quinta-feira, 16 de maio de 2024

.: Tércia Montenegro: "Cada personagem se aproxima e se distancia de seu autor"


"Cada personagem se aproxima e se distancia de seu autor", afirma Tércia Montenegro em entrevista para o Resenhando.com. Foto: Igor de Melo. Por Helder Moraes Miranda, editor do portal Resenhando.com. 


Fotógrafa e professora da Universidade Federal do Ceará, Tércia Montenegro é um sopro de frescor na literatura brasileira. Autora de "Turismo para Cegos" "Em Plena Luz", ela acaba de lançar pela Companhia das Letras o romance "Um Prego no Espelho", , que conta a história de uma mulher que leva uma vida normal até que tem sua trajetória abalada quando pensa ver, em uma ação rotineira, o rosto do irmão falecido. Nascida em 1976, em Fortaleza, ela publicou vários livros de contos e crônicas, além de obras voltadas para o público infantil e juvenil. Nesta entrevista exclusiva, ela fala sobre literatura, processo de criação e identidade. Compre o livro "Um Prego no Espelho", de Tércia Montenegro, neste link.


Resenhando.com - O que você quis dizer com o título de seu livro?
Tércia Montenegro -
Um prego no espelho traz, desde o título, uma discussão sobre identidade. Dentro de uma narrativa familiar, como é o caso, cada pessoa se constitui com semelhanças que são reflexos de seus ancestrais.


O que é "um prego no espelho"?
Tércia Montenegro - 
O prego é esse elemento que surge como algo fixo, mas que despedaça, promove fragmentações e desvios também. Em outras palavras, a imagem do sujeito não é algo uniforme, mas sempre múltipla, no jogo de ramificações familiares.

Resenhando.com - Você acredita que os nossos antepassados têm influência na maneira que levamos a vida?
Tércia Montenegro - 
Neste livro, existe a premissa de que a vida de uma pessoa pode ser uma espécie de repetição do destino de seus antepassados, tudo de uma maneira inconsciente, é claro. "Um Prego no Espelho" trata exatamente dessa ideia de uma fissura na identidade, algo que corrompe a individualidade, cria um rasgo no sujeito. A protagonista, Thalia, decide se tornar atriz para viver várias vidas, sem saber que sua escolha acontece justamente por causa da morte de um irmão, ocorrida muito tempo atrás.

Resenhando.com - O que mais a aproxima e o que mais a diferencia de Thalia, a protagonista de seu livro?
Tércia Montenegro - 
Cada personagem se aproxima e se distancia de seu autor.  Embora Thalia seja a protagonista, ela não é a única figura importante. Claro que há pontos de semelhança entre nós, como o magistério e a incursão pelas artes, mas eu fui me surpreendendo muito enquanto escrevia Um prego no espelho. Surgiram algumas conexões, relações entre os personagens, que eu não tinha previsto inicialmente. No fundo, creio que eles se tornaram realmente uma família, e nesse aspecto chegaram a desenvolver um entendimento, uma espécie de pacto interno que eu não chegava a acessar. Em certos momentos, tive a sensação de ser uma espectadora, alguém que não podia interferir nos destinos que se desenrolavam ali, no papel. É uma experiência mágica, quando um livro ganha o próprio rumo. Talvez nesse sentido fique reforçada a ideia de que uma obra literária é quase um filho: nasce de uma pessoa, mas tem uma identidade diversa e imprevisível.

Resenhando.com - As protagonistas de seus livros sempre estão atreladas à alguma arte. Teatro, escultura, artes plásticas. Por quê?
Tércia Montenegro - 
Tenho muitas personagens ligadas às artes, porque este é um assunto que me interessa o tempo inteiro; estou sempre atenta às construções estéticas em várias linguagens. A arte me comove, fascina, inquieta; não saberia dizer sobre a importância dela para as pessoas em geral, porque só posso falar sobre mim, mas do meu ponto de vista a arte é um fator de encanto indispensável na vida.


Resenhando.com - Se pudesse relacionar seus livros a sentidos humanos, quais seriam os de "Um Prego no Espelho", "Turismo para Cegos" e "Em Plena luz"?
Tércia Montenegro - 
"Um Prego no Espelho" traz a visualidade pela cena teatral, já que a personagem Thalia é atriz. "Turismo para Cegos", a partir de uma história sobre uma artista plástica que sofre de retinose pigmentar, também é um livro que experiência o visual, assim como o táctil. "Em Plena Luz", livro sobre uma fotógrafa, mais uma vez reflete sobre as imagens. Essa é uma constante na minha literatura: penso e escrevo através das imagens; para mim, a literatura é uma arte visual.

Resenhando.com - Você se sente mais confortável como cronista, contista ou romancista? 
Tércia Montenegro - 
Cada gênero textual tem o seu apelo, dependendo do momento. Narrativas longas são propícias para momentos de retiro, quando o autor pode conviver demoradamente com seus personagens, vê-los nascer e se desenvolver. Contos já são como situações instantâneas, deflagradas  por uma ideia repentina, uma "inspiração". E crônicas são reflexões, assim como os ensaios; são maneiras de se debruçar sobre um comportamento ou um fato instigante, usando um estilo mais prosaico.

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