segunda-feira, 7 de agosto de 2023

.: "Eu Não Devia Estar Aqui" estreia dia 8 de agosto no Teatro dos Parlapatões


O espetáculo "Eu Não Devia Estar Aqui" estreia dia 8 de agosto no Teatro dos Parlapatões. A temporada contempla oito apresentações, terças e quartas, às 20h30, e vai até dia 30 de agosto. "Eu Não Devia Estar Aqui" apresenta a trajetória aversiva de Leonardo Kenshu, um contrarregra de teatro numa corrida vertiginosa contra o tempo, pelo resgate da sua paternidade e pela reelaboração cênica de seus afetos. O espetáculo solo, de base autoficcional, trata de questões existenciais sobre a percepção do tempo ao longo de três décadas de uma vida.

Na dramaturgia de Dugg Mont, a personagem Leonardo Kenshu (um contrarregra de teatro) presentifica suas memórias investigando, particularmente, sua adicção química, paternidade precoce e masculinidade normativa. A obra expõe em cena questões patológicas de urgência no comportamento social da contemporaneidade como depressão, ansiedade, objetificação feminina e ideação suicida, lançando um olhar cáustico a esses sintomas e seus efeitos na subjetividade masculina.

A história de Leonardo Kenshu é contada de forma fragmentada, não-linear, compreendendo elipses e lapsos temporais que refletem sua própria experiência masculina estilhaçada, sua paternidade em suspenso e sua constante sensação de esgotamento com relação ao tempo. A encenação transita entre alguns diferentes registros formais que vão do depoimento à palavra poética, do ator-narrador a interações multimídia (videoarte e música executada em cena), e é composta por uma estética de composição pictórica “viva”, por meio de perspectivas, deslocamentos e sobreposições entre trilha sonora, cenários, objetos, figurinos, iluminação e videoarte.


Conto autoficcional, a ideia inicial
O embrião da peça foi delineado durante o confinamento imposto pela pandemia. Levado à uma meditação sobre tempo, vida e morte, Dugg Mont decidiu buscar na memória episódios traumáticos, “epifanias aversivas” que o atravessaram. A ideia era escrever um conto autoficcional que sintetizasse essas experiências de forma poética. “Fiz uma pré-seleção das experiências que julguei mais interessantes para o desenvolvimento e a amplificação progressiva de uma narrativa existencial ‘épico-dramática’”, relata. 

Com 15 anos de vivência como técnico e sound designer de teatro, ao mesmo tempo sempre interessado e nutrido por dramaturgia, literatura e filosofia, o artista criou um personagem (duplo) chamado Leonardo, “um menino que, futuramente, se torna contrarregra de teatro”, conta. Dugg batizou seu personagem com o sobrenome Kenshu, “termo que simboliza o primeiro degrau de iluminação no zen budismo”, explica. “Não dar ao personagem o meu próprio nome me ajudou a trabalhar com um certo afastamento, possibilitando um mergulho vertical na matéria ficcional, poética, sem limites ou compromisso com qualquer ‘verdade’ pessoal”.

Dante, Nietzsche e psicanálise junguiana
“Imaginei e projetei a subjetividade e as memórias (em várias faixas etárias) de um homem constituído por sombras existenciais, pelo descompasso com o tempo, que por necessidade de sublimação vislumbra/sonha, na coxia, a estetização cênica de suas vivências e afetos. Religião, literatura, psicanálise e filosofia me inspiraram na construção da trajetória de Leonardo com imagens e conceitos como a representação cristã da criação do mundo em sete dias, os sete círculos do inferno de Dante, o misticismo (em sua concepção filosófica), o ‘Torna-te quem tu és’ em Nietzsche e a observação holística da psicanálise junguiana. Esses pilares também me conduziram na criação simbólica e subliminar da estrutura narrativa.” “Tentando descobrir um estilo próprio, fabulei e traduzi as memórias (imagéticas e sensoriais) numa escrita elíptica e fragmentada, que transita entre palavra poética e depoimento confessional. Não totalmente satisfeito com o formato literário, engavetei. Um ano depois, no intuito de dar ao texto uma linguagem mais “contundente”, decidi transformá-lo em dramaturgia.”


Encenação crua como a vida
Sobre seu trabalho na encenação da dramaturgia de Dugg, o diretor optou por deixar em segundo plano os questionamentos metafísicos do personagem a respeito do tempo, a morte, a existência de Deus e o sentido da vida. Biagio Pecorelli apegou-se a questões mais concretas, como a paternidade precoce e a adicção química. “É o tipo de matéria que, como diretor, eu gosto de trabalhar! Nesse caso, em particular, tinha uma proximidade real do conteúdo da peça. Convivo com Dugg há muitos anos e, de certo modo, participo dessa sua autoficção. No palco, procurei uma encenação crua como a vida, sem grandes artifícios, costurada a sangue frio”, comenta o Pecorelli.

A trilha sonora original de Alê Prade recolhe referências musicais indicadas pelo autor-intérprete, do Rock Alternativo ao Trip-Hop dos anos 2000. Dentre elas, bandas e artistas como Velvet Underground, Portishead, Radiohead e Nirvana (do qual o autor é fã de longa data). Em cena, entre os adereços, Dugg usa óculos de sol de modelo similar ao de Kurt Cobain.

Sobre os figurinos de Karen Brusttolin, o diretor informa que foram refeitos a partir do próprio acervo da produção, "imposição de um projeto levantado na garra, sem editais, mas que combina muito com a crueza da peça. São retalhos, perucas e adereços que o ator-personagem procura ali mesmo na coxia-palco e aproveita para fazer sua performance.”, conta Biagio.

O cenário concebido por Rafael Bicudo estabelece o palco, que é, ficcionalmente, uma coxia. “Kenshu é contrarregra, um homem que anda na sombra, mas que naquele dia resolve entrar na luz e contar sua história. Então, é como se víssemos o palco de dentro pra fora. Assim como o ator, ao avesso. Ele não deveria estar ali”, revela Biagio.


Sobre o autor
Dugg Mont
nasceu e cresceu na zona sul da capital paulista. Ainda menino, foi provocado à literatura por parte de seu pai (publicitário de vasta cultura literária, musical e cinematográfica), e de sua mãe (mulher de grande conhecimento cultural absorvido de forma autodidata). Em casa, música e filmes despertaram sua sensibilidade e seu imaginário ficcional, mas a inadequação ao ensino tradicional, a depressão, e um certo grau de dislexia, tardaram seu interesse pela leitura. Já com 23 anos de idade, trabalhando como operador de som de teatro e participando, desde os primeiros ensaios, de diversos processos de criação, foi seduzido pelo contato com a dramaturgia, os artistas e suas referências literárias. Logo traçou um panorama de investigação particular e tornou-se leitor compulsivo, buscando sua formação intelectual (também de forma autodidata) entre peças de teatro, poesia, prosa e filosofia.

Durante a segunda década dos anos 2000, foi assistente do diretor Roberto Alvim na cia "Club Noir", e do dramaturgo e diretor Biagio Pecorelli no grupo paulistano "A Motosserra Perfumada". Essas experiências, com vertentes radicalmente distintas de pensamento, produção e linguagem artística, aprofundaram seu interesse em dramaturgia. Em seguida cursou letras pela USP e, já durante a pandemia, escreveu, pesquisou e revisou textos selecionados para os fotolivros "Corpo em quarentena" e "Evoé", ambos da renomada fotógrafa Priscila Prade. Ainda nesse período, cursou dramaturgia online pela CAL (RJ), com a professora e dramaturga Daniela Pereira de Carvalho. No segundo semestre de 2022, participou do curso de solos autorais ministrado pela atriz e dramaturgista Maria Amélia Farah, e ainda em constante troca com o amigo Biagio Pecorelli (Doutor em performance pela USP), desenvolveu sua dramaturgia e desenhou um protótipo de encenação para a sua primeira peça. No final de 2022, com o projeto do espetáculo amadurecido e elaborado junto à produtora Priscila Prade, convidou Biagio Pecorelli para encená-lo em 2023. 


Serviço
Espaço Parlapatões - Praça Franklin Roosevelt, 158 - Consolação / São Paulo. De 8 a 30 de agosto. Terças e quartas, às 20h30.

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