Com direção de Marcos de Andrade, novo trabalho do coletivo faz temporada na Casa Livre, em São Paulo, entre 11 de novembro e 17 de dezembro. Foto: Caio Oviedo
Na trama do espetáculo, a história milenar é apresentada ao público em paralelo à descrição de uma tragédia que não deixou sobreviventes ocorrida em uma comunidade não tão distante de nós. “Nos dois casos, a morte deixa de ocupar a esfera particular e se torna um evento público, às vezes morbidamente banalizado em praça pública, como vimos aqui no Brasil nos últimos anos. As terríveis e ambíguas relações entre poder e morte são uma condição perene da humanidade”, comenta o diretor Marcos de Andrade.
A peça evoca um ritual de luto para superar um trauma coletivo, além de um chamado por justiça. Dessa forma, os personagens/atores vagueiam pelo espaço imaginário de um território destruído, transitando entre a vida e a morte e dando pistas de um cotidiano que outrora existiu. O grupo segue, como marca herdada do CPT de Antunes Filho, onde os integrantes do coletivo se conheceram, o desejo de tornar a função dos intérpretes o centro absoluto da cena.
O ator é o rei do palco. A função do ator é quase religiosa e dele, por contiguidade, emana toda e qualquer sensação espetacular de uma apresentação para público. “Limamos tudo aquilo que não consideramos essencial. Pensamos em uma encenação crua, em que a presença viva importa mais do que qualquer outra coisa. Tanto é que nosso cenário é formado por uma mesa, algumas cadeiras e poucos objetos. E o figurino é sóbrio e muito próximo do que usaríamos em ensaios. O que de certa maneira, remete ao modo franciscano de produção, característico do Prêt-à-Porter, outra influência da nossa convivência com Antunes”, conta o diretor.
O público é convidado a participar de uma experiência intimista, na qual um grupo de intérpretes em coro está ansioso para compartilhar histórias, como a de Electra, a mulher que nunca esquece o assassinato de seu pai, o rei Agamêmnon. Na narrativa clássica, cabe ao seu irmão Orestes vingar essa morte.
O trabalho também representa uma declaração de amor ao teatro. “Sofremos muito como classe durante a pandemia. E depois dela, como coletivo, nos acostumamos a conviver intensamente com a ameaça de extinção. Mas essa é a hora de dizer SIM! Apesar dos obstáculos e percalços, falta de apoio e da dificuldade incomensurável que é produzir um espetáculo de teatro de forma independente, a palavra da hora é SIM! Continuamos lutando firmes e fortes pela nossa arte ”, afirma Andrade.
No elenco estão Anísio Serafim, Carol Marques da Costa, Chrystian Roque, Guta Magnani, Marcelo Villas Boas e Maria Clara Strambi. Já a dramaturgia é assinada colaborativamente e contou com a parceria de Rogério Guarapiran na adaptação do texto de Sófocles. Para o Màli Teatro, a tragédia de Sófocles faz um alerta sobre a atual construção dos espaços de diálogo e ação na sociedade, que cada vez mais se firmam na extinção da complexidade e na cega defesa de ideologias herdadas.
Impulsos atávicos típicos do universo trágico se misturam e se confundem com questões urgentes e contemporâneas, e parecem nos perguntar: poderá haver algum sonho coletivo de futuro em que construiremos um novo destino? Assim, o espetáculo pretende ser um espelho, uma catarse, em que as certezas humanas se revelam em crise constante.
Processo criativo
O processo criativo de "Não te Pareço Vivo?" começou em janeiro de 2020, logo no início da pandemia. Ao longo desse tempo, o grupo fez uma ampla pesquisa no universo das tragédias, da filosofia ao contexto histórico das peças. Por meio de encontros virtuais, o coletivo também aprofundou na iconografia estética, tendo como influências não só o mito de Electra como o conteúdo literário relacionado a ele. As principais referências nesse sentido foram a "Oresteia", de Ésquilo, as obras de Eurípedes e Sófocles, escritos e conceitos de Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche, Simone Weil e Miguel Rio Branco.
As reuniões presenciais acontecem desde fevereiro de 2022 com o objetivo de manter viva a investigação histórica que culminou com a produção do espetáculo. Nessas ocasiões, o Màli foi construindo uma gramática em comum, composta pelas mais variadas referências, desde a literatura à fotografia, e por um trabalho técnico, vocal, corporal e mental, que pretende solidificar uma base para o trabalho interpretativo.
Parceiros criativos de outras áreas do conhecimento contribuíram para aprofundar as discussões levantadas pela obra teatral. Foram eles o promotor Flávio Farinazzo, a advogada criminalista Eleonora Nacif, a doutora em letras clássicas Karen Amaral Sacconi, a psicanalista lacaniana Camilla Guido, o ator e diretor Emerson Danesi, o ator Antonio Salvador e o pesquisador e advogado Thiago Britto.
Sobre o Màli Teatro
O Màli Teatro foi fundado em 2017 por artistas que se encontraram no Centro de Pesquisa Teatral, CPT-SESC, dirigido por Antunes Filho, como atores, atrizes, dramaturgo, cenógrafa e pesquisadores. Em 2018, foi contemplado pelo edital Laboratório de Cena para uma ocupação artística na FUNARTE - SP e, em dezembro de 2019, o Màli estreou sua primeira peça no SESC Avenida Paulista: “45 GRAUS”, baseada no novela “A Dócil”, de Dostoiévski, com direção de Marcos de Andrade. Desde então, o Màli se constitui como um grupo de pesquisa continuada, formado por artistas de diversas gerações que mantêm em suas trajetórias larga experiência voltada ao trabalho de pesquisa e se dedicam a aprofundar questionamentos relacionados ao mundo contemporâneo através da arte.
Sinopse de "Não te Pareço Vivo?"
A história milenar da família dos Átridas e o mito de Electra são apresentados ao público em paralelo à descrição de uma tragédia que não deixou sobreviventes ocorrida numa comunidade não tão distante de nós. Os rituais fúnebres deste coro de mortos e a obra clássica de Sófocles se fundem em um chamado por justiça. Orestes retorna do exílio de volta para a casa para vingar a morte do pai, rei Agamêmnon, cujo assassinato é compulsivamente lamentado por sua irmã Electra, aquela que não esquece.
Ficha técnica
Espetáculo "Não te Pareço Vivo?". Texto: baseado em Electra de Sófocles. Direção: Marcos de Andrade. Elenco: Anísio Serafim, Carol Marques da Costa, Chrystian Roque, Guta Magnani, Marcelo Villas Boas e Maria Clara Strambi. Assistência de direção: André Mourão. Dramaturgia: Màli Teatro. Adaptação "Electra" de Sófocles: Rogério Guarapiran. Cenografia e figurino: Lívia Loureiro e Màli Teatro. Desenho de luz: Aline Santini. Operação de luz e som: André Mourão, Ivo Leme e Marcos de Andrade. Fotos: Caio Oviedo, Marcelo Villas Boas e Nicolle Comis. Vídeo: Caio Oviedo e Marcelo Villas Boas. Produção executiva: Carol Marques da Costa e Marcos de Andrade. Produção: Màli Teatro, Ivo Leme e Corpo Rastreado - Lud Picosque. Assessoria de Imprensa: Canal Aberto - Márcia Marques. Arte gráfica: Anísio Serafim. Realização: Màli Teatro.
Serviço
Espetáculo "Não te Pareço Vivo?". Até dia 17 de dezembro, aos sábados, às 20h, e, aos domingos, às 18h. Local: Casa Livre - R. Conselheiro Brotero, 195 - Barra Funda/São Paulo. Valor: R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia-entrada). Link para compra de ingresso: www.sympla.com.br/maliteatro | Também é possível adquirir o ingresso direto na bilheteria do teatro. Duração: 90 minutos. Classificação: 14 anos.
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