sexta-feira, 10 de novembro de 2023

.: "A Grande Obra" faz crítica ao sistema capitalista e ao estímulo à produtividade


Com estreia no Espaço Parlapatões dia 14 de novembro, o espetáculo estabelece diálogo entre "O Mito de Sísifo", de Albert Camus, o expressionismo nas obras de Tennessee Williams e o filme "O Clube da Luta", de David Fincher. Foto: Ligia Jardim


Os papéis sociais impostos às pessoas no sistema capitalista são questionados no espetáculo "A Grande Obra", idealizado pelo ator e produtor Fabrício Pietro e pela diretora Fernanda Stefanski, que assinam a dramaturgia com participação da dramaturga convidada Angela Ribeiro. Já a direção de produção é de Amanda Leones. A peça estreia no dia 14 de novembro no Espaço Parlapatões, onde segue em cartaz até 14 de dezembro, com apresentações de terça a quinta-feira, às 20h. O trabalho faz parte de um projeto aprovado pela lei de incentivo ProAC ICMS, com patrocínio da PAPIRUS.

O espetáculo é resultado de uma pesquisa iniciada em 2019 a partir do ensaio filosófico "O Mito de Sísifo", de Albert Camus, que trata de questões relacionadas às contradições da existência humana, como a busca da essência e o sentido da vida em contraste com uma realidade desconexa, incompreensível e sufocante, guiada por ideologias políticas e religiosas. Para Camus, a solução para a falta de sentido não deve ser o suicídio, mas sim a revolta. 

Assim como Sísifo, o personagem de A Grande Obra é "O Homem", um indivíduo que torna-se consciente de sua impotência em concretizar um objetivo: demolir as paredes e estruturas que o confinam em uma condição de vida sufocante e sem sentido, após a partida de sua companheira. Em busca de um diálogo radicalmente honesto com o público, ele compartilha suas angústias em relação ao cotidiano repetitivo e inexpressivo, ao esmagamento da poesia, à perda da inocência e à morte de suas ilusões. 

A trama se passa numa noite de Natal em um apartamento em que as paredes estão prestes a desabar, ocasião em que, insone, O Homem ecoa pensamentos, memórias, desejos e angústias em uma roda viva que não para de girar, tendo como interlocutores o público, um bebê e o fantasma de sua ex-esposa. A sequência de episódios é fragmentada e não linear, através de um jogo de adivinhações inquietante e envolvente que transita entre ficção e não-ficção, passado e presente, sonho e realidade. 

A narrativa aborda a escalada de um indivíduo rumo ao sucesso, tecendo uma reflexão sobre as relações de gênero no sistema capitalista, que une todos os seus esforços para transformar em símbolo pessoas comuns que chegam no topo da pirâmide – aquelas pessoas que chegam "lá" – valorizando o sofrimento, demonizando o cansaço e atiçando a necessidade da produtividade.

O espectador é testemunha de uma série de questionamentos, um filosofar incessante e ingênuo, que acontece em meio aos preparativos para uma noite de Natal, na qual a tradição sentimentalista é colocada em suspenso para abrir espaço para o cruel, o demoníaco, o imperfeito, o imensurável. Que presente de Natal pode ser a bomba que explode uma ilusão?

O topo da montanha de Sísifo é o "lá" inexistente do personagem, o não-lugar, o abismo, a derrota, a frustração, a depressão e, por fim, a revolta contra o deus. Em meio ao apertar sem fim dos parafusos de uma corrente infinita, o personagem tenta libertar-se de um embate cíclico entre a busca de um sentido existencial versus os deveres impostos pela sociedade em relação ao seu papel social de homem.

A linguagem do espetáculo é inspirada pela estética expressionista proposta por Tennessee Williams em suas obras – mais especificamente na peça curta “O Filho de Moony Não Chora”, de 1939, em fricção com o filme “O Clube da Luta” de David Fincher, de 1999. O texto apresenta pontos de contato entre essas duas obras: a rotina massacrante de um trabalho sem sentido, o consumo, a insônia, o devaneio, a vaidade, a revolta e o confronto com o sistema capitalista. Os assuntos manifestam-se cenicamente através de um jogo vivo com o público e de uma palavra "incorporada", que perpassa questões políticas, filosóficas e sociológicas, expressando um medo metafísico além da linguagem e explorando o que não pode ser figurado em palavras. 

O processo de criação, iniciado em 2019 por Fernanda Stefanski e Fabrício Pietro, atravessou diversos estágios, espaços e formatos. Os estudos teóricos passaram pela análise dos mitos de "Narciso”, "Sísifo” e o "Mito da Caverna", chegando ao “Manifesto do Unabomber” – do anarquista Ted Kaczynski publicado em 1995 em jornais dos EUA – e ao expressionismo de Tennessee Williams, com orientação de Luís Márcio Arnaut, tradutor e pesquisador das obras do dramaturgo estadunidense. 

Foram realizados experimentos cênicos e audiovisuais para o desenvolvimento da dramaturgia, que foi tecida em diálogo com as espacialidades do Teatro de Contêiner, Funarte, Oficina Cultural Oswald de Andrade e IBT – Instituto Brasileiro de Teatro. Guiados pelo desejo de uma escrita partilhada e uníssona em torno de suas sombras, vazios, fraturas e fantasmas, os criadores concentraram-se em investigar os impulsos que estão por trás dos atos violentos humanos, nossos instintos e desejos primitivos em seus estados mais puros antes de serem reprimidos pela cultura, fluindo em formas distorcidas.

A encenação é resultado desta investigação que envolve teatro físico, teatro épico, drama, autoficção e busca extrapolar as convenções do realismo. A peça é um convite para uma participação ativa do público e abre espaço para a composição de uma narrativa que se refaz a cada apresentação, onde as memórias e desejos do personagem se completam com as memórias e desejos do público.

O projeto cenográfico e de iluminação assinados pela artista Marisa Bentivegna propõem uma distorção das formas contrastando corpo e sombra e construindo visualmente as distâncias entre verdade e ilusão, vivenciadas pelo personagem, destacando a subjetividade, traço marcante da estética expressionista. Já a trilha composta pelo maestro Pax Bittar baseia-se no conceito de entropia dialogando com a atmosfera íntima do personagem, aprisionado no caos de seus pensamentos e de seus desejos impossíveis de retornar a uma ilusão de ordem perdida. O projeto de figurino é assinado por Telumi Hellen e a direção de movimento de Der Gouvea.


Sinopse
Na primeira noite de Natal depois da partida de sua esposa, um homem insone ecoa seus pensamentos, memórias, desejos e angústias tendo como testemunha o público e um bebê. Em uma roda viva que não para de girar, ele tenta alcançar o topo do sucesso, segundos antes do colapso das paredes de um apartamento que está prestes a desabar. 

Ficha técnica
Monólogo "A Grande Obra". Direção: Fernanda Stefanski. Elenco: Fabrício Pietro. Dramaturgia: Fabrício Pietro e Fernanda Stefanski. Provocação dramatúrgica: Angela Ribeiro. Dramaturgista e orientação de pesquisa: Luís Márcio Arnaut. Cenografia e desenho de luz: Marisa Bentivegna. Trilha sonora: Pax Bittar. Figurinos: Telumi Hellen. Desenho de movimento: Der Gouvêa. Direção de produção: Amanda Leones. Coordenação de produção: Fabrício Pietro. Assistente de produção: Larissa Miranda. Arte gráfica: Rafael Alexandre.  Mídias sociais: Zava. Assessoria de imprensa: Pombo Correio. Fotos de divulgação: Lígia Jardim. Idealização: Fabrício Pietro e Fernanda Stefanski. Co-produção: Versa Cultural e Pietro Arte. Apoio: IBT – Instituto Brasileiro de Teatro. Patrocínio: Papirus. Este projeto é realizado através do ProAC ICMS, por meio da Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas, do Governo do Estado de São Paulo.

Serviço
Monólogo "A Grande Obra". Temporada: de 14 de novembro a 14 de dezembro, de terça a quinta, às 20h. Espaço Parlapatões – Praça Franklin Roosevelt, 158, Consolação/São Paulo. Ingressos: R$ 50,00 (inteira) e R$ 25,00 (meia-entrada). Venda on-line pelo Sympla. Bilheteria: abre 1 hora antes do início do espetáculo. Duração: 90 minutos. Classificação: 14 anos. Capacidade: 96 lugares. Acessibilidade: Espaço possui acessibilidade física para cadeirantes, obesos e pessoas com mobilidade reduzida. .

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