quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

.: Espetáculo "Gabri[ELAS]", baseado nas inquietações de Gabriela Leite, estreia


Espetáculo com texto de Caroline Margoni marca encontro entre atriz Fernanda Viacava com a obra e a vida da ativista e prostituta Gabriela Leite. Foto: Cassandra Mello


A identificação e as inquietações de uma atriz com a figura de Gabriela Leite (1951-2013), a primeira mulher a lutar pelos direitos das prostitutas no Brasil, é mote do solo "Gabri[ELAS]", que estreia em 12 de janeiro de 2024 no Sesc Avenida Paulista. O espetáculo segue em cartaz até 4 de fevereiro, com apresentações às sextas e aos sábados, às 20h30, e, aos domingos, às 18h30.

O trabalho, estrelado por Fernanda Viacava, dirigido por Malú Bazán e escrito por Caroline Margoni, registra e reativa a memória de Gabriela Leite, ultrapassando a barreira das ruas e do estigma, ao falar sobre prostituição na perspectiva do desejo e da liberdade sexual de todas as mulheres. “O feminismo abordado por prostitutas é recente e pouco visível. A prostituta sempre foi, e ainda é, objeto de representação nas artes, geralmente de um ponto de vista estereotipado, vitimizador ou romantizado. Neste sentido, por que não tornar visível e compartilhar esse legado de mais três décadas de luta, a partir de suas próprias vozes e narrativas?”, questiona a diretora Malú Bazán. 

O ponto de partida do texto é a memória viva de Gabriela Leite e o protagonismo da história das mulheres da vida no Brasil e na América Latina. “Tornar visível ao público esse arquivo vivo é uma maneira de levar, sobretudo para/com as mulheres, um encontro consigo mesmas, valorizando a importância de seus desejos, narrativas e lutas, como autoras e protagonistas de suas próprias histórias”, acrescenta a encenadora.

Quem foi Gabriela Leite?
Nascida em 1951, em São Paulo, Gabriela Leite se tornou a principal referência na luta em defesa dos direitos das prostitutas no Brasil. Estudante da USP e frequentadora do Bar Redondo com a turma da contracultura nos anos 70, ela trocou a faculdade de sociologia pela prostituição - primeiro em sua cidade, depois em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. 

Gabriela foi a primeira mulher a se apresentar publicamente como prostituta. Isso aconteceu no I Encontro de Mulheres de Favelas e Periferia, organizado em 1983 pela vereadora Benedita da Silva, do PT. “Foi um rebu! Uma prostituta que se diz prostituta! Aí começou toda uma onda”, disse a ativista na autobiografia "Filha, Mãe, Avó e Puta", lançada pela editora Objetiva.

Alguns anos depois, ela conhece Lourdes Barreto nos encontros da Pastoral da Mulher Marginalizada e, juntas, inauguram a Rede Brasileira de Prostitutas (o primeiro movimento em rede da categoria, que contava com representantes de todas as regiões do Brasil). O grupo teve como marco o I Encontro Nacional de Prostitutas: “Mulher da Vida, É Preciso Falar", realizado no Rio de Janeiro, em 1987. A ativista ainda fundou em 1992 a ONG Davida e, em 2005, criou a grife Daspu, uma passarela de luta de mulheres LGBTQI+.

Ela ainda foi a primeira mulher na América Latina a iniciar o trabalho de organização da categoria, a partir da desconstrução de representações socialmente aceitas sobre a prostituição, dando-lhe novos sentidos ao estigma que atravessa todas as mulheres, e buscando o seu reconhecimento como trabalho. Gabriela morreu em 2013, vítima de câncer.


Um pouquinho sobre o processo criativo
O espetáculo começou a ser gestado em 2019 por quatro mulheres artistas-ativistas: Fernanda Viacava, atriz que vem pesquisando a puta no teatro desde 2014; Malú Bazán, diretora de teatro e artista que pesquisa o feminino; Elaine Bortolanza, pesquisadora e ativista do movimento de prostitutas e diretora e produtora da DASPU de 2013 a 2022; e Caroline Margoni, roteirista e pesquisadora que atua nas áreas de psicanálise, mulheres e criminologia. 

A pesquisa contou com apoio do acervo histórico sob a guarda do Arquivo Estadual do Rio de Janeiro (APERJ), em parceria com Observatório da Prostituição - projeto de pesquisa e extensão do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR-UFRJ), sob coordenação de Soraya Silveira Simões. 

O grupo teve acesso a arquivos audiovisuais dos encontros nacionais e estaduais, fotografias, áudios e as autobiografias de Gabriela. Além disso, encontrou-se com amigos, afetos, familiares de Gabriela e as companheiras que fizeram parte da sua trajetória de vida e de luta. “Nós, mulheres da vida, tecemos juntas esse monólogo como um mosaico de narrativas e escritas de mulheres, construído nesse processo de pesquisa e curadoria do acervo histórico. Criamos uma espécie de crochê de narrativas – Gabriela amava essa arte e dedicava muito de seu tempo ‘crochetando’”, revela a autora Caroline Margoni.

Entre as pessoas que contribuíram para o processo de pesquisa dramatúrgica, estão: Flávio Lenz, parceiro de vida com quem Gabriela se relacionou por mais de 20 anos e com quem fundou a ONG Davida e o Jornal Beijo da Rua; Maurício  Toledo, amigo mais antigo dela e companheiro da ONG Davida; Thaís Helena Leite, e Regina Leite, irmãs da ativista; Alessandra Leite, filha dela; Tatiany Leite, neta de Gabriela, com quem ela tinha uma relação muito próxima; Lourdes Barreto, amiga e a maior companheira de luta, fundadora do Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará - GEMPAC (1990); Vânia Rezende, prostituta e ativista da região Nordeste, coordenadora da Associação Profissionais do Sexo de Pernambuco - APPS, parceira de luta da RBP;  Soraya Simões, professora do IPPUR/UFRJ e coordenadora do Observatório da Prostituição; e Laura Murray, professora do Núcleo de Políticas Públicas e Direitos Humanos na UFRJ e Diretora do filme Um Beijo para Gabriela.

“Este projeto abrange o universo da prostituição na sua complexidade, de modo a refletir sobre desafios colocados na sociedade a partir do estigma da ‘puta’, valorizando a memória e a luta coletiva dessas mulheres, seus feminismos, a organização dos movimentos de prostitutas. Ainda queremos celebrar as conquistas e o legado deixado por Gabriela Leite, os afetos vivos e as subjetividades e narrativas dessas mulheres, que reverberam em nossas próprias narrativas como criadoras”, acrescenta a atriz Fernanda Viacava.

“Depois desse período longo de pesquisa e conversas, se juntaram a nós mais muitas outras mulheres artistas. Mesmo se tratando de um monólogo, hoje somos 14 mulheres, entre criadoras e executoras desse trabalho, construindo essa narrativa e todas nós estamos em cena de alguma maneira”, ressalta a diretora Malú Bazán.


Sinopse
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Gabri[ELAS]" é um monólogo que parte do encontro da atriz Fernanda Viacava com a vida e a obra de Gabriela Leite, principal referência na luta em defesa dos direitos das prostitutas no Brasil. A atriz narra em primeira pessoa o encontro com Gabriela se reconhecendo com 'elas', as mulheres da vida, a partir das suas inquietações como mulher e como atriz. Uma busca que parte do corpo da prostituta e transborda para o corpo de qualquer mulher que deseja.

Ficha técnica
Espetáculo "Gabri[ELAS]". Concepção e Idealização: Caroline Margoni, Elaine Bortolanza, Fernanda Viacava e Malú Bazán. Dramaturgia: Caroline Margoni.  Direção: Malú Bazán. Elenco: Fernanda Viacava. Direção vocal interpretativa: Lúcia Gayotto. Pesquisa e curadoria: Elaine Bortolanza. Memória e curadoria: Lourdes Barreto. Direção de arte: Kabila Aruanda. Trilha sonora: Nina Blauth  e Girlei Miranda. Música original: Nina Blauth. Criação audiovisual: Cassandra Mello (Teia Documenta). Iluminação: Cristina Souto. Identidade visual: Manuela Afonso. Foto: Cassandra Mello. Produção executiva: Baccan Produções, Kavaná Produções e Selene Marinho. Produção geral: Clotilde Produções Artísticas. Administração da temporada: André Roman. Realização: Sesc.

Serviço
Espetáculo "Gabri[ELAS]". Temporada: 12 de janeiro a 4 de fevereiro (com sessão extra no dia 25 de janeiro). Às sextas e aos sábados, às 20h30; e aos domingos, às 18h30. Sesc Avenida Paulista – Av. Paulista, 119, Bela Vista. Ingressos: R$ 40 (inteira), R$ 20 (meia-entrada) e R$ 12  (credencial plena). Venda on-line em sescsp.org.br. Duração: 75 minutos. Classificação indicativa: 16 anos. Acessibilidade: teatro acessível a cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida.

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