A revista serrote #45 publica ensaio inédito do escritor Silviano Santiago sobre Machado de Assis, artigo da antropóloga Aparecida Vilaça sobre rio que ganhou status de cidadão e textos dos vencedores do Concurso de Ensaísmo serrote. A nova edição da revista de ensaios do IMS já está disponível nas livrarias, com textos que refletem sobre raça, gênero, literatura e o atualíssimo submundo da internet.
Vencedor em 2022 do prêmio Camões, Silviano Santiago já tomara o escritor como tema em outro livro, "Machado" (2016), romance audacioso em que recria as últimas e dolorosas passagens da vida de Machado de Assis. No ensaio publicado agora, aos 87 anos, aborda tema ainda mais original: em "Confisco do Cadáver de Machado de Assis pelos Monarquistas", faz uma leitura da certidão de óbito do autor, a partir da análise da morte e dos conceitos de autópsia e necropsia nos livros "Dom Casmurro" e "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
A publicação traz também os textos dos três autores premiados na edição deste ano do concurso de ensaísmo serrote. Primeira colocada, a tradutora, crítica literária e professora paulistana Fernanda Silva e Sousa (1993) assina o ensaio “Dos Pés Escuros que São Amados”, em que reconstitui a experiência de vítimas do racismo ao fio de três séculos num texto em que Ruth Middleton, uma mulher escravizada nos EUA do século 19, dialoga com Carolina Maria de Jesus e a poeta Lívia Natália. "Às vezes, é só reclamando o passado que um gesto pode ganhar um sentido além do que o presente aterrador anuncia", escreve.
Segundo lugar no concurso, a repórter e ensaísta paulista Thaís Regina (1996) articula jornalismo de alta qualidade e ensaio pessoal ao rever, em “Severinos, o Brasil É Uma Guerra Nossa”, a trajetória do avô, presidiário por mais de duas décadas, que encarna o destino de toda uma população negra subjugada por um Estado racista em sua essência.
Artista transdisciplinar e crítica de arte, a baiana Padmateo (1999) conquistou o terceiro lugar com o ensaio “Pepper’s Ghost”. Nele, ela convoca Monga, a mulher gorila, Kafka e Paul Preciado para discutir as imagens possíveis de pessoas em transição, numa análise original sobre o corpo não binário e seu complexo diálogo com a sociedade.
A revista publica ainda um texto da antropóloga e professora do Museu Nacional da UFRJ Aparecida Vilaça sobre o status de cidadão concedido ao rio Lage, em junho de 2023, por iniciativa do vereador indígena Francisco OroWaram, do povo Wari'. Aparecida relata sua visita ao local, conversa com OroWaram e discorre sobre a iniciativa inédita no país, que reconhece o rio como um ente vivo e sujeito de direitos.
Esta edição também traz um importante texto da escritora e antropóloga norte-americana Zora Neale Hurston (1891-1960), uma das principais figuras do movimento de artistas e intelectuais negros conhecido como Renascença do Harlem. "O que os Editores Brancos não Publicam" foi difundido originalmente em 1950, na revista "Negro Digest". Nele, a autora trata de um tema que continua atual, ao reivindicar um lugar no seu país à literatura negra para além dos propósitos raciais.
A reflexão sobre a presença negra aparece em outro texto desta edição, de autoria do cineasta, produtor cultural e pesquisador Márcio Brito Neto (1987). Ele parte de um relato autobiográfico para propor um novo olhar negro sobre o cinema, com o regate de princípios filosóficos usurpados pela colonialidade e pela branquitude.
Uma das mais ativas intelectuais feministas britânicas, Jacqueline Rose (1949), codiretora do Birkbeck Institute for Humanities, na London University, participa da serrote #45 com um texto em que analisa como a filósofa francesa Simone Weil (1909-1943) se debateu até o fim da vida com a questão de como se manter a serviço de um mundo mais igualitário. O ensaio integra o livro The Plague: Living Death in Our Times, lançado em 2023 e ainda inédito no Brasil.
Outro destaque é o ensaio "A Machosfera contra as Balzacas", do jornalista e mestre em literatura, cultura e contemporaneidade pela PUC Rio Victor Calcagno (1994). O autor parte da noção de balzaquiana, popularizada no Brasil com o romance "A Mulher de 30 Anos", de Honoré de Balzac, para refletir sobre como a mulher nessa faixa etária catalisa o ódio e a misoginia dos homens no submundo da internet.
Ainda nesta edição, o escritor e cineasta argentino Edgardo Cozarinsky escreve sobre um tema universal aos grupamentos sociais: a fofoca. Ele recorre a Marcel Proust e Henry James (escritores em cujas práticas romanescas, diz, "a fofoca ocupa um lugar privilegiado"), além de outros autores, para afirmar que, na forma como circula e se modifica, a fofoca reproduz o movimento geral da história e do conhecimento humano.
Artista visual que trabalha no cruzamento entre fotografia, cinema e escrita, a canadense radicada nos EUA Moyra Davey (1958) participa da revista com imagens publicadas originalmente no livro de artista "Burn the Diaries" (2014). A elas, soma-se um texto que integra a coletânea de ensaios Index Cards (2020), inédita no Brasil.
A serrote #45 publica ainda um ensaio visual da artista Wanda Pimentel (1943-2019). Nos desenhos da série Do caminho ao elo sobre-humano (1966-1967), a artista constrói uma intimidade com o leitor-visitante a partir de seu característico vocabulário visual, em que põe em evidência partes do corpo humano e objetos do cotidiano. Também presentes nesta edição, trabalhos dos artistas Sônia Gomes, Edu Silva, Laura Anderson Barbata, Thomas Hirschhorn, Cynthia Gyuru, Aislan Pankararu (autor das obras que ilustram a capa e a contracapa) e Guga Szabzon.
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