domingo, 11 de fevereiro de 2024

.: Espetáculo "Chroma Key" reflete sobre a masculinidade em temporada gratuita


Com texto de Angela Ribeiro, direção de Eliana Monteiro e atuação de Rafael De Bona e Ricardo Henrique, peça coloca a virilidade narcísica do masculino em xeque. Foto: Mayra Azzi.


Um homem em confronto consigo mesmo: esse é o mote do espetáculo “Chroma Key”, que reestreia em São Paulo. A peça, que cumpriu uma bem-sucedida temporada no Sesc Avenida Paulista em 2022, faz apresentações gratuitas entre os dias 16 de fevereiro e 24 de março no Espaço Mezanino do Centro Cultural Fiesp (Sesi-SP). As sessões acontecem de quinta a sábado, às 20h30, e, aos domingos, às 19h30. É possível reservar os ingressos on-line a cada segunda-feira, a partir das 8h.

Na trama, os atores Rafael De Bona e Ricardo Henrique dão vida a uma figura em uma profunda crise existencial. Como em um circuito incansável, ele reflete sobre pilares sociais, trabalho, dinheiro, família e o modo como atua no mundo, problematizando a representação de sua masculinidade. “Trata-se de um homem que está perdido, pois sempre teve status e ocupou lugares de poder. Ele é narcisista e, agora, precisa fugir dessas projeções de si próprio para conseguir enxergar o outro, reconhecer a diversidade e entender qual é o espaço que precisa ocupar neste momento”, explica Rafael De Bona.


Sobre o texto
Em 2018, quando iniciaram-se as pesquisas para o espetáculo, o ponto de partida foi a depressão originada da sociedade do trabalho e da produção. Para a diretora Eliana Monteiro, a metáfora que resume esse sentimento é a de um boi com os olhos totalmente tapados por um antolho - acessório que limita a visão dos animais de montaria, forçando-os a olhar apenas para frente e evitando que se distraiam e saiam do rumo, andando em círculos para se alimentar enquanto seu movimento é responsável por fazer um moinho funcionar, moendo cana ou mandioca.

Nesse contexto, obras como “O Demônio do Meio-Dia - Uma Anatomia da Depressão”, de Andrew Solomon, e “Sociedade do Cansaço”, de Byung Chul-Han, foram fundamentais no processo criativo da dramaturga Angela Ribeiro. “Durante as minhas pesquisas, me surpreendi com dados sobre o alto número de homens com depressão que não buscam ajuda por medo do julgamento social. Isso também acontece porque eles são criados desde criança para serem heróis e não demonstrar fragilidade”, conta Angela.

Diante deste cenário, a dramaturga quis gerar um espaço de reflexão com o espetáculo “Chroma Key”. “A ideia do trabalho não é trazer respostas, e sim estimular as pessoas a repensarem a sociedade e suas ideias em torno do “masculino”. Por exemplo, como podemos colaborar para não criar esses homens? Da mesma forma, os homens precisam perceber que estão em um lugar de privilégio e que cabe a eles, também, renunciar a isso para garantir um mundo mais igualitário”, completa.

Esses homens fazem parte da engrenagem de um sistema que asfixia o sujeito. A todo o momento as pessoas são bombardeadas por informações, sem tempo suficiente para ressignificá-las, problematizá-las e até digeri-las. Trata-se de uma violência invisível que exaure e gera uma sociedade na qual corremos contra o tempo e não sabemos para onde.

Segundo Eliana Monteiro, com o resultado das eleições de 2018, essa força masculina truculenta ganhou ainda mais projeção. “Os políticos/gigolôs arquitetaram o golpe contra a democracia, mas apertavam a corda apenas o suficiente para manter todos acordados. Ficamos expostas ao cheiro fétido exalado pelo patriarcado, ao seu jugo nocivo, produtor da morte. Homens com seus reservatórios cheios de violência, opressão e horror à diversidade estavam autorizados pelos poderes constituídos a eliminar ou subjugar o não reconhecido”, argumenta. Assim, “Chroma Key” ganhou mais complexidade: passou a falar tanto da depressão do sujeito contemporâneo quanto do horror do retrocesso.


Sobre a encenação
Na nova temporada, de acordo com a encenadora, a peça ganhou contornos ainda mais radicais. Isso porque o espaço destinado ao espetáculo no Mezanino do Centro Cultural Fiesp é bem mais estreito do que no Sesc Avenida Paulista, criando uma enorme contradição. “Na primeira versão, estávamos todos confinados e o espaço do confinamento na peça era muito maior, fazendo alusão ao tamanho ocupado pelo masculino naquele momento. No espaço atual, ele está submetido a um cubículo, o confinamento é maior, o embate entre as projeções que o homem tem de si e o círculo fechando sobre si, será o desafio dessa empreitada”, explica.

Em 2024, o Brasil vive um momento mais otimista. “O coronavírus já não é uma ameaça, pois as vacinas sempre atualizadas nos garantem alguma proteção. Ao mesmo tempo, tivemos novas eleições, a troca de presidente, os movimentos sociais ganhando força, as chamadas minorias reivindicando seus direitos. Mesmo assim, tenho a sensação de que estamos vivendo uma falsa liberdade. Esse véu que cobria o patriarcado foi retirado e ele está exposto. Suas garras deixaram marcas profundas e ainda sinto o ar passando com dificuldade pela garganta estrangulada pela força a qual fora submetida. A pergunta que me faço é: esse homem branco, ao perceber vozes dissonantes, estaria se sentindo sufocado?”, acrescenta.

Para Ricardo Henrique, olhar para a própria trajetória masculina foi desafiador. “Pensar no quanto ainda reproduzimos o machismo nas nossas relações e no trabalho não foi fácil. Este homem que estamos retratando é extremamente nocivo e facilmente reconhecível pela plateia: ele tem ódio das mulheres e não consegue aceitá-las em cargos superiores, por exemplo. Da mesma forma, ele não sabe lidar com o abandono e vive competindo com seus pares”, afirma.

Rafael De Bona vai além. “É evidente que é uma personagem que reflete uma masculinidade específica. Existem muitas masculinidades, não só essa. Mas essa é a que está no centro da problemática dos nossos tempos. Nosso desafio foi nos colocarmos juntos em questão com isso, sem ignorar quem somos e sem sair ilesos enquanto intérpretes”, diz.

Visualmente falando, a encenação propõe uma instalação cenográfica imersiva, investindo na multiplicidade de linguagens artísticas para a criação de uma experiência ativa com o público, borrando as fronteiras das linguagens do teatro, do audiovisual e das artes visuais. Assim, os atores se relacionam com projeções em vídeo criadas por Bianca Turner em um cenário assinado por Rafael Bicudo. A iluminação de Guilherme Bonfanti e a trilha sonora de Érico Theobaldo intensificam a sensação de opressão da personagem. O figurino é de Marichilene Artisevskis e a produção da Corpo Rastreado.

Sinopse
Um homem cindido está em constante embate consigo mesmo. Como num circuito incansável, ele articula questões sobre pilares sociais, trabalho, dinheiro, família e o modo como atua no mundo, colocando em xeque a representação de sua masculinidade.


Ficha técnica
Espetáculo "Chroma Key". Concepção e direção artística: Eliana Monteiro. Dramaturgia: Angela Ribeiro. Elenco: Rafael De Bona e Ricardo Henrique. Assistência de direção: Rafael Bicudo. Dramaturgismo: Bruna Menezes. Desenho de luz: Guilherme Bonfanti. Trilha sonora: Érico Theobaldo. Cenografia: Rafael Bicudo. Cenotécnico: Wanderley Wagner. Concepção de vídeo projeção: Bianca Turner. Figurino: Marichilene Artisevskis. Envelhecista: Foquinha Cris. Direção de movimento: Fabricio Licursi. Orientação de atuação: Luciana Canton. Operação de vídeo: Bianca Turner. Operação de sonoplastia: Igor Souza. Operação de iluminação: Mauricio Matos. Assistência de produção: Leonardo Monteiro. Produção: Corpo Rastreado / Lucas Cardoso. Idealização: Rafael De Bona e Ricardo Henrique.

Serviço
Espetáculo "Chroma Key". Temporada: de 16 de fevereiro a 24 de março de 2024, às quintas, sextas e sábados às 20h30, e, aos domingos, às 19h30. Local: Espaço Mezanino do Centro Cultural Fiesp (Sesi-SP). Endereço: Avenida Paulista, 1313 - Jardins / São Paulo. Ingressos: os ingressos gratuitos são liberados a cada segunda-feira, a partir das 8h. Podem ser reservados no site www.sesisp.org.br/eventos. Classificação etária: 16 anos. Duração: 70 minutos. Lotação: 50 lugares.

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