sexta-feira, 7 de julho de 2023

.: Livro "Ler Pessoa", de Jerónimo Pizarro, presta um tributo à pluralidade


A editora Tinta-da-China Brasil lança o ensaio "Ler Pessoa", de Jerónimo Pizarro, que presta um tributo à pluralidade de Fernando Pessoa, revelando como ler o autor a partir de seu vasto legado. Neste ensaio autor presta um tributo à pluralidade de Fernando Pessoa, revelando como ler Fernando Pessoa a partir de seu vasto legado e com a ajuda de leitores que vieram antes de nós: pesquisadores, editores, tradutores. 

Em diálogo com a tradição crítica, constrói um guia de leitura dos heterônimos Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, e dedica atenção especial ao Livro do desassossego, que os pesquisadores editam sem cessar com fragmentos deixados pelo escritor. Multiplicado em personas diversas ou unificado em autor genial, Fernando Pessoa se deixa conhecer pelos leitores instigados pela sua criação. Compre o livro "Ler Pessoa", de Jerónimo Pizarro, neste link.

Sobre o livro
Para alguns pesquisadores e críticos, Fernando Pessoa tinha uma unidade psíquica básica, um eixo de onde derivava uma miríade de figuras: ele era o próprio sol de um universo. Para outros, ele nem existiu - era um vácuo, um ser que tinha anulado a si mesmo, um corpo desencarnado estourado em mil sujeitos. 

Para um terceiro grupo de leitores pessoanos, o autor português foi, na verdade, um dramaturgo múltiplo, e para compreendê-lo era preciso olhar para os monólogos de cada personagem, a interação entre eles e todos os fios que os reúnem numa única teia.

Essa abundância de metáforas para tentar apreender o fenômeno Fernando Pessoa, este autor fundamental do século 20, atesta o enigma que ele deixou após sua morte: como entender um escritor de tantas facetas, que em vida publicou apenas um livro, "Mensagem", além de textos esparsos em revistas? 

Jerónimo Pizarro, grande especialista na obra pessoana e coordenador da Coleção Fernando Pessoa da Tinta-da-China Brasil, propõe em Ler Pessoa que, sim, Pessoa foi múltiplo, “mas também que nós – os críticos, os seus leitores – o continuamos a multiplicar e desdobrar de forma exponencial”. Ler Pessoa é, assim, esmiuçar a construção de Fernando Pessoa, por ele mesmo e pelos outros que vieram depois.

“Creio que Fernando Pessoa foi e não foi um, nenhum e cem mil. Creio que historicamente foi um, o homem que nasceu em 1888 e morreu em 1935, ainda que nesse lapso de tempo tenha vivido muitas vidas; penso que, literariamente foi um e nenhum, porque optou por atenuar a sua identidade autoral, de modo a assumir a das suas personagens; e julgo que postumamente é já cem mil e talvez milhões ou centenas de milhões, se tivermos em conta, sobretudo, a dimensão maciça da sua presença na internet. Quem é Pessoa?”

Ensaio crítico sobre a obra de Fernando Pessoa, "Ler Pessoa" apresenta em uma prosa clara, pontuada de histórias, exemplos e imagens de manuscritos, os principais conceitos em torno do escritor do autor português – como a discussão sobre sua pluralidade, os heterônimos que criou ao longo da vida e o processo de descobrimento, edição e publicação dos textos que Pessoa deixou guardados em um baú, ao morrer.

Além de compartilhar os pensamentos teóricos que embasam as discussões, Jerónimo Pizarro recorre aos próprios textos de Pessoa para traçar esse passeio pela obra do português. Em um dos capítulos, por exemplo, se debruça sobre o poema “Liberdade” e, por meio de uma análise límpida, explicita os caminhos que os pesquisadores e críticos percorrem tanto para entender quanto para propor uma edição de Fernando Pessoa – isto é, para ler Pessoa.

No volume, destaca-se o cuidado de Pizarro em contar a história da elaboração dos heterônimos e explicar esse conceito, discorrendo sobre o tema em um capítulo inicial e aprofundando suas especificidades em capítulos dedicados a cada um dos heterônimos – Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Diferentes das mais de cem máscaras poéticas elaboradas por Pessoa, os três se diferenciam com a etiqueta de heterônimos por serem “entidades com similivida própria, sentimentos que eu não tenho, opiniões que não aceito. Seus escritos são obras alheias, embora, por acaso, sejam minhas” – como os definiu em 1928, pela primeira vez, o autor português.

Nessa apresentação dos heterônimos e de sua criação, Pizarro propõe mais uma camada de leitura: ao mesmo tempo que trata de tais entidades pessoanas, o pesquisador ilumina aspectos centrais dos textos e de sua materialidade, isto é, do trabalho que é realizado para ler e editar Pessoa. Ele comenta, por exemplo, que “o arquivo pessoano é um universo em que coexistem textos assinados por Pessoa com textos com outras assinaturas, com textos sem nenhum tipo de atribuição (a maior parte); quer dizer, um arquivo que demonstra que o heteronimismo não era algo permanente e sistemático e que mesmo distinguir entre a produção de uma pessoa e de outra era, para o autor, um processo árduo”.

É o trabalho de investigação, decifração e análise desse espólio que subjaz todo o volume de "Ler Pessoa"; no trecho do livro dedicado aos heterônimos, nota-se um mergulho cada vez mais aprofundado nessa perspectiva crítica. Assim, o capítulo dedicado a Caeiro trata do célebre “dia triunfal” em que Pessoa teria escrito, de pé numa cômoda, “trinta e tanto poemas a fio, numa espécie de êxtase”. Esse mito é revisto à luz do que o arquivo pessoano revela:

“Nesse dia triunfal, que talvez tenha durado um mês, mas que Pessoa, retrospectivamente, converteu num só dia, surgiram primeiro Caeiro, depois Reis e, por último, Campos. Na ficção tudo foi veloz e semelhante a uma série sucessiva de epifanias; a realidade revelada pelo arquivo, no trabalho que revelam os manuscritos, Caeiro, Reis e Campos tiveram uma gestação relativamente lenta, pois surgiram primeiro alguns poemas anónimos e só depois se foram esboçando – na mente de Pessoa – os seus possíveis autores, com os nomes e os dados biográficos que hoje conhecemos.”

Já Álvaro de Campos é trabalhado como exemplo concreto da pesquisa empreendida em torno dos papéis manuscritos, datilografados e impressos de Pessoa no esforço de atribuir autorias. Em um passo adiante, adentrando mais fundo na demonstração da pesquisa, Pizarro trabalha no nível do texto no capítulo de Ricardo Reis, discutindo os desafios de distinguir o acabado do inacabado e de fazer escolhas entre variações de texto. Para isso, mostra originais de Pessoa, poemas atribuídos a Reis, em que textos datilografados e manuscritos estão cobertos de anotações a lápis, e na transcrição e explanação desses elementos Pizarro situa a problemática do leitor de Pessoa.

“Em princípio, um editor fará escolhas. Então, e isto é fulcral, o texto final passará a depender das escolhas que faça. O problema é que dois editores não farão necessariamente as mesmas escolhas. Daí que um poema possa ser ‘o outro’ e ‘o mesmo’ simultaneamente, como num livro de Jorge Luis Borges.

"Livro do Desassossego" - cuja segunda edição, por Jerónimo Pizarro, a Tinta-da-China Brasil acaba de publicar, é o exemplo culminante de uma obra para qual não existe uma edição “definitiva”; como afirma Pizarro no último capítulo de Ler Pessoa, dedicado ao Livro, na origem dessa obra máxima da prosa pessoana estão a incerteza e a multiplicidade.

“'O Livro do Desassossego', por exemplo, foi publicado quase cinquenta anos depois da morte de Pessoa, e não há duas edições que ofereçam o mesmo número de fragmentos, nem a mesma organização; nem sequer a mesma leitura de determinadas passagens. O Livro, que teve três autores (um real, Pessoa; e dois fictícios, Guedes e Soares), já teve mais de seis editores, e, por isso, quando nos referimos ao Livro, há uma pergunta que se impõe: a que Livro aludimos?”

O capítulo se afasta dos detalhes de texto e materialidade para pensar a própria composição do livro, que ficou em suspenso durante dez anos: distinguir bem as duas fases da escrita da obra e ler o Livro de forma cronológica, e não temática (como vemos na edição da Tinta-da-China Brasil), é a chave para captar sua grande descoberta poética, segundo Pizarro: a cidade de Lisboa. Ler Pessoa se encerra, assim, com esse livro “único, cativante, indispensável, que simultaneamente retrata [Bernardo] Soares e Lisboa, Lisboa e Soares, e ao fazê-lo nos permite conjeturar acerca de Pessoa”. Garanta o seu exemplar de "Ler Pessoa", escrito por Jerónimo Pizarro, neste link.


Sobre o autor
Fernando Pessoa  (1888-1935) é hoje o principal elo literário de Portugal com o mundo. A sua obra em verso e em prosa é a mais plural que se possa imaginar, pois tem múltiplas facetas, materializa inúmeros interesses e representa um autêntico patrimônio coletivo: do autor, das diversas figuras autorais inventadas por ele e dos leitores. Alguns desses personagens, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, Pessoa denominou “heterônimos”, reservando a designação de “ortônimo” para si próprio. Pessoa deixou uma obra universal em três línguas que continua a ser estudada.


Sobre Jerónimo Pizarro
Jerónimo Pizarro é professor da Universidad de los Andes, titular da Cátedra de Estudos Portugueses do Instituto Camões na Colômbia e doutor pelas Universidades de Harvard (2008) e de Lisboa (2006), em Literaturas Hispânicas e Linguística Portuguesa.  No âmbito da Edição Crítica das Obras de Fernando Pessoa, publicadas pela Imprensa Nacional Casa da Moeda (INCM), de Portugal, contribuiu com sete volumes, sendo o último a primeira edição crítica de "Livro do Desasossego"

Em 2010, a D. Quixote publicou "A Biblioteca Particular de Fernando Pessoa", livro que preparou com Patricio Ferrari e Antonio Cardiello, depois de os três coordenarem a digitalização dessa biblioteca com o apoio da Casa Fernando Pessoa. Em 2011, a Legenda publicou o livro Portuguese Modernisms in Literature and the Visual Arts, co-organizado com Steffen Dix. De 2011 a 2013, Pizarro foi o coordenador de duas novas séries da Ática (1. Fernando Pessoa | Obras; 2. Fernando Pessoa | Ensaística), contribuindo com mais de dez volumes. Atualmente, dirige a Coleção Pessoa da Tinta-da-China e da Tinta-da-China Brasil. 

Tem sido o editor convidado dos números monográficos de diversas revistas e é o editor-in-chief da revista académica internacional Pessoa Plural.  Recentemente publicou os livros de ensaios Ler Pessoa e Fernando Pessoa: A Critical Introduction. Em 2013, foi o Comissário da visita de Portugal à Feira International do Livro de Bogotá (FILBo) e ganhou o Prémio Eduardo Lourenço.


Sobre a Tinta-da-China Brasil
A Tinta-da-China Brasil é uma editora de livros independente, que publica o melhor da literatura clássica e contemporânea, além de livros de história, jornalismo, humor, literatura de viagem, ensaios, fotografia, poesia, a edição em língua portuguesa da mais importante revista literária da era moderna — a britânica Granta — e a mais bonita coleção de Fernando Pessoa em qualquer língua.

Fundada em 2005 em Portugal, a editora aportou no Brasil em 2012 e desde 2022 é controlada pela Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos dedicada à difusão da cultura do livro. 

Um dos maiores feitos literários do século 20, o "Livro do Desassossego" reúne centenas de fragmentos que oscilam entre diário íntimo, prosa poética e narrativa. Esta obra-prima de Fernando Pessoa, em nova edição pela Tinta-da-China Brasil, revela-se um retrato de Lisboa e de seu próprio retratista. 

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