domingo, 2 de julho de 2023

.: "Quem Matou Meu Pai", de Édouard Louis, chega ao Brasil


De uma das vozes mais importantes da literatura francesa, "Quem Matou Meu Pai", escrito por Édouard Louis, é uma investigação familiar que mescla manifesto político e crítica social. Ao ser publicado em 2018, o livro se tornou um êxito de vendas e de crítica. Isso porque este livro, tão breve quanto dilacerante, reafirma a força literária do autor em uma nova investigação de seu ambiente familiar. 

Desta vez, refletindo sobre a relação com o pai, fraturada pela indiferença, pela vergonha e pelo conflito. Neste lançamento da editora Todavia, a capa é de Luciana Facchini e a tradução, de Marília Scalzo. “Não tenho medo de me repetir, porque o que escrevo, o que eu digo, não atende às exigências da literatura, mas às da necessidade e da urgência, às do fogo”, é o que diz o autor a certa altura. 

Esse é o tom de manifesto inadiável que percorre a narrativa e se faz sentir na figura do pai doente e moribundo, que Louis visita para prestar ajuda, mas, acima de tudo, em busca de reconciliação. As lembranças dos tempos em que a família vivia na pequena cidade de interior, marcadas pela frieza do pai homofóbico e autoritário, aos poucos vão se transformando em acusações à classe política, numa crítica direta às formas de opressão, à imobilidade e à desigualdade social. 

Os comportamentos do pai, compreende Louis, foram gestados a partir de uma ignorância induzida pela realidade em que cresceu, e por isso os poderosos que ditam as políticas de seu país - aqui nomeados e recriminados sem meias-palavras - seriam os verdadeiros responsáveis pelo suplício da classe marginalizada a que pertence sua família. Este é um grito profundamente emotivo contra essa casta privilegiada de políticos, mas também um testemunho de que a reconciliação e a ternura são armas decisivas para superar os dilemas do nosso tempo. Compre o livro "Quem Matou Meu Pai", de Édouard Louis, neste link.


O que disseram sobre o livro
“Um relato breve e poético sobre as várias formas com que o preconceito social, a homofobia e a pobreza podem matar um homem.” — NPR

Sobre o autor
Édouard Louis nasceu em Hallencourt (França), em 1992. Estreou na literatura com "O Fim de Eddy" (2014). Dele, a Todavia publica também "Lutas e Metamorfoses de Uma Mulher" (2023).

Trecho do livro
Se este texto fosse um texto teatral, deveria começar com estas palavras: Um pai e um filho estão a alguns metros um do outro num grande espaço, vasto e vazio. Esse espaço poderia ser um campo de trigo, uma fábrica desativada e deserta, a quadra emborrachada de uma escola. Talvez esteja nevando. Talvez a neve cubra os dois pouco a pouco até que desapareçam. Pai e filho quase nunca se olham. Só o filho fala, as primeiras frases que diz são lidas numa folha de papel ou numa tela, ele tenta se dirigir ao pai, mas, não se sabe por quê, é como se o pai não pudesse ouvi-lo. 

Estão perto um do outro, mas não se veem. Às vezes suas peles se encostam, entram em contato, mas mesmo assim, mesmo nesses momentos, eles continuam distantes um do outro. O fato de apenas o filho falar, e somente ele, é algo violento para os dois: o pai está privado da possibilidade de contar sua própria vida e o filho queria uma resposta que jamais obterá.

Quando lhe perguntam que significado a palavra “racismo” tem para ela, a intelectual americana Ruth Gilmore responde que racismo é a exposição de algumas populações a uma morte prematura. Essa definição funciona também para o machismo, a homofobia ou a transfobia, a dominação de classe e para todos os fenômenos de opressão social e política. Se considerarmos a política como o governo de seres vivos por outros seres vivos e a existência de indivíduos dentro de uma comunidade que não escolheram, então política é a distinção entre populações com a vida sustentada, encorajada, protegida, e populações expostas à morte, à perseguição, ao assassinato.

No mês passado, fui vê-lo na cidadezinha do Norte em que você vive agora. Uma cidade feia e cinzenta. O mar fica a apenas alguns quilômetros, mas você nunca vai até ele. Fazia vários meses que eu não via você — foi há muito tempo. Quando abriu a porta, não o reconheci. Olhei para você, tentei ler em seu rosto os anos que passamos longe.

Mais tarde, a mulher com quem você vive me explicou que você quase não consegue mais andar. Ela também disse que você precisava de um aparelho para respirar à noite, senão seu coração parava, não podia mais bater sem assistência, sem a ajuda de uma máquina ele não queria mais bater. Quando você se levantou para ir ao banheiro, e depois quando voltou, eu notei, os dez metros que percorreu o deixaram ofegante, você precisou se sentar para recuperar o fôlego. 

Você se desculpou. É uma novidade isso, você pedir desculpas, preciso me acostumar. Você me explicou que tinha um tipo grave de diabetes, além de colesterol alto, que podia sofrer uma parada cardíaca a qualquer momento. Enquanto me contava tudo isso, você perdia o fôlego, seu peito se esvaziava de oxigênio, como se fugisse, até mesmo falar era um esforço muito intenso, grande demais. Eu via você lutando com seu corpo, mas tentava fingir que não estava percebendo nada. Na semana anterior, você tinha sido operado para corrigir o que os médicos chamam de eventração — eu não conhecia a palavra. 

Seu corpo ficou pesado demais para se sustentar, sua barriga se distende até o chão, se distende demais, muito, tanto que se dilacera por dentro, que se desprende do próprio peso, da própria massa. Você não pode mais dirigir sem se colocar em perigo, não tem mais permissão para beber, não pode mais tomar banho ou ir trabalhar sem correr riscos imensos. Você tem pouco mais de cinquenta anos. Você pertence àquela categoria de seres humanos para quem a política reserva uma morte precoce. Garanta o seu exemplar de "Quem Matou Meu Pai", escrito por Édouard Louis, neste link.

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