"Cecilia Vicuña: sonhar a Água - Uma Retrospectiva do Futuro" é a primeira grande exposição da artista chilena no Brasil que fica em cartaz de 18 de maio a 15 de setembro. Na imagem, o quadro "As Lágrimas de Tara (Uma Oração pelo Mundo)", de 2021
A Pinacoteca de São Paulo apresenta a exposição "Cecilia Vicuña: sonhar a Água - Uma Retrospectiva do Futuro" no próximo sábado, dia 18 de maio, na Grande Galeria do edifício Pina Contemporânea. Primeira grande mostra da artista chilena Cecilia Vicuña no Brasil, a retrospectiva reúne cerca de 200 obras que abrangem os 60 anos de sua produção. Com curadoria de Miguel A. López, a mostra apresenta o compromisso de Vicuña com as lutas populares, o respeito aos direitos humanos e a proteção ambiental. Entre os trabalhos que são destaque na Pinacoteca estão a instalação "Quipu Menstrual" (2006), criação site-specific para a Pina, e a obra "Fidel e Allende" (1972), exposta apenas nessa etapa da itinerância.
Cecilia Vicuña é poeta, artista visual e ativista feminista. Boa parte de sua produção se volta para sua relação com seu país natal, a cordilheira dos Andes, as lutas feministas, a memória têxtil pré-colombiana e a emancipação das comunidades indígenas. Desde os anos 1960, a obra visionária da artista dedica-se a honrar o equilíbrio e a reciprocidade do mundo natural. Seu trabalho valoriza a dimensão ritual, medicinal e curativa da arte. A exposição tem patrocínio da Goldman Sachs, na cota Prata, e apoio da Embaixada do Chile no Brasil.
Sobre a exposição
"Sonhar a Água" foi originalmente organizada pelo Museu Nacional de Bellas Artes de Santiago do Chile e itinerou para o Malba, em Buenos Aires, antes de chegar à Pinacoteca de São Paulo. O nome da exposição representa um convite para mudarmos nossa relação com a terra. “Sem umidade não há humanidade”, nos lembra Vicuña. Suas criações não são somente depoimentos sobre o passado, mas também sobre todos os testemunhos de um futuro aberto – assim como essa retrospectiva, que apresenta sua obra como uma experiência que não é definitiva, mas sim viva e em construção.
O trabalho "Quipu Menstrual, o Sangue dos Glaciais", originalmente concebido pela artista em 2006, foi criado como uma ação ritual para a anulação de um projeto para extração de ouro por meio da destruição de três geleiras no norte do Chile. Adaptada especialmente para o espaço da Grande Galeria, a instalação é composta por nós de lã na cor vermelha e constituem um bosque penetrável, no qual os visitantes são convidados a circularem em seu interior.
“A poética de Vicuña abraça tudo e nada ao mesmo tempo, contamina linguagens, desconhece hierarquias e se expressa com uma forma sísmica. Pode tomar a forma de poesia, pintura, escultura, colagem, desenho e muito mais. Seu trabalho se conecta com a forte tradição de experimentação poética desenvolvida no Brasil desde os anos 1950, em que a poesia se converte em um motor de pensamento crítico e mobilização social”, comenta o curador Miguel López.
Núcleos da exposição
1. "Tribu No"
Em setembro de 1967, Vicuña escreveu No manifiesto. O documento deu origem ao Tribu No, um grupo de jovens artistas e poetas de Santiago que, como ela, buscavam expressar sua oposição às forças conservadoras do Chile. As improvisações da Tribu No, que consistiam em dançar livremente, falar por muitas horas, pintar, tecer, jogar e escrever peças de teatro infantil para a televisão, estavam influenciadas pelos experimentos autorreflexivos que ocorriam no campo da poesia e da expansão internacional do happening.
2. "Pinturas, Poemas e Explicações"
Cecilia Vicuña começou a pintar em meados dos anos 1960. Se viu influenciada pela arte indígena e mestiça produzida entre os séculos XVI e XVII. O encontro com a pintora Leonora Carrington em 1969 também se mostrou significativo para sua produção. Suas pinturas estão carregadas de energia feminina e desafiam o controle patriarcal das normas culturais. As peças incluem mulheres que protestam nas ruas, fantasias de animalidade, filosofia andina, mitos e folclore popular, além de representações de personagens políticos ou ativistas feministas e dos direitos civis. Este núcleo apresenta algumas de suas primeiras pinturas produzidas em Santiago, Londres e Bogotá, junto com textos explicativos da própria artista.
3. "Artistas pela Democracia"
No dia 11 de setembro de 1973 aconteceu o golpe militar no Chile. No ano seguinte, Vicuña fundou em Londres, junto com David Medalla, John Dugger e Guy Brett, uma organização em solidariedade ao país, chamada Artistas pela Democracia. A organização mobilizou art istas e intelectuais internacionais, que doaram e produziram obras que seriam leiloadas em benefício da luta chilena para restaurar a democracia. Este núcleo reúne uma série de documentos, fotografias e materiais impressos relacionados com as campanhas de solidariedade com o Chile.
4. "Vicuña na Colômbia"
Em 1975, Vicuña deixou Londres e viajou para a Colômbia, um dos poucos países da América do Sul que não estava vivendo uma ditadura. A artista se estabeleceu em Bogotá, onde viveu por cinco anos. Ainda que vivendo em condições muito precárias, Vicuña atravessou um período de explosão criativa no qual deu vida a centenas de desenhos, colagens e pinturas, ações em espaços públicos, oficinas educativas, projetos cenográficos no Teatro La Candelaria, em Bogotá, e filmes experimentais em 16 mm, feitos nas ruas da cidade.
5. "Palabrarmas"
Em 1973, Vicuña começou a produção de uma série de desenhos, colagens, vídeos e performances que refletiam sobre o papel da poesia em um tempo de repressão política e desaparecimentos forçados na América do Sul, e de violência imperial em todo o mundo, de causadora de distorções de discursos públicos e desinformação. Produzidas inicialmente em Londres e Bogotá, as Palabrarmas aludem aos paradoxos entre arte e política revolucionária. Ao mesmo tempo, transitam de uma poesia baseada na linguagem aos poemas escultóricos, performáticos e especiais para criar consciência sobre o modo em que as palavras dão forma à paisagem social do mundo. A artista continua realizando Palabrarmas até os dias de hoje.
6. "Quipu Desaparecido"
O "Quipu Desaparecido" faz alusão ao legado de sequestros e assassinatos por motivos políticos perpetrados por várias ditaduras latino-americanas do século XX. Ao adotar esse nome para o projeto, Vicuña estabelece uma conexão direta com a eliminação do quipu e de outras tradições indígenas por parte dos conquistadores espanhóis, que no século XVI se propuseram a extinguir esses métodos de comunicação altamente codificados e, por isso, para eles, potencialmente subversivo.
7. "Precarios"
As primeiras obras precárias de Vicuña foram criadas na Praia de Concón, no Chile, em 1966. As pequenas assemblages, feitas de madeira flutuante, seixos, penas e cordas, foram concebidas como oferendas sagradas e como um refúgio da vida microscópica. As peças abriam um diálogo expandido com a natureza: quando subia a maré, as ondas as levavam. Com o passar dos anos, a artista continua produzindo essas obras e se referindo a elas indistintamente como “performances rituais”, “metáforas espaciais” e “poemas multidimensionais”.
8. "Quipu Menstrual"
Michelle Bachelet foi eleita como a primeira mulher presidente do Chile em 15 de janeiro de 2006. Nesse dia, Vicuña emitiu seu voto de uma forma diferente: instalou seu Quipu menstrual (O sangue dos glaciais) aos pés do El Pomo, uma montanha na região metropolitana de Santiago. Dez meses depois, a artista expôs uma versão adaptada para o Centro Cultural Palacio de La Moneda, em Santiago, composta por 28 nós de lã cor de sangue e um vídeo que documentava a performance ritual anterior na geleira. A instalação estava acompanhada de uma carta que Vicuña escreveu para Michelle Bachelet. Na carta, pedia que anulasse a autorização do Projeto Pascua Lama, que visava destruir três geleiras ao norte do Chile para a extração de ouro. Na Pinacoteca, a instalação ganha uma versão feita para o espaço da Grande Galeria, além do vídeo que documenta seu voto ritual em El Plomo, em 2006.
Sobre a artista
Cecilia Vicuña (1948, Santiago, Chile) é uma poeta, artista e ativista. Seu trabalho se debruça sobre o mundo moderno, olhando para a destruição ambiental, direitos humanos e homogeneização cultural. Nascida e criada em Santiago, no Chile, a artista vive no exílio desde 1970, ano do golpe militar contra o presidente Salvador Allende. A artista é cofundadora do grupo “Artistas pela Democracia”, criado em Londres, em 1974. Em 2022 ganhou o Leão de Ouro da Bienal de Veneza pelo conjunto de sua obra. No mesmo ano, foi comissionada pela Tate Modern de ocupar o icônico espaço Turbine Hall.
Serviço
Exposição "Cecilia Vicuña: sonhar a Água - Uma Retrospectiva do Futuro"
De 18 de maio a 15 de setembro de 2024
Curadoria: Miguel A. López
Edifício Pina Contemporânea (Grande Galeria)
De quarta a segunda, das 10h00 às 18h00 (entrada até 17h00)
Gratuitos aos sábados - R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia-entrada), ingresso único com acesso aos três edifícios - válido somente para o dia marcado no ingresso
Quintas-feiras com horário estendido B3 na Pina Luz, das 10h às 20h (gratuito a partir das 18h)
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