domingo, 18 de fevereiro de 2024

.: "Contra Fogo", de Pablo Casella, um romance profundo sobre crise climática


Lançado pela editora Todavia, o livro "Contra Fogo" marca a estreia do analista ambiental Pablo Casella. Com uma linguagem marcada pela oralidade, é um romance profundo sobre o tema urgente da crise climática, com uma prosa bela e original. E de tão natural e cheio de cores locais, parece ter brotado direto do chão da Chapada Diamantina. A capa é assinada por Elisa v. Randow. 

“Fica esperto, contra o fogo não pode ter afobação”, aconselha Deja, o “frente” de um grupo de brigadistas voluntários, para um adolescente em seu primeiro combate contra o dragão, como alguns chamam os incêndios de grandes proporções — muitos causados por ações criminosas — que devoram a fauna, a flora e os rios da Chapada Diamantina, na Bahia.

O grupo liderado por Deja é formado por gente como ele — moradores da região que arriscam a própria vida para deter o avanço descontrolado das chamas. Antes mesmo que as instâncias governamentais adotassem as políticas públicas necessárias, esses brigadistas se lançam a apartar a briga do fogo contra a terra com técnicas criadas instintivamente e sem equipamentos adequados. Sobretudo nos tempos de seca, se enfiam nas matas por dias e dias, sem descanso.

Cunga, Zia, Trote, Jotão, Adobim, Firóso e Abner, mais o cachorro Mutuca, são alguns dos voluntários chefiados por Deja. Cada qual expande ao seu modo esse universo peculiar, mas é a visão do líder, narrador em primeira pessoa, que torna tudo complexo e vivo. Sua linguagem, concisa e marcada pela oralidade, reflete o homem que é: brusco, simples, mas muito sensível à vastidão e aos detalhes de seu mundo — um mundo em que a palavra falada é soberana.

Embrenhado nas serras por longos períodos, Deja padece a aflição de equilibrar sua meta desmedida de combater incêndios com os compromissos cotidianos e familiares, buscando na natureza a mediação entre a realidade prática e uma metafísica de certos fantasmas do passado que só tomam forma na dança das labaredas. Compre o livro "Contra Fogo", de Pablo Casella, neste link.


O que disseram sobre o livro
“Há décadas brigadistas voluntários combatem incêndios na Chapada Diamantina e em outras regiões brasileiras, mas seu empenho continuado é pouco conhecido, mesmo em tempos de emergência climática. Construído com linguajar local perfeitamente calibrado e um profundo conhecimento do tema e do cenário, o romance 'Contra Fogo' mobiliza todos os poderes da prosa de ficção para nos engolfar nesse universo. A narrativa destrói e fecunda, repele e atrai, como o dragão de fogo que insiste em pousar nas serras inóspitas. No centro estão vidas comuns em sua instável busca de afeto e sentido, cativantes e sombrias na mesma medida, ardendo em continuidade com o ambiente em que vivem. Pablo Casella é um talento que estreia na literatura nacional como um ‘vento parido pelo sol’, para usar uma imagem retirada deste livro notável.” – Daniel Galera, escritor.

Sobre o autor
Pablo L. C. Casella nasceu em Guaratinguetá, em São Paulo, em 1978. Formado pela USP - Universidade de São Paulo, atua como analista ambiental no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio, onde, de 2002 a 2022, fez parte da equipe gestora do Parque Nacional da Chapada Diamantina, na Bahia. "Contra Fogo" é o romance de estreia. Garanta o seu exemplar de "Contra Fogo", escrito por Pablo Casella, neste link.


Trecho do livro
Percebi quando Bel afastou a canga que fechava o vão de entrada do quarto, mó dum vento maneiro que triscou minhas costa. Pela demora dos passo, imaginei que tivesse parada me espiando de longe. Mais certo que pensava na nossa conversa de antes.

Dormiu? — pricurei sem precisão, já sabia a resposta.

Principiou uma caminhada de pisada leve, rumando pro meu lado. A cabeça balangava devagar, mesmo que respondendo: “Sim, que bobagem perguntar”. Não entendi aquela marcha dengosa. Mais cedo naquele dia a gente teve um trupelo brabo. Continuei ajeitando minhas roupa na cadeira. As mãos dela seguraram meus ombro e com os dedão ela dava uns apertos na carne da pá. Isso costumava ser o sinal dela pra apaziguar as peleja de casal.

Desceu as mão como se cada dedo fosse a perna dum bichinho caminhando pesado, fundando os pé na minha pele até triscar no vazio do lombo. Torceu meu tronco e me deixou de frente pr’ela. Pelo jeito das venta não era briga. Segurei a cintura dela.

A ponta de uma bota empurrou o calcanhar da outra e o pé ficou nu.

Não tava brava?

Fico, depois. — Ela se achegou pra perto do meu peito. A perna dela contornou a minha e com o dedão do pé ela empurrou minha outra bota pro chão.

Rumei minha mão por dentro da bata, os dedo grosso lixaram a pele das costa dela até os cabelo do cangote. Uns carocinho de arrupio brotaram no braço dela junto com os ombro que arribaram encolhendo o pescoço. Ela dobrou a cabeça pra baixo e deu uma risada com o nariz quando reparou na corda que amarrava minha calça.

— Esse nó vai dar trabalho — ela brincou.

Com a outra mão tirei minha faca da bainha e ofereci, brincando de volta. As boca ainda riam quando a gente se beijou, um puxava o outro até as barriga se amassar, a bata dela se embolava já passando dos peito até que uma zuada de motor a diesel parou na frente de casa.

— ‘Umbora, Deja! — Jotão gritou da rua.

Não duvidei o que significava aquilo. Pela careta, Bel torceu pra não ser o que ela sabia que era. Puxei a mão de dentro da bata e dei um passo de lado pra rumar até a porta, mas a mão aberta e firme de Bel, virada pra minha cara, lembrou que eu tava em dívida e achei melhor concordar. Naquela manhã ela tinha pirado comigo porque eu cancelei uma guiada pra representar a brigada numa reunião importante.

No caminho pra porta ela ajeitou a bata, os cabelo e a raiva. Dava pra ouvir outras voz gritando e batendo as mão na lataria do carro, do jeito mesmo que os guerreiro faz quando farejam fumaça de incêndio.

— Já falei pra não fumar aqui dentro, xibungo! — Conheci Abner pela voz, fingindo que tava bravo.

— Virge Santa, peraí... — Pela fala mansa, era Cunga tragando com saudade o final do último baseado.

— Tá rolando. Vamo! — insistiu uma voz avexada, qu’eu não identifiquei de quem era.

Pelo abrir da porta deu pra sentir a brutice de Bel.

— Tem criança dormindo, porra! — Ela sussurrou um grito. Chega imaginei as mão dela, nervosa, agitando no ar, mandando falar baixo. — E aí, Jotão, tu tá bem? — cumprimentou nosso compadre, com a voz mais calma. A amizade com Jotão não deixava ela ralhar com ele.

Depois é aquela marofa — Abner ainda dava bronca, talvez em Cunga, que devia mesmo tá fumando no carro. — Boa noite, Bel. Foi mal a zuada!

Cadê Anori, Bel? — Jotão pricurou pelo afilhado.

Se vocês não acordaram ele... tá dormindo.

— É foda, a galera não respeita. — Ouvi a zuada da porta do carro abrindo e a voz de Jotão foi aumentando. — Pessoal, fica quieto aí, vai — trovejou com o vozerão corpulento que nem ele. — E Deja, Bel?

— Tá não, Jotão.

Fiquei confuso. Ou indignado. Bel tava mesmo mentindo assim, na caradura? Mentiu pro amigo, prum compadre, tangida no medo d’eu perder o trabalho que já tava agendado pra manhã seguinte?

— Teve que resolver um negócio na casa de Betânia — ela reforçou a mentira, colocando minha irmã no meio!

Fazia uns dia que eu não pegava um serviço e, nas conta dela, umas semanas que a despensa da casa era abastecida só pelo bisaque dela. No quarto, fiquei de pé, agoniado, feito galinha dos pé queimado andando dum lado pro outro. Não tava certo ficar escondido ali. E depois da mentira de Bel, também não era boa ideia aparecer. ideia aparecer.

De cima da caminhonete um dos brigadista deve ter me enxergado através do vidro da janela do quarto, mó de que ele gritou: “Olha lá”, e em seguida veio a gritaria e o meu vexame. Rumei a gandola por riba do ombro, saí descalço mesmo com os coturno na mão. Bel soltou um bufo raivoso quando percebeu que eu tinha chegado perto da porta e esticou os braço pro chão, um sestro que ela costumava fazer nas vez que ficava contrariada.

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