Expoente do biografismo intelectual, alemão inclui pensadores com quem conviveu ou a quem encontrou pessoalmente ao menos uma vez.
Como René Girard tornou-se uma espécie de profeta do Vale do Silício? O que Jacques Derrida fazia com a cocaína que estudantes insistiam em lhe presentear? Qual impacto o cotidiano caótico de São Paulo teve sobre Lévi-Strauss? Como lidar com a complexidade de dialogar com alguém como Heidegger, marcado pela relação com o nazismo?
Essas e outras histórias transparecem em "Perfis", envolvente obra de Hans Ulrich Gumbrecht que chega agora pela editora Unesp aos leitores brasileiros. Nela, o intelectual alemão traça o perfil de grandes nomes das humanidades do século XX que encabeçaram importantes tendências da história recente da filosofia, como teoria crítica, estruturalismo, desconstrução e pós-historicismo, e com quem conviveu ou encontrou pessoalmente ao menos uma vez. A introdução e tradução é de Nicolau Spadoni.
Escritos entre 2018 e 2021, os textos que compõem "Perfis" foram publicados originalmente no jornal suíço Neue Zürcher Zeitung, um dos mais antigos diários em circulação e importante norteador do debate cultural em língua alemã. Desde antes, contudo, quando primeiro surgiram como ideia, os textos foram pensados para ganhar a forma de livro, o que acontece agora nesta compilação inédita. “Somente no formato livro é que os textos encontram sua verdadeira configuração”, escreve, no prefácio, o organizador da obra, René Scheu. “E é só neste tipo de livro que se revela toda a habilidade de Sepp (como Gumbrecht é conhecido por amigos) como um dos últimos eruditos de sua espécie. Em seus textos, sua maneira peculiar de pensar e de escrever - um estilo intelectual - encontra um fundo universal de cultura que parece não conhecer limites em amplitude e profundidade”.
Se em sua obra teórica Gumbrecht reflete sobre os conceitos de presença e materialidade, aqui ele busca justamente tornar presentes, por meio da linguagem, cada uma dessas figuras emblemáticas. Para isso, ele não só reconta suas trajetórias e seu impacto, mas também examina suas personalidades e até trejeitos em busca da raiz da originalidade de suas ideias. Assim, algumas das mais urgentes e complexas questões contemporâneas se apresentam de uma maneira próxima e pessoal.
“As histórias narradas, à primeira vista, chamam nossa atenção pela sua íntima pessoalidade. Por exemplo, quando Gumbrecht conta um comentário com contornos misóginos feito por Foucault à mesa de jantar, relata que os alunos de doutorado em Stanford deram envelopes com cocaína a Derrida, ou que Lyotard, durante o mês que passou em Siegen convidado por Gumbrecht, era visitado um fim de semana pela esposa e outro pela amante”, registra o tradutor da obra, Nicolau Spadoni. “Mas não se trata, é claro, de inserções gratuitas, sensacionalistas. Gumbrecht vem há tempos se consolidando como expoente do biografismo intelectual e Perfis mostra, justamente, que ele atingiu certo ponto de equilíbrio entre apresentar teses e, ao mesmo tempo, talvez de modo ainda mais importante, ‘tornar presente’ uma pessoa real (Gumbrecht aqui só escreve sobre autores que conheceu pessoalmente) e seu temperamento intelectual. Porém, acima de tudo, está em jogo a questão que, a meu ver, é central para o livro e perpassa todos os artigos, a saber: qual pode ser o futuro – se é que há um – das humanidades”.
Expoente do biografismo intelectual, o autor também faz um balanço do pensamento pós-guerra, cartografando uma era de pensadores que já chegou ao fim. Enquanto somos guiados por essas ruínas e consideramos o que aproveitar dessa experiência, vislumbramos um novo tipo de escrita, um possível caminho futuro para as humanidades. O que Gumbrecht propõe é nada menos do que uma revolução no modo como o intelectual público concebe e se conecta com seu mundo e seu tempo.
Sobre o autor
Hans Ulrich Gumbrecht é professor emeritus em Literatura da Universidade de Stanford e Presidential Professor de Literatura Românica da Hebrew University, em Jerusalém. Pela editora Unesp, publicou "Depois de 1945: Latência como Origem do Presente" (2014), "Nosso Amplo Presente: O Tempo e a Cultura Contemporânea" (2015), e "Prosa do Mundo: Denis Diderot e a Periferia do Iluminismo" (2022), além de ser coorganizador do livro "Uma Latente Filosofia do Tempo" (2021). Garanta o seu exemplar de "Perfis" neste link.
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