segunda-feira, 2 de outubro de 2023

.: "O Livro Branco", de Han Kang, é uma meditação íntima e delicada


"O Livro Branco"
, o novo livro de Han Kang, autora do sucesso "A Vegetariana" e um dos grandes nomes da literatura coreana, é uma meditação íntima e delicada sobre o luto e a vida. Lançado pela editora Todavia, é uma narrativa sobre o luto e a resiliência dos seres humanos — além de ser o livro mais pessoal da autora até agora. A capa é de Marcelo Delamanha e a tradução, de Natália T. M. Okabayashi.

Durante a estada em uma cidade europeia coberta pela densa neve invernal, a narradora é repentinamente tomada pela lembrança de sua irmã, que morreu recém-nascida nos braços da mãe. Ela luta com essa tragédia que definiu a vida da família, um evento que reaparece repetidamente em imagens tomadas por esta cor que evoca o luto em algumas culturas orientais: o branco do leite materno e da fralda, o branco do sal e da neve, o branco da magnólia, a pele branca da bebê como um bolinho de arroz em formato de lua. Só mesmo uma autora como Han Kang que criou a intrincada e poética narrativa de "A Vegetariana", seria capaz de urdir uma grande narrativa literária a partir de uma memória tão profundamente pessoal.

É por meio desse léxico que a narradora avança na releitura de sua própria história. Assim, os capítulos recebem o nome dessas coisas brancas. E rememoram, por meio de uma prosa habilmente arquitetada, aquilo que Camões definiu como “a grande dor das coisas que passaram”. Mas sem arroubos sentimentais. Pois é com a mesma suavidade da neve que ela empreende uma viagem em direção aos sentimentos mais íntimos de uma mulher sobre si mesma.

“A cada palavra que escrevia, estranhamente, meu coração se agitava. Eu queria mesmo escrever este livro e senti que o processo traria alguma mudança. Era algo de que eu precisava, como uma pomada branca para passar num machucado, como uma gaze branca para enfaixá-lo”, escreve. A beleza desse processo, ainda que frequentemente penoso para a narradora, promete tomar de assalto o leitor do início ao fim deste pequeno livro magistral. Compre "O Livro Branco", de Han Kang, neste link.


O que disseram sobre o livro
“Formalmente ousado, emocionalmente devastador e profundamente político.”  The New York Times


Trecho do livro
Minha mãe me contou que seu primeiro bebê morreu duas horas depois de ter nascido. Era uma menina com o rosto branco como um bolinho de arroz em forma de lua. Por ser uma bebê prematura de sete meses, seu corpo era pequenino, mas os olhos, o nariz e a boca eram definidos e bonitos. Ela disse que nunca conseguiria esquecer o momento em que a bebê abriu os olhos negros e olhou para seu rosto. Naquela época, minha mãe morava no interior, numa casa isolada, junto com meu pai, que havia sido designado professor de uma escola de ensino fundamental I. Faltava bastante tempo até a data prevista para o parto, por isso minha mãe não estava preparada quando, certa manhã, a bolsa se rompeu de repente. Não havia ninguém por perto. O único telefone da vila era o da lojinha na frente do ponto de ônibus, que ficava a vinte minutos de caminhada. Ainda faltavam mais de seis horas para o fim do expediente do meu pai.

Era o início do inverno, e a primeira geada caía. Minha mãe, com seus vinte e dois anos, rastejou até a cozinha e ferveu água para desinfetar a tesoura, conforme tinha ouvido falar em algum lugar. Procurou dentro da caixa de costura e encontrou um tecido branco que serviria como roupinha para o recém-nascido. Sentindo as contrações e o medo, ela costurava enquanto as lágrimas escorriam. Terminou a peça, pegou um lençol para usar como cueiro, e a dor voltava a intervalos, mais intensa e mais rápido.

Por fim, deu à luz. Sozinha, cortou o cordão umbilical. Vestiu a roupa que acabara de fazer naquele corpo pequenino manchado de sangue. Por favor, não morra. Com uma voz fina, ela murmurava sem parar. Ao mesmo tempo, abraçava a bebê do tamanho de um palmo que chorava. Depois de uma hora, as pálpebras da bebê, que a princípio estavam bem fechadas, abriram-se como se fosse mentira. Seus olhos encararam aqueles olhos pretos e ela murmurou outra vez. Por favor, não morra. Cerca de uma hora depois, a bebê morreu. Deitadas lado a lado, ela acalentou no peito a bebê morta, sentindo aquele corpo esfriar aos poucos. Não derramou mais nenhuma lágrima.

Sobre a autora
Uma das grandes escritoras contemporâneas, Han Kang nasceu na Coreia do Sul em 1970. Traduzida para dezenas de idiomas, é autora de "A Vegetariana" e "Atos Humanos", ambos publicados pela editora Todavia, entre outras obras. Garanta o seu exemplar de "O Livro Branco", escrito por Han Kang, neste link.

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