quinta-feira, 31 de agosto de 2023

.: "Cesária" traz em cena três travestis para discutir morte, vida e travestilidade


Coletiva Profanas, com direção de Morgana Manfrim, estreia "Cesária", espetáculo teatral que traz em cena três travestis para discutir morte, vida e travestilidade. Morgana Manfrim, que assina a dramaturgia e direção, é mestra e doutoranda em Artes Cênicas pela USP, na área de Teoria e Prática do Teatro e Pesquisa em Trans-i-[ação]. Foto: Ellen Faria

A Coletiva Profanas apresenta, a partir desta sexta-feira, dia 1º de setembro, no Teatro Cacilda Becker, em São Paulo, o espetáculo "Cesária", com elenco composto por AIVAN (Mãe), Morgana Olívia Manfrim (Filho), Nata da Sociedade (Cesária) e trilha sonora ao vivo com o baterista Henrique Kehde. Em uma montagem fragmentada que não se detém à passagem tradicional do tempo, o espetáculo parte de uma trama em que o filho procura pelo pai desaparecido, que começa a escrever-lhe cartas que se misturam ao passado e ao presente. Nessa busca pelo pai, o filho encontra sua mãe e Cesária, a travesti grávida de um planeta. 

As tramas remetem a tempos epi-pandêmicos - recentes e de outrora - , como a de HIV/Aids, iniciada no fim dos anos 1980 e a da Covid-19, de 2020. A menção às pandemias não está implicada de modo objetivo, mas sim num campo de ambientação dessas duas épocas que se encontram.A peça toca exatamente no assunto da travestilidade, porque desafia o público a entender seu olhar sobre uma pessoa transicionada em diversas gerações. 

"A dramaturgia surge com a necessidade de afirmar que pessoas trans não nasceram em um corpo errado e que a cisgeneridade não é uma condição intrínseca ao ser humano. Ninguém nasce cisgênero, vocês se tornam!", conta Morgana Olívia Manfrim, que além de estar em cena como o Filho, interpretando um susposto “homem cisgênero”, sendo ela travesti, também assina direção e dramaturgia. A artista complementa que a escrita desta peça, que começou a ser criada em 2020, parte de um desejo de falar, tanto para o futuro quanto para o passado, que é necessário confiar no sonho de se tornar quem se deseja ser. 

A construção do encenação (cenografia, figurino, efeitos especiais e iluminação) inicia em paralelo com o estudo da dramaturgia pelo elenco. Cesária, que não obedece ao cronológico  propondo uma espiralar temporal que inverte a lógica de nascer e morrer para morrer e nascer, se torna um fator fundamental para a construção da montagem da cenografia, trilha e a constante transmissão de vídeo ao vivo, que também está presente no espetáculo. Além da inversão de morte e vida, a dramaturgia e a direção dialogam com paradoxos da grávida, feto e médica de um corpo só, a travesti grávida de um planeta e a auto-cesárea sem bisturi. 

Telas pintadas à mão em tinta acrílica pelo artista plástico e homem trans Max Ruan, compõem o cenário e indicam transições de planos ao dividirem espaço com telas digitais compostas por códigos binários de computadores que falham, trazendo novos caracteres para o sistema, que passa a codificar à sua própria maneira. "Está tudo presente, movimento e inércia, envelhecimento e nascimento, morte e vida, descoberta, procura, transmutação, identidade, medo, sonho e glória. Ancestralidade é para frente e para trás", diz Morgana que ressalta que para pessoas transgêneras as fases de infância, adolescência, adulta e idosa coexistem de diferentes formas relacionadas ao momento de sua transição. “Chegamos a recontar nossa idade depois de nossa consciente transição de gênero. Mas isso não quer dizer que antes não éramos trans”.

A dramaturga, atriz e diretora conta que a palavra "Cesária", além de nomear a peça, também parte de uma das possíveis origens desse termo - uma referência ao nascimento do Imperador Júlio César, cuja mãe teria morrido durante o parto, fazendo com que sua retirada da barriga fosse feita via incisão abdominal. "Desde de quando surge a cesariana no mundo é um ato de morte e vida por ser um corte no ventre da mãe morta para salvar o feto. E mesmo que ela estivesse viva, antes do surgimento da anestesia na medicina, era certo que a cesariana gerava órfãos, como Júlio César. E isso tem a ver com o espetáculo - essa relação de matar e morrer para que se possa ser si mesmo. De matar o homem ou o filho dentro de si para se tornar a mulher que se é. De tornar-se identidade no mundo, independente de cis ou trans", explica a diretora. 


Ficha técnica 
Espetáculo "Cesária". Dramaturgia e direção: Morgana Olívia Manfrim. Elenco: AIVAN (mãe), Morgana Olívia Manfrim (filho) e Nata da Sociedade (Cesária). Cenografia e pintura: Max Ruan.  Cenotécnicos: Leandro e Zito Rodrigues. Design e operação de luz: Nayka Eacjs. Composição de trilha e bateria: Kehde. Letrista: Nata da Sociedade. Beleza: Camila Britto. Figurino e costura: Amber Luz. Assistência de figurino e costura: Dandara Marya. Rigger: Lui Castanho.Coordenação de produção: Morgana Olívia Manfrim. Produção executiva: Karen Sobue e Flora Terra. Assistente de produção: Max Ruan. Assessoria de mídia: Marcella Ayumi. Fotografia e vídeo: Vine, Bruna Carvalho e PJ Afrop. Design do programa: Gabriel Franco. Assessoria de imprensa: Canal Aberto Comunicação - Márcia Marques, Daniele Valério e Diogo Locci. Realização: Coletiva Profanas e CASA8. Este é um espetáculo financiado pelo Edital Proac n.º 40/2022 - Cidadania Cultural / Produção e Realização de Projeto Cultural / Cultura LGBTQIA.


Serviço
Espetáculo "Cesária". De 1º a 10 de setembro de 2023. Sextas e sábados, 21h. Domingos, às 19h. Teatro Cacilda Becker. Rua Tito, 295 - Lapa/São Paulo. Gratuito. Retirada de ingressos pelo Sympla.


"Oficina de Escritas Fabulares Autobiográficas - Módulo 2"
Dias 5 e 7 de setembro de 2023. Horários: das 18h30 às 22h30. Gratuito. Inscrições no link no site da coletivaprofanas.com.

Exposição "Travesti... Parir... Planeta"
Datas: aempre no intervalo das sessões no foyer do teatro. Gratuito e entrada individual.

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