Uma revolta de escravizados propositalmente apagada da história do Brasil é resgatada em detalhes em "Revolta de Carrancas: o Silêncio ao Redor", livro escrito por Joaci Pereira Furtado e publicado pela editora Madamu. A reconstituição dos fatos sangrentos ocorridos em 13 de maio de 1833, na zona rural do atual município de São Tomé das Letras, em Minas Gerais – então parte da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Carrancas –, é o objeto desse livro do historiador, no livro que tem ilustrações de Francisco Silva Neto e prefácio de Rodney William Eugênio.
Furtado, que é graduado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto e mestre e doutor em História Social pela USP, conta que nunca ouvira falar dessa revolta até 2019, quando um primo jornalista a mencionou, além de revelar o parentesco dele com um dos empregados do barão de Alfenas, dono da fazenda Bela Cruz, onde o massacre aconteceu.
Com a curiosidade aguçada, ainda em 2019 Furtado passou a se informar sobre o motim. Foi assim que ele descobriu a pesquisa de Marcos Ferreira de Andrade, professor da Universidade Federal de São João del-Rei que em 1992 encontrou o processo judicial que sentenciou os revoltosos. Esse é o único documento que atesta e detalha o evento – atualmente interditado à consulta, devido ao precário estado de conservação.
De acordo com Furtado, o que mais choca é o silêncio sobre a Revolta de Carrancas. Apesar dos esforços de divulgação do professor Andrade, que já publicou livros e artigos a respeito, essa rebelião de pessoas escravizadas permanece desconhecidamdo grande público. Foi a partir das pesquisas de Andrade, pois, que Furtado escreveu "Revolta de Carrancas: o Silêncio ao Redor" – obra que resume e reflete sobre essa que foi a mais violenta insurreição de cativos no Brasil. E uma das mais desconhecidas.
A Revolta
Ocorrido no dia 13 de maio de 1833, o motim resultou na morte de dezesseis pessoas, das quais nove integravam a rica e influente família de Gabriel Francisco Junqueira (1782-1868), primeiro barão de Alfenas. A violência dos insurgentes – com requintes de crueldade, que incluía emasculação e decapitação das vítimas – não poupou nem crianças da casa grande, mobilizando dezenas de escravizados que explicitamente desejavam a eliminação física de seus senhores como forma de conquista da liberdade.
Liderada por Ventura Mina, escravizado africano de quem pouco se sabe, a Revolta de Carrancas terminou no mesmo dia, com a morte do líder em combate com as forças de repressão e com a prisão dos demais revoltosos. Dezessete amotinados foram condenados à forca, na maior aplicação da pena de morte na história de sua vigência no Brasil. Nem mesmo a célebre Revolta dos Malês, em Salvador (BA), em 1835, teve tantos sentenciados à pena máxima.
A elite escravista ficou de tal modo chocada com a rebelião mineira que fez aprovar, no parlamento imperial, legislação ainda mais severa contra qualquer pessoa escravizada que atentasse contra a vida de seus senhores e familiares. Surge assim a “lei nefanda”, de 1835. Diante de tamanha violência, e principalmente do cuidadoso silêncio que a própria aristocracia fundiária da época ergueu sobre a insurreição, Joaci Pereira Furtado empenhou-se na escrita desse breve mas contundente texto, na expectativa de romper tal silêncio e popularizar a reflexão sobre os inúmeros significados da Revolta de Carrancas – cujas motivações ainda ecoam na sociedade brasileira.
Revolta de Carrancas: o silêncio ao redor é prefaciado pelo babalorixá e antropólogo Rodney William Eugênio, tem texto de orelha assinado pelo sociólogo Ricardo Antunes (Unicamp) e é ilustrado por Francisco Silva Neto, mestrando em Filosofia pela USP. A edição é bilíngue, com versão integral em inglês de Bruno Bortone Campos.
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