sexta-feira, 7 de abril de 2023

.: MPB em festa: Secos e Molhados e os 50 anos do fenômeno musical


Por
 Luiz Gomes Otero, jornalista e crítico cultural.

Há 50 anos, o mundo da música vivenciava um dos fenômenos mais improváveis, proporcionado por um grupo que surgiu em São Paulo influenciado por várias vertentes do rock, da MPB e da literatura. O Secos e Molhados surpreendeu a todos com um emblemático álbum atemporal de estreia, que superou até o Rei Roberto Carlos nas vendas de discos naquela ocasião.

O ano de 1973 traz para nós a lembrança de um período do Brasil com um governo comandado por militares, que mantinha a sua mão de ferro na censura, procurando controlar tudo o que era divulgado em termos musicais. Mas nem mesmo isso foi capaz de impedir o fenômeno Secos e Molhados, que quebrou uma série de tabus e meio que desafiou a censura com um visual andrógino e uma música alicerçada na poesia que se produzia no Brasil e até no exterior.

O grupo foi liderado pelo músico João Ricardo, que começou a concretizar seu sonho influenciado principalmente pelo quarteto Crosby, Stills, Nash e Young e por vertentes de nossa MPB, em especial a Tropicália, além de alguns elementos de rock progressivo. Ele se uniu a Gerson Conrad, um amigo da adolescência e acabou conhecendo Ney Matogrosso, cujo potencial de voz impressionou logo no primeiro encontro.

Eles passaram o ano de 1972 ensaiando e se apresentando em São Paulo com relativo sucesso. E chamaram a atenção do empresário Moracy do Val, que trabalhou para levá-los até a gravadora Continental em 1973, para gravar o disco de estreia da banda. Por incrível que pareça, as demais gravadoras da época não se interessaram em lançar o material.

Quando entraram em estúdio, eles já tinham uma série de canções prontas. Se uniram com uma banda com Willy Verdaguer, Marcelo Frias e Johnny Flavin, entre outros. E os arranjos foram tomando forma em estúdio graças a atuação desses músicos. "Sangue Latino", "O Vira", "Rosa de Hiroshima", "Fala" (que tem arranjo de cordas feito por Zé Rodrix), "Amor" e "Primavera nos Dentes" são canções que até hoje são cultuadas por críticos e pelo público em geral, das mais variadas idades. As crianças e os mais idosos se identificaram com o som e as performances da banda.

"Rosa de Hiroshima", cuja letra é uma poesia de Vinicius de Moraes, logo virou um hit instantâneo, emocionando até mesmo o eterno poetinha da MPB. "O Vira" e a emblemática "Sangue Latino", esta última de João Ricardo com letra de Paulinho Mendonça, foram outros hits.

A capa do primeiro álbum foi outro fator que provocou impacto junto ao público. Foi ideia do fotógrafo Antônio Carlos Rodrigues fazer a foto dos integrantes com as cabeças na mesa, como se estivesse servindo a banda para o ouvinte. Na mesa foram colocados produtos que são encontrados nos antigos armazéns de secos e molhados.

O lançamento do grupo provocou um inexplicável fenômeno de massa. Talvez um dos últimos originados de forma espontânea na música. Além de vender mais discos naquele período do que o Rei Roberto Carlos, a banda ainda fez shows lotados no ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. E causava um frenesi onde quer que fosse se apresentar.

Eles usavam uma maquiagem inspirada no teatro kabuki do Japão. E vestiam roupas bem chamativas. Ney Matogrosso já dava os primeiros passos com danças e rebolados provocativos, muito embora sua voz fosse o elemento mágico que prendia realmente a atenção do público. Era impossível ficar indiferente ao ouvir as canções interpretadas por ele.

Essa formação ainda gravaria mais um ótimo disco em 1974, mas logo se separaria por questões internas e problemas de relacionamento entre os integrantes. Dos três, Ney Matogrosso foi quem desenvolveu uma carreira solo mais bem sucedida. João Ricardo ainda tentou reativar o grupo com outras formações. Mas nunca conseguiu repetir o incrível sucesso do início. Não por acaso, o disco de estreia é frequentemente citado por críticos como um dos melhores álbuns lançados no Brasil. E esse caráter atemporal do disco confirma que o trio estava certo na direção que decidiu tomar no estúdio, ao gravar as canções.

"Sangue Latino"

"O Vira"

"Rosa de Hiroshima"

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