quinta-feira, 27 de julho de 2023

.: Grupo Garagem 21 estreia versão feminista de "Dias Felizes"


O elenco é composto por Lavínia Pannunzio e Helio Cicero, em uma montagem influenciada pela linguagem de HQs e desenhos animados; direção é de Cesar Ribeiro. Foto: Bob Sousa


Inspirado no teatro de Tadeusz Kantor e na linguagem de HQs e desenhos animados, o grupo Garagem 21 segue em cartaz com o espetáculo "Dias Felizes", de Samuel Beckett, até este domingo,  dia 30 de julho, no Teatro Cacilda Beckett. A direção é de Cesar Ribeiro, com atuação de Lavínia Pannunzio e Helio Cicero, respectivamente, vencedores dos prêmios Shell e APCA; e Mambembe e Apetesp.

Uma das obras-primas do escritor irlandês ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1969, o texto traz a história de Winnie, uma mulher de 50 anos que dialoga de modo otimista sobre um passado glorioso e a esperança de dias melhores. Nessa condição precária, em um cenário desértico, ela se agarra às palavras e a seus últimos pertences para enfrentar a passagem do tempo e comandar seu universo de esperanças contraditórias com a realidade em que está inserida: além da imobilidade ao estar enterrada, a memória é falha, o sol é constante e seu marido permanece indiferente, ao fundo da cena, absorto na leitura de manchetes de velhos jornais.

Por meio dessa narrativa, a montagem aborda a desumanização, que condiciona grandes parcelas da população a uma cidadania de segunda classe: o isolamento, a escassez de recursos, a natureza hostil e a oposição entre os desejos de luta pela vida e desistência diante das adversidades configuram a obra como uma representação do abandono pelo Estado, pela coletividade e por qualquer suposta divindade organizadora. Mas como garantir a vida de milhões de pessoas vulneráveis socialmente sob uma realidade excludente?  

“Estado e coletividade, duas forças que buscam agir de modo complementar para corrigir as distorções sociais, não são entidades apenas falhas em Dias Felizes, e sim ausentes: em um território devastado, em que o sol nunca se põe, nenhum ser humano é visto há tempos e apenas há vida nas formigas que atacam Winnie e na montanha que engole sua carne, resta a ela e seu marido, Willie, a companhia um do outro”, explica Cesar Ribeiro sobre a montagem. 

Em cena, a relação entre os personagens também é de interdição e incompletude: mesmo em situação mais adversa do que seu companheiro, Winnie busca utilizar a linguagem como modo de enganar sua condição e seguir adiante. “Utilizando metateatro, é o estridente despertador que a acorda para o jogo cênico, como se fosse o terceiro sinal antes de iniciar um espetáculo; já o sol é representado pelos refletores, que iluminam a ação. E é nessa ação de ser vista e ouvida que compartilha a consciência de sua tragicomédia, buscando a palavra como modo de construção da única poesia possível, por conta dos impedimentos do corpo, e seu parceiro como um antagonista falho”, pontua o diretor. 

A proposta de montagem segue a investigação dos sistemas de violência característica do grupo Garagem 21: se em "Esperando Godot" é investigada a violência estrutural e em "O Arquiteto e o Imperador da Assíria" o foco está na violência cultural, em "Dias Felizes" o centro está nas imposições relacionadas à construção do feminino e na violência do patriarcado.

“A voz que se ouve na peça é de Winnie, que o tempo inteiro retorna à expectativa de felicidade enquanto narra possibilidades de afeto perdidas no passado e a aridez do estado presente. Ao mesmo tempo, como um quebra-cabeça, o texto vai remontando uma relação afetiva que começa com a ‘conquista’ seguida por imediato silêncio entre o casal, resultado de um marido presente fisicamente, mas sem nenhum grau de escuta e que apenas grunhe palavras incompreensíveis e, às vezes, algumas frase soltas ou pequenas respostas”, afirma Ribeiro. 

Como base teórica, a montagem utiliza obras como "Eichmann em Jerusalém", em que Hannah Arendt propõe que o mal, ao atingir grupos sociais, é político e ocorre onde encontra espaço institucional, gerando a naturalização da violência como processo histórico e sociopolítico; e "Calibã e a Bruxa", em que Silvia Federici investiga a opressão ao feminino a partir da chamada ‘caça às bruxas’ no período da transição para o capitalismo.

Esteticamente, a direção de arte busca a influência de princípios do cyberpunk e do steampunk, animações como "Persépolis" e "Ghost in the Shell", visual da industrial dance e moda futurista para compor um território devastado, representado na cenografia de J. C. Serroni por um vulcão carbonizado, enquanto os figurinos de Telumi Hellen e o visagismo de Louise Helène apontam para o indivíduo-máquina característico de alguns animes e a luz ostensiva de Domingos Quintiliano destaca o impiedoso sol do deserto em que estão os personagens. Já a trilha sonora é composta de alguns efeitos e rock clássico. Compre o livro "Dias Felizes", de Samuel Beckett, neste link.

Sinopse do espetáculo
Com Lavínia Pannunzio e Helio Cicero, a peça dirigida por Cesar Ribeiro é influenciada pela linguagem de HQs e desenhos animados e mostra a história de Winnie, mulher enterrada em um vulcão até a cintura que dialoga de modo otimista sobre um passado glorioso e a esperança de dias melhores enquanto tem ao fundo seu marido, absorto na leitura de velhos jornais.


Ficha técnica
"Dias Felizes" com o Grupo Garagem 21.
Projeto contemplado no Prêmio Funarte de Estímulo ao Teatro 2022. Texto: Samuel Beckett. Direção e trilha sonora: Cesar Ribeiro. Atuação: Lavínia Pannunzio e Helio Cicero. Direção de produção: Edinho Rodrigues. Cenografia: J. C. Serroni. Desenho de luz: Domingos Quintiliano. Figurinos: Telumi Hellen. Visagismo: Louise Helène. Produção executiva: Vanessa Campanari. Fotos: Bob Sousa. Registro em vídeo: Nelson Kao. Assessoria de imprensa: Canal Aberto - Marcia Marques. Realização: Grupo Garagem 21, Mecenato Moderno Produção Cultural, Brancalyone Produções e Prêmio Funarte de Estímulo ao Teatro 2022


Serviço
"Dias Felizes" com o Grupo Garagem 21. Até dia 30 de julho de 2023. Quintas a sábados às 21h e domingos às 19h. Local: Teatro Cacilda Becker (Rua Tito, 295. Lapa – São Paulo). Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Duração: 120 minutos (incluindo um intervalo de 15 minutos). Classificação: 12 anos | Gênero: tragicomédia. Vendas: https://www.sympla.com.br/produtor/diasfelizes e bilheteria do teatro.

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