O livro "Últimos Contos", de Anton Tchékhov (1860-1904), traz a ficção breve que o autor produziu nos últimos anos de vida, quando dominava o gênero com maestria. Tchékhov é um dos maiores contistas da literatura universal. Nesse lançamento da editora Todavia, a capa é de Fernanda Ficher e a tradução, de Rubens Figueiredo.
Poucos escritores são tão influentes quanto o russo Tchékhov quando se fala em ficção curta. Seus contos, escritos ao longo de uma das mais fecundas carreiras da literatura universal, influenciaram diversas correntes da literatura modernista (basta pensar em autores como Katherine Mansfield, Raymond Carver e Clarice Lispector), chegando até a produção contemporânea — como o argentino Ricardo Piglia, que desenvolveu toda uma teoria do conto em grande parte inspirada na construção das histórias de Tchékhov.
Escritas num estilo límpido e aparentemente versando sobre eventos muito pouco espetaculares, as histórias de Tchékhov são um prodígio de condensação, penetração psicológica e apresentação do caldeirão social da Rússia do seu tempo, ainda estratificada entre nobres, burgueses que pressionavam a velha ordem e servos. Seus personagens, mesmo que retratando com muita argúcia os diversos tipos daquele país e de sua época (a segunda metade do século XIX), chegam até nós justamente porque parecem de carne e osso, e não apenas figuras construídas para exemplificar situações corriqueiras daquela era.
O conjunto aqui traduzido por Rubens Figueiredo traz alguns dos contos mais celebrados do autor russo, como “A Dama do Cachorrinho”, “Um Caso Médico” e “A Noiva”, entre outros exemplos da produção dos anos finais do escritor, já combalido pela tuberculose. São textos em que a arte da ficção breve alcança alguns dos pontos mais altos da história literária. E permanecem, ainda nos dias de hoje, como uma janela para sentimentos, sensações e pensamentos demasiado humanos, muitas vezes expressados com o silêncio mais eloquente.
“No entanto, pode-se dizer que, em regra, a significação e o teor crítico e emotivo das narrativas de Tchékhov decorrem menos de cenas ou enunciados explícitos que da relação entre a dimensão verbal e a realidade, entre o pensado e o vivido, entre o individual e o coletivo, entre um lado que fala e outro que não fala, mas pressiona em surdina. É justamente essa pressão que entreouvimos, de fato, nos contos”, escreve Rubens Figueiredo na esclarecedora introdução a este volume. Distantes do silêncio, as histórias de Tchékhov ainda prometem ressoar nos próximos séculos. Compre o livro "Últimos Contos", de Anton Tchékhov, neste link.
O que disseram sobre o livro
“As histórias de Tchékhov são tão maravilhosas (e necessárias) agora quanto no momento em que apareceram pela primeira vez […]. Ele produziu obras-primas, histórias que nos emocionam, assim como nos encantam e comovem, que expõem nossas emoções de maneiras que somente a verdadeira arte consegue fazer.” — Raymond Carver
“Que escritores me influenciaram quando jovem? Tchékhov! Como dramaturgo? Tchékhov! Como um escritor de histórias? Tchékhov!” — Tennessee Williams
Sobre o autor
Anton Tchékhov nasceu em 1860 em Taganrog, um porto no Mar de Azov, na Rússia. Após receber uma educação clássica em sua cidade natal, mudou-se para Moscou em 1879 para estudar medicina, diplomando-se em 1884. Ainda nos tempos de faculdade conseguiu sustentar sua família graças a histórias humorísticas, contos e esquetes publicados com enorme sucesso em diversas revistas e jornais. Estreou em livro em 1886, e no ano seguinte já receberia o prêmio Púchkin pelo seu segundo livro.
Suas histórias mais famosas foram escritas depois que retornou da temerária viagem à ilha de Sacalina. A montagem por Stanislávski de sua peça "A Gaivota", de 1898, consolidou sua fama no teatro, gênero em que deixou alguns dos mais importantes textos da história, como "Tio Vânia", "Três Irmãs" e "O Jardim das Cerejeiras". Com a saúde debilitada após contrair tuberculose, mudou-se para Ialta, onde entrou em contato com Tolstói e Górki, e seria nesta cidade na costa do Mar Negro que passaria o resto de seus dias. Em 1901, casou-se com Olga Knipper, atriz do Teatro Artístico de Moscou. Morreu em 1904. Garanta o seu exemplar de "Últimos Contos", escrito por Anton Tchékhov, neste link.
Trecho do livro
Pouco depois, já nem pensava mais em Serguei Sergueitch nem nos seus cem rublos. A madrugada estava silenciosa, sonhadora, muito clara. Quando olhou para o céu daquela noite enluarada, Podgórin teve a impressão de que só ele e a lua estavam acordados, tudo o mais dormia ou, pelo menos, cochilava; e no seu pensamento não havia nem gente nem dinheiro, e, pouco a pouco, seu estado de ânimo se tornou sereno, apaziguado, ele se sentiu unido àquele mundo e, no silêncio da madrugada, o rumor dos próprios passos lhe pareceu muito triste.
O jardim era contornado por um muro de pedras brancas. No lado que dava para o campo, no canto direito, havia uma torre, construída muito tempo antes, ainda na época da servidão. Embaixo, a torre era feita de pedra e, em cima, de madeira, com um patamar, tinha o telhado em forma de cone, com uma agulha comprida, na qual se via um negro cata-vento. No térreo, havia duas portas, de modo que era possível passar do jardim para o campo, e para cima, rumo ao patamar, havia uma escada que rangia sob o peso dos pés. Embaixo da escada, amontoavam-se velhas poltronas quebradas, e o luar, que agora penetrava pela porta, iluminava as poltronas, e elas, com suas pernas tortas e viradas para cima, pareciam ter ganhado vida de madrugada e ali, no silêncio, era como se estivessem à espera de alguém.
Podgórin subiu pela escada até o patamar e sentou-se. Logo depois do muro, havia uma vala com uma mureta, para marcar a divisa, e depois vinha o campo, vasto, iluminado pelo luar. Podgórin sabia que seguindo em linha reta, à frente, a três verstas do jardim, ficava o bosque, e agora ele tinha a impressão de estar vendo, ao longe, uma faixa escura. As codornas e as codornizes piavam; de vez em quando, do lado do bosque, vinha o canto de um cuco, que também estava acordado.
Soaram passos. Alguém caminhava pelo jardim, na direção da torre. Um cachorro latiu.
— Juk! — ordenou uma voz baixa, de mulher. — Juk! Para trás!
De baixo, veio o som de alguém entrando na torre e, após um minuto, surgiu na mureta o cão negro, velho conhecido de Podgórin. Ele parou, olhou para cima, para o lugar onde Podgórin estava sentado, e abanou o rabo com ar amistoso. Em seguida, após um breve intervalo, como uma sombra que saísse da vala escura, ergueu-se um vulto branco que também parou na mureta. Era Nadiejda.
— O que você está vendo lá? — perguntou ela para o cachorro, e se pôs a olhar para cima. Não estava vendo Podgórin, mas na certa sentia sua presença, pois sorriu, e o rosto pálido, iluminado pela lua, parecia feliz. A sombra negra da torre, que se estendia até bem longe, sobre a terra, pelo campo, o vulto branco e imóvel, com um sorriso de enlevo no rosto pálido, o cachorro preto, as sombras dos dois — tudo parecia um sonho…
— Alguém está lá em cima… — falou Nadiejda, baixinho.
Ficou parada, à espera de que Podgórin descesse ou a chamasse para junto dele e, afinal, se declarasse, e os dois seriam felizes, naquela madrugada linda e serena. Branca, pálida, esguia, muito bonita à luz da lua, ela esperava carinhos; seus constantes sonhos de felicidade e amor a consumiam, ela já não tinha mais forças para esconder seus sentimentos e toda sua figura, os olhos radiantes, o sorriso feliz e imutável, revelavam seus pensamentos secretos, e Podgórin ficou encabulado, retraiu-se, emudeceu sem saber se devia dizer algo que transformasse tudo em mera brincadeira, como era seu costume, ou manter-se calado, e então sentiu uma irritação e só conseguiu pensar que ali, naquele jardim, numa noite de luar, perto de uma jovem bela, apaixonada, sonhadora, ele se sentia tão indiferente quando na rua Málaia Brónnaia — e, sem dúvida, era por isso que, para ele, essa poesia era tão obsoleta quanto aquela prosa grosseira.
Obsoletos também eram os encontros ao luar, as figuras femininas brancas e de cinturas finas, as sombras misteriosas, as torres, os jardins e os “tipos” como Serguei Sergueitch, e também como ele mesmo, Podgórin, com seu tédio frio, sua irritação constante, sua incapacidade de adaptar-se à vida real, sua incapacidade de tomar da vida aquilo que ela podia oferecer, e com essa lamuriosa e enfadonha sede de algo que não existe nem pode existir neste mundo. E agora, ali sentado naquela torre, ele preferia uns fogos de artifício bonitos ou algum desfile ao luar ou Vária recitando de novo “A Estrada de Ferro” ou mesmo outra mulher que, de pé na mureta, lá onde agora estava Nadiejda, contasse algo interessante, novo, sem nenhuma relação com o amor nem com a felicidade e, no entanto, se falasse de amor, que fosse como um chamado para novas formas de vida, elevadas e racionais, cuja véspera já estamos vivendo, talvez, e que às vezes até pressentimos…
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