"Quando os Prédios Começaram a Cair", de Mauro Paz, é um romance vertiginoso que combina mistério, drama pessoal e questões urgentes e atuais. O protagonista deste notável romance está com a vida acertada. Durante o dia, trabalha como passeador de cães, um bico por aplicativo de celular que paga as suas contas sem muita dor de cabeça. Às terças e quintas recebe a visita de Georgia, mulher que conheceu em outro aplicativo e sobre quem não sabe nada: o nome verdadeiro, o que faz, onde mora. Há três meses vive nesse ritmo. E então os prédios começam a cair. A capa é de Elisa v. Randow e Laerte Coutinho.
Primeiro um bloco residencial em Hong Kong, dias depois um edifício no centro de São Paulo. Como uma epidemia, ao redor do mundo os prédios seguem desabando enquanto cientistas, políticos e religiosos tentam dar algum sentido ao mistério. Para Solano, no entanto, a crise significa apenas uma coisa: angústia pelo desaparecimento de Georgia, que fura um encontro pela primeira vez
Enquanto o caos global se intensifica, Solano parte numa investigação improvisada, tendo como única pista a mochila esquecida por Georgia em sua casa. Atravessando uma São Paulo que acumula escombros e tragédias, ele tenta reconstruir a vida dessa desconhecida por meio dos poucos fiapos daquilo que sabe sobre ela. Até que um encontro na rua muda tudo.
Quem é Solano? O que ele fazia antes de passear com cachorros? Por que não conhecemos nem seu nome real? É assim, tirando o tapete de debaixo do leitor, que Mauro Paz conduz este livro vertiginoso,em que o drama coletivo dos prédios serve como pano de fundo para um drama maior: a busca pelo outro, por nós mesmos, por algum significado para as coisas. Num mundo em que as estruturas estão ruindo, Mauro Paz combina mistério e investigação existencial para contar uma história que ecoa poderosamente questões de hoje e que, com originalidade e a mão firme dos grandes escritores, aponta para um amanhã cada vez mais desprovido de sentido e de paz. Compre o livro "Quando os Prédios Começaram a Cair", de Mauro Paz, neste link.
Trecho do livro
Georgia desapareceu no dia em que o primeiro prédio caiu em São Paulo. Era uma terça-feira de junho. Apesar do inverno, fazia calor. A certeza de Georgia aparecer às terças e quintas me deixava tranquilo. Transávamos um pouco. Acendíamos um baseado. Às vezes dava tempo para um café. Depois, ela ia embora. Georgia era tudo que eu tinha. Fazia meses que eu sabia disso, mas naquela tarde de junho enxerguei de forma nítida. Enquanto Georgia fumava nua na porta da sacada, Caetano cantava pela caixinha de som e o ar seco da cidade trazia o cheiro de maconha para dentro da quitinete, percebi que a minha vida havia se reduzido a esperar as terças e quintas para morder a bunda daquela mulher vinte anos mais nova do que eu e me sentir um pouco menos fracassado. Não desperdicei a oportunidade.
— Sem marcas — Georgia riu. Alcançou o baseado para eu dar um pega.
Traguei e me estirei no sofá-cama. Olhos fechados. Pau tombado para o lado. Fiquei ali por uns segundos. Minutos, talvez. Então os vidros da janela tremeram. A televisão na estante tremeu. E a voz de Caetano saiu mais tremida do que o normal.
— Subiu uma fumaça estranha no céu — Georgia disse.
Quando abri os olhos, Georgia vestia a calcinha. Telefone na mão.
— Precisam de mim. Caiu um prédio.
— Você é bombeira? — sentei com as mãos atrás da nuca.
Georgia ignorou a pergunta. Virou de costas e prendeu o fecho do sutiã. Nem atentei para o fato de que um prédio viera abaixo. Gostava de ver Georgia se vestir. Havia cumplicidade naquilo. Pequena, mas havia. Não entendi por que ela precisava sair com tanta pressa. Devia ser coisa de trabalho. Arrisquei outras profissões. Enfermeira. Assistente social. Engenheira.
— Aqui eu sou a mina que transa com você e vai embora — Georgia prendeu os cabelos em um rabo de cavalo.
— Você vem na quinta?
— Eu já faltei alguma?
Georgia terminou de vestir o jeans e logo percebeu o celular nas minhas mãos. Escondeu o rosto com a bolsa. A foto ficou um borrão. Georgia me deu um beijo rápido. Disse que voltava na quinta. Ainda escondida atrás da bolsa, abriu a porta do apartamento. Antes de sair, mandou um beijo. Na segunda foto, tive mais sucesso com o foco, não com o enquadramento. Georgia era apenas um rosto espremido entre o vão da porta e a bolsa.
Sobre o autor
Mauro Paz nasceu em Porto Alegre, em 1981. É autor do romance "Entre Lembrar e Esquecer" (Patuá, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura) e dos volumes de contos "Por Razões Desconhecidas" (IEL-RS, finalista do Prêmio Sesc) e São Paulo — "CidadExpressa" (Patuá). Garante o seu exemplar de "Quando os Prédios Começaram a Cair", escrito por Mauro Paz, neste link.
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