio Açorianos e vencedor do Prêmio Minuano de Literatura. “Açougueira” é seu romance de estreia.

A experiência de quase duas décadas no teatro e dramaturgia estão implícitas na criação do livro. A obra é inspirada no espetáculo “Carne de Segunda”, escrito pela autora em 2020.  A transformação do texto em romance ocorreu a partir de uma oficina de escrita literária. O desafio, segundo Marina, era justamente a adaptação da linguagem. “Tive uma grande trava porque cismei que queria me distanciar do teatro, fiquei três meses longe da escrita, e depois percebi que era uma bobagem, pois era da dramaturgia que vinha o romance”, conta. 

Para Marina, o lançamento de “Açougueira”, revela seu amadurecimento como artista. “Por meio do livro pude entender melhor meu movimento literário, minha pesquisa, meus próprios desejos e também admitir mais minhas obsessões estéticas”, frisa, e complementa: “Acho que assim como a narradora da obra eu abri umas brechas e assumi meus caminhos”Garanta o seu exemplar de "Açougueira", escrito por Marina Monteiro, neste link.

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