quarta-feira, 29 de novembro de 2023

.: Com Celso Frateschi e Rodolfo Valente, "Pawana" reabre Ágora Teatro


Espectadores são transportados para o universo dos navios baleeiros no único texto dramatúrgico escrito pelo francês J.M.G. Le Clézio, vencedor do Nobel de Literatura de 2008, com atuação de Celso Frateschi, em cena ao lado de Rodolfo Valente. Foto: Lígia Jardim


A peça é baseada em uma história real ocorrida em 1856, durante a colonização da costa da Califórnia, quando o capitão Charles Melville Scammon liderou uma expedição de caça às baleias em busca do óleo que era extraído delas, valiosa matéria-prima do século XIX. Le Clézio conduz o espectador para dentro de um mundo idílico, convertido tragicamente em um mar tingido de sangue.

Depois de quase quatro anos fechado, o Ágora Teatro, dirigido por Celso Frateschi e Sylvia Moreira, foi reaberto com o espetáculo de "Pawana" (1992), texto do escritor francês Jean-Marie Gustave Le Clézio (vencedor do Nobel de Literatura de 2008), traduzido por Leonardo Fróes. A montagem, com direção de José Roberto Jardim, constrói um relato de viagem em que as memórias de belas paisagens da costa da Califórnia e de violentas agressões à natureza são revisitadas pelos dois personagens em cena, em um acerto de contas com o passado.

Importante espaço da cena paulistana, de relevância histórica não somente pelo repertório apresentado, mas também pelos artistas que já passaram por lá, o Ágora estava fechado desde o início de 2020, em decorrência da pandemia de Covid-19 e das obras do Metrô, que interditaram grande parte da rua e fecharam temporariamente uma das salas. As sessões de "Pawana" seguem até dia 11 de dezembro.

"Pawana" traz dois narradores, interpretados respectivamente por Celso Frateschi e Rodolfo Valente, um experiente capitão, Charles Melville Scammon, e o jovem marinheiro John, da cidade de Nantucket, que embarcam em um navio baleeiro rumo a um refúgio idílico onde as baleias-cinzentas vão parir seus filhotes. 

O objetivo é conseguir o valioso óleo desse animal, matéria-prima responsável por sustentar boa parte da economia mundial até o final do século XIX, fornecendo, por exemplo, combustível e iluminação. Assim, guiado não somente pela curiosidade e o espírito aventureiro, mas também pela cobiça (o capitão e sua tripulação não se importam em promover uma enorme matança dos animais), o navio Léonore desce a costa da Califórnia em janeiro de 1856.

Quatro relatos entrecortados - dois de Melville, dois de John - exploram a relação entre os protagonistas, e a relação entre cultura e natureza. “A obra é muito mais trágica do que dramática. Na verdade, não existem grandes dramas e, sim, uma tragédia humana planetária. O capitão Melville tem consciência do mal que pratica, mas também sabe que, se não fosse ele, outro o teria feito. A peça trata da matança das baleias-cinzentas, mas serve de metáfora também para descrever outras situações humanas, como as guerras”, afirma Frateschi.

"Pawana" está filiada às grandes narrativas de aventuras marítimas, como "Moby Dick", mas segue por outro caminho. Enquanto no clássico romance de Herman Melville, o capitão Ahab tenta enfrentar seu próprio monstro, mas falha e perde a batalha contra a natureza, na história de Le Clézio, o protagonista, ao invadir o santuário das baleias-cinzentas, está entrando em um embate maior, com toda a vida do planeta.

O escritor francês inspirou-se em uma história real para escrever o livro. Em 1856, na época em que a costa da Califórnia estava sendo colonizada, o capitão Charles Melville Scammon - que também era naturalista (na acepção que o século XIX reservou ao termo) e publicou dois livros sobre a fauna marinha - empreendeu uma violenta caça às baleias-cinzentas, estimulando a matança indiscriminada desses animais por navios que passaram a ir para lá vindos de várias parte do mundo.

“Le Clézio começa a publicar sua obra a partir dos anos 1960, mas não se deixa influenciar pelas experimentações estéticas típicas do período. Sua literatura tem caráter marcadamente sapiencial, estando filiada à tradição das grandes narrativas de aventura. Ao entrar em contato com os povos originários do México, onde morou por um bom tempo, passou a tratar da necessidade existencial e ética de o ser humano se integrar à natureza e respeitar seus ritmos, em vez de olhá-la como uma fonte inesgotável de recursos", comenta Welington Andrade, responsável por conduzir a pesquisa teórica do espetáculo. Os direitos para a montagem do espetáculo foram conseguidos diretamente com o apoio do Consulado da França.

Sobre a encenação
O trabalho de direção de José Roberto Jardim destaca a essência do aspecto narrativo do texto, explorando as imagens evocadas pelas falas dos dois personagens. A sobriedade dos demais elementos cênicos marca o projeto de encenação. O cenário e o figurino são assinados por Sylvia Moreira, enquanto a iluminação é de Wagner Freire.

“O horror narrado pela evocação da memória dessas duas personagens ocasiona a destruição da ‘possibilidade de beleza no mundo’. No palco, luzes espectrais, faces sombreadas e sons dissonantes e agônicos caracterizam essa atmosfera. O palco converte-se em uma espécie de limbo no qual Celso e Rodolfo verão, gradativamente, esse espaço simbólico se deteriorar até a destruição completa”, conta o diretor.

Reabertura do Ágora
Fundado em 1999, o Ágora Teatro ocupa o local onde antes funcionava o Teatro do Bixiga. Durante mais de vinte anos, o espaço produziu e acolheu inúmeras montagens, sempre orientado pela qualidade do repertório e pelo nível das reflexões suscitadas, implementando ainda uma série de ações pedagógicas e de formação de público, como cursos, palestras e seminários através de seus eixos de atuação: Ágora em Cena, Ágora Formação, Ágora Livre e Ágora Publicações. No início de 2020, em razão da pandemia, o espaço fechou as portas, fez inúmeras atividades online e enfrentou dificuldades com as obras da Linha 6 (Laranja) do Metrô, que interditaram 500m² de sua área.

A reabertura em novembro de 2023 marca uma nova etapa da história do projeto. Que se inicia com a retomada do eixo Ágora em Cena, com a montagem de "Pawana" de J.M.G. Le Clézio, contemplado com o Prêmio Zé Renato da cidade de São Paulo. Em 2024, o Ágora retomará seus outros eixos de ação. Houve uma grande reforma para acolher essas mudanças e atender plenamente ao conforto do público: por enquanto, apenas uma sala está disponível (a outra, maior, permanece interditada até o fim das obras do Metrô).


Sobre o autor
Jean-Marie Gustave Le Clézio
, escritor e ensaísta francês, nasceu em 1940 em Nice. Sua paixão por viagens surgiu durante sua visita às Ilhas Maurício. Em 1963, aos 23 anos, seu romance de estreia, "Le Procès-Verbal," lhe rendeu o Prêmio Renaudot. 3. Em 1980, publicou "Désert," uma de suas obras mais aclamadas, abordando a vida dos tuaregues. Outras obras notáveis incluem "Fièvre," coletânea de contos, e romances como "Le Déluge," "La Quarantaine," e "Poisson d'Or," que exploram a relação entre a humanidade e a morte.

"Désert" reflete sua preocupação com os povos nômades ameaçados, uma temática que ele estudou em ensaios após viver entre os indígenas emberas no Panamá e os berberes de Marrocos. Le Clézio é um autor amplamente traduzido para várias línguas e faz parte do júri do Prêmio Renaudot desde 2002. Em 2008, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura.


Sinopse
Dois narradores, um experiente capitão e um jovem marinheiro, embarcam em um navio baleeiro rumo a um refúgio idílico onde ninguém esteve antes. Durante a viagem, ambos entram em contato com o poder de destruição do ser humano, cujo destino parece sempre o impelir a sacrificar, tragicamente, a vida prodigiosa.

Ficha técnica
Espetáculo "Pawana". Texto: J.M.G. Le Clézio. Tradução: Leonardo Fróes. Direção: José Roberto Jardim. Elenco: Celso Frateschi e Rodolfo Valente. Cenografia e figurino: Sylvia Moreira. Cenotécnico: Zé Valdir Albuquerque. Iluminação: Wagner Freire. Trilha sonora: Piero Damiani. Pesquisa teórica: Welington Andrade. Programação visual: Pedro Becker. Assessoria de imprensa: Canal Aberto - Márcia Marques, Daniele Valério e Flávia Fontes. Produção: Corpo Rastreado - Leo Devitto e Letícia Alves.


Serviço
Espetáculo "Pawana". Temporada até 11 de dezembro. Dias e horários: sextas e segundas, às 20h; sábados, às 21h e domingos, às 19h. Local: Ágora Teatro - Endereço: Rua Rui Barbosa, 664 - Bela Vista/São Paulo. Ingressos: R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia-entrada). Duração: 100 minutos | Classificação indicativa: 12 anos. Acessibilidade total.

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