sábado, 7 de janeiro de 2023

.: Os sonhos de liberdade do passado emergem em “Uma Leitura dos Búzios”


A obra idealizada pelo Sesc São Paulo, com direção artística de Márcio Meirelles, colaboração de Cristina Castro e João Milet Meirelles e texto de Mônica Santana segue em temporada até fevereiro. Foto: Tiago Lima
 


Das cantigas do sagrado ao corpo cênico que pulsa. Um mergulho na história do Brasil nos leva ao levante popular baiano conhecido como Conjuração Baiana, Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios. O movimento é inspiração para o espetáculo “Uma Leitura dos Búzios”. A estreia aconteceu em novembro de 2022 no Teatro Antunes Filho do Sesc Vila Mariana e segue em cartaz até 12 de fevereiro.

Idealizado pelo Sesc São Paulo, no âmbito do Bicentenário da Independência do Brasil em 1822, “Uma Leitura dos Búzios” traz como proposta a discussão e contextualização a respeito desse movimento popular baiano. Além disso, confronta-o com o Brasil contemporâneo, por meio de temas como a independência, a democracia e as sementes e frutos da política e economia colonialista, bem como o legado delas na formação das desigualdades sociais, especialmente sobre o racismo e a manipulação da história.

“Convocados pelos ecos da história, optamos em conceber um espetáculo teatral que envolvesse e revelasse o racismo, a diversidade, outras independências. Que trouxesse o sabido e, também, o silenciado. Para tal, convidamos um trio: o diretor Marcio Meirelles, a diretora de movimentos Cristina Castro e o diretor musical João Millet Meireles. A eles se juntaram profissionais diversos, vindos por chamamentos públicos e por convites, sempre acompanhados de nossas equipes, também diversas”, comenta Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo. 

Com texto de Mônica Santana e encenação de Marcio Meirelles, o espetáculo é uma narrativa musical, coreográfica, videográfica e textual, com a palavra em coro, na qual todas essas linguagens se entrelaçam num discurso único. A forte presença da música percussiva e eletrônica traz uma verdadeira centrífuga sonora de sons afro-brasileiros para o palco, incluindo canções compostas por Jadsa e João Milet Meirelles (que também assina a direção musical do espetáculo).

Já a movimentação física e coreográfica dos atores, dirigidas por Cristina Castro, fortalece essa percepção de coletividade, incorporando elementos da dança contemporânea, de rua e afro-brasileira, reforçadas por imagens virtuais, num vídeo criado por Rafael Grilo que compõe o cenário da montagem.

A peça traz uma abordagem disruptiva sobre as questões da desigualdade racial no Brasil, a partir de um acontecimento de 1798, em que várias camadas sociais estiveram envolvidas, mas pelo qual somente os negros e pobres foram punidos e mortos. São 30 artistas simultaneamente em cena, apresentando uma visão crítica sobre os reflexos do colonialismo e do que foi a escravização no Brasil.  

A história vista a contrapelo neste espetáculo, questiona e apresenta um recorte da participação das mulheres negras escravizadas no levante popular. As atrizes Clara Paixão, Ella Nascimento, Nara Couto e a cantora Virgínia Rodrigues, assumem o papel de narradoras e conduzem os fios dessa trama.

De acordo com o encenador Marcio Meirelles, “Uma Leitura dos Búzios” não tem a pretensão de recontar a história do que foi o levante e sim tê-la como parte do processo de reflexão do que vivenciamos e herdamos. “É um discurso em que as personagens se fortalecem numa voz coletiva: os personagens surgem como corifeus de um grande coro. O texto conduz a um conjunto polifônico, seguindo uma perspectiva do que foi a própria conjuração. Grupos sociais plurais trouxeram suas próprias agendas para o embate e isso se expressa na encenação. O espetáculo faz ver e conhecer essa história passada, tomando posse das informações para compreender e agir sobre o presente. A forma e conteúdo da dramaturgia e da montagem anunciam e denunciam as dinâmicas de se contar e disputar a história do Brasil”, conta Marcio Meirelles.

O texto apresenta elementos épicos, traçando um olhar para a Revolta dos Búzios daquele distante século XVIII, cujas agendas de igualdade, liberdade e vida digna ainda reverberam no presente século XXI. Uma Leitura dos Búzios coloca em cena 27 atores e três músicos de diferentes regiões do Brasil, gerações e trajetórias, o que reforça a diversidade na montagem. 


Processo e construção
Em julho de 2022, o Sesc São Paulo abriu inscrições para o processo de criação de um espetáculo de teatro musical sobre a Conjuração Baiana, também conhecida como Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios. A proposta, criada pelo Sesc São Paulo, com direção de Marcio Meirelles, tem o intuito de promover uma discussão a respeito do levante histórico baiano, por meio de temas como o racismo e o apagamento da história do povo negro no Brasil, da democracia e das desigualdades sociais.

Foram 547 inscritos no total. Desses, 120 pessoas foram selecionadas e divididas em 4 grupos. Então, entre 16 e 26 de agosto de 2022, participaram de oficinas conduzidas por Alysson Bruno (percussão), Roberta Estrela D’Alva (voz e gesto), Eliseu Correa (dança urbana) e Tainara Cerqueira (dança afro). Todas as oficinas foram acompanhadas pelo diretor e equipe técnica. 

A partir dessas atividades, foram escolhidos 17 integrantes, que junto com outros 10 artistas convidados, hoje fazem parte do elenco do espetáculo. Toda a condução do processo foi do Marcio Meirelles, encenador, dramaturgo, cenógrafo e figurinista, diretor do Teatro Vila Velha de Salvador e da Cia. Teatro dos Novos (BA), com a colaboração de Cristina Castro e João Milet Meirelles. 

Compõem a equipe artística: Monica Santana, Gustavo Melo Cerqueira, Rafael Grilo, Adriana Hitomi, Grissel Piguillem. O elenco é composto por: Amaurih Oliveira, Angélica Prieto, Arara Xestal, Cainã Naira, Chica Carelli, Clara Paixão Sales, Clara Torres, David Caldas, Ella Nascimento, Emira Sophia, Igor Nascimento, Jackson Costa, Jhonnã Bao, Júlio Silvério, Loiá Fernandes, Lucas Tavlos, Lúcio Tranchesi, Marinho Gonçalves, Mario Alves, Nara Couto, Rafael Faustino, rodrigo de Odé, Sofia Tomic, Vagner Jesus, Vinícius Barros, Vinicius Bustani. Com a participação de Virgínia Rodrigues. A música ao vivo é executada por Caio Terra, Giovani Di Ganzá e Raiany Sinara. 


A musicalidade em cena
O trabalho sonoro e musical de “Uma Leitura dos Búzios” foi estabelecido desde o início do projeto com raízes e referências na tradição e na contemporaneidade da música negra brasileira e bahiense. Tem como pilares principais as músicas de santo dos candomblés Congo/Angola, Jeje e Ketu; a musicalidade dos blocos afro e a música negra contemporânea. Mas principalmente a percepção de que todas as sonoridades  presentes coabitam o mesmo tempo de agora. 

Com a participação de Virginia Rodrigues, Nara Couto e Jadsa, o espetáculo tem - em sua maioria - músicas autorais. As exceções são apenas as músicas de tradição banto trazidas por Virgínia. Alguns nomes como: o Ilê Aiyê, Olodum,  cantigas de santo que estão em formato fonográfico e trazidas pelos colaboradores, Saskia, Edgar, Speed Freaks, Black Alien, Baiana System, Taxidermia e tantos outros foram referências para a construção musical deste espetáculo. 

“É delicado o trabalho de olhar para nossa história através da música, da cena. É minucioso o trabalho de entendimento do sangue e corpos que forjaram nosso povo. Nossa condição. Nosso chão. Quem fomos e quem somos. E o que seremos? Esse momento de derramamento de sangue, de destruição completa em que vivemos, reflete o passado e o futuro possível. Esse é o espetáculo que busca a construção, a criação do sonho que já foi. Reinventa o sonho de hoje. Espera forjar uma luta ainda não totalmente entendida. As diversas camadas musicais refletem a complexidade do mundo real e seus possíveis caminhos”, contou João Milet Meirelles, diretor musical do espetáculo.  


Sobre a Conjuração Baiana
Revolta dos Búzios, também conhecida como Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates, foi um levante popular inspirado nos ideais da Revolução Francesa (1789 – 1799) e na Revolta de São Domingos, atual Haiti (1791 – 1804). O movimento político aconteceu em Salvador (BA), em 1798, e teve como estopim a crise socioeconômica que grande parte da população soteropolitana enfrentava, em contraposição à manutenção do controle da Coroa Portuguesa e prosperidade de donos de engenho e integrantes da alta burocracia da colônia. 

O levante iniciou com apoio das elites locais, insatisfeitas com o tratamento que a Coroa lhes dispensava. Elas viam no rompimento do pacto colonial uma possibilidade de aumentar os lucros, poder econômico e político. No entanto, essa parcela da população foi abandonando o movimento à medida que foi se popularizando e se radicalizando. Isso se deu pela participação de grupos, como os milicianos, artesãos e escravizados, que entraram com agendas e ideias como liberdade, igualdade e justiça, conferindo ao movimento contornos que poderiam pôr em xeque a manutenção de privilégios da elite.

A rebelião teve o envolvimento de nomes como o médico Cipriano Barata e o tenente Aguilar Pantoja, dentre outros que nunca foram devidamente investigados. Mas os principais representantes do movimento surgiram das camadas populares, especialmente da população negra. Destaca-se a atuação de Lucas Dantas (soldado), Manuel Faustino (aprendiz de alfaiate), Luiz Gonzaga das Virgens (soldado), João de Deus (mestre alfaiate) e Luíz Pires (ourives), que foram presos, enforcados em praça pública e esquartejados - exceto o último, que escapou e nunca foi encontrado - como consequência da dura repressão do governo de então.


Serviço
“Uma Leitura dos Búzios”
Temporada: 18 de novembro a 12 de fevereiro de 2023
Informações em www.sescsp.org.br/vilamariana 
Classificação indicativa:
14 anos
Duração: 110 minutos
Ingressos: R$ 12 (credencial plena), R$ 20 (meia), R$ 40 (inteira)
Venda de ingressos pelo portal sescsp.org.br e nas bilheterias da rede Sesc São Paulo. 

Sesc Vila Mariana | Informações
Endereço:
Rua Pelotas, 141, Vila Mariana - São Paulo
Central de Atendimento (Piso Superior – Torre A): terça a sexta, das 9h às 20h30; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h (atendimento mediante agendamento).   
Bilheteria: terça a sexta, das 9h às 20h30; sábado, das 10h às 18h e das 20h às 21h; domingos e feriados, das 10h às 18h.
Estacionamento: R$ 5,50 a primeira hora + R$ 2 a hora adicional (credencial plena: trabalhador no comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes). R$ 12 a primeira hora + R$ 3 a hora adicional (outros). 125 vagas.
Paraciclo: gratuito (é necessário a utilização travas de seguranças). 16 vagas
Informações: (11) 5080-3000 

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