Na trama, Herculano se vê dividido entre apoiar Velvet e cumprir suas obrigações profissionais, criando um embate interessante que não se resume a mocinhos e bandidos. A comédia musical explora os dois lados da história, questionando como conciliar o avanço urbanístico com a manutenção das raízes e do patrimônio cultural. A encenação de Neyde Veneziano se inspira nos numerosos canteiros de obras da cidade de São Paulo, estabelecendo uma analogia entre a rica memória do Teatro de Revista, simbolizada pelas exuberantes vedetes, e o gradual desaparecimento da arquitetura urbana, junto com suas histórias entrelaçadas.
Veneziano é reconhecida como uma das principais autoridades no estudo do Teatro de Revista, tendo escrito cinco livros sobre o assunto. Durante uma entrevista com Jô Soares, o apresentador fez questão de destacar que a diretora "introduziu o Teatro de Revista no ambiente acadêmico". Em 2024, após anos de estudo dedicados à figura da vedete, Veneziano faz uma afirmação provocativa em "Daqui Ninguém Me Tira": "A herdeira da vedete é a drag”.
A dramaturgia de "Daqui Ninguém Me Tira" é assinada por Noemi Marinho, conhecida por seu trabalho em sucessos de bilheteria como "Almanaque Brasil", "Fulaninha e Dona Coisa" e "Brasil S/A", tendo recebido reconhecimento através de prêmios como Shell, APETESP, APCA e Mambembe. Noemi desenvolve uma narrativa com diálogos ágeis, fundamentada no embate ideológico dos protagonistas.
O grande desafio da trama foi explorar a humanidade e os princípios que motivam cada personagem, sem recorrer à dicotomia entre bem e mal. Desde o início do espetáculo, o público é levado a uma jornada eletrizante, com canções e imagens, imergindo nas motivações dos personagens, algo cada vez mais raro em tempos de polarização. Empatia é uma palavra que parece simples, mas esbanja complexidade.
Sobre a dramaturgia de Noemi Marinho, no livro "O Teatro de Noemi Marinho", Márcia Abujamra destaca: "a percepção aguda que Noemi Marinho tem de seus personagens se reflete em um diálogo ágil que surpreende o leitor-espectador pelas conclusões que sugere e, se não quisermos ser deixados para trás, nos obriga a acompanhar e participar ativamente de cada momento. Assim são as peças e os personagens de Noemi Marinho: em constante movimento." (Imprensa Oficial, 2007).
Idealizado pelo ator e produtor Giovani Tozi, "Daqui Ninguém Me Tira representa" a união de duas figuras femininas de extrema relevância na história do teatro brasileiro: Noemi Marinho e Neyde Veneziano. Esta colaboração resulta em um diálogo rico e significativo sobre a sensibilidade à diversidade. Marinho e Veneziano abrem-se para a escuta ativa e a troca de ideias, mergulhando em reflexões extremamente atuais sobre como promover a inclusão e a consciência social em um contexto marcado pela crescente individualidade e solidão nas grandes metrópoles.
O espetáculo não apenas entretém, mas também busca provocar o espectador a refletir sobre questões essenciais da sociedade contemporânea, como a importância de valorizar e respeitar a diversidade em todas as suas formas. Tozi desenvolve sua pesquisa de doutorado sobre Jô Soares na Unicamp, através de uma pesquisa sobre o humor. Nela, o ator se aprofunda em teorias contemporâneas sobre a comicidade e de que forma os atores podem desenvolver e aperfeiçoar as formas de provocar o riso no público. Questionado sobre o porque dessa vontade em fazer o público rir, Tozi cita Jô Soares: “só o humor pode salvar o Brasil".
"Daqui Ninguém Me Tira" mergulha nas tensões geracionais e ideológicas, buscando inspiração no caos urbano para criar uma fusão entre marchinhas de carnaval e hits da música pop, refletindo os fragmentos de um passado já distante. A presença da banda ao vivo estabelece o ritmo de um bloco de carnaval fora de época, mas também anuncia o desfecho inevitável. Trágico e cômico "Daqui Ninguém Me Tira" é um ensaio sobre nossa capacidade (ou falta dela) de conviver com o outro, e a inabilidade de lidar com os conflitos que permeiam as relações humanas.
Sobre o texto de Noemi Marinho
Sobre as atualizações em relação à primeira versão do texto, Noemi diz: “Velvet agora, ainda que filha espiritual do glorioso Teatro de Revista, é sangue novo pulsando futuro. Tem brilho próprio, além do cosmético, naturalmente. E a empresa que Herculano representa está ainda mais voraz e audaciosa”.
De acordo com a autora, “o texto original dramatizava um pouco a audácia e a ganância das incorporadoras. A realidade, mais uma vez, superou a ficção: todos temos uma rua ou um bairro do coração que já está destruído ou ameaçado. A ficção agora só pontua”.
Ficha técnica
Espetáculo "Daqui Ninguém Me Tira". Texto: Noemi Marinho. Argumento: Giovani Tozi. Direção: Neyde Veneziano. Elenco: Alexia Twister e Giovani Tozi. Trilha Sonora: Rafael Passos. Piano: Rafael Passos; Sopro: Rafaela Penteado. Cenário e Figurino: Fábio Namatame. Iluminação: Domingos Quintiliano. Direção de Vídeo: Matheus Luz. Assistente de direção: Pedro Machitte. Administração Financeira: Carlos Gustavo Poggio. Produção Executiva: Felipe Calixto e Nayara Rocha. Assistência de Produção: Bruno Tozi. Assessoria de Imprensa – Arteplural – Fernanda Teixeira e Macida Joachim. Assessoria Jurídica: Martha Macruz de Sá. Direção de Arte Gráfica, Produção e Idealização: Giovani Tozi. Realização: Tozi Produções Artísticas, CG Educação e Arte.
Temporada Teatro Sabesp Frei Caneca
Até 28 de junho.Duração: 75 minutos.
Ingressos: R$ 80,00 e R$ 40,00 (meia-entrada) e R$ 60,00 e R$ 30,00 (meia-entrada)
Classificação: 12 anos. Menores de 14 anos, somente poderão entrar acompanhados dos pais ou responsáveis e crianças até 24 meses de idade que ficarem no colo dos pais, não pagam.
Turnê:
8 de junho - Teatro Municipal São Bernardo do Campo
22 e 23 de junho - Daqui Ninguém Me Tira - Teatro Municipal São José do Rio Preto
24 de agosto - Teatro Municipal Sorocaba
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