“(Tiganá) Santana e (Omar) Sosa são dois espíritos inovadores da cena musical contemporânea que têm muito em comum. Eles estruturam complexas composições por meio de ouvidos sintonizados em suas respectivas cosmovisões advindas da África Subsaariana (Candomblé, no Brasil; e Santeria, em Cuba). Assim, textual e emocionalmente, eles falam às mesmas divindades ancestrais iorubanas, e são capazes de criar um diálogo da África consigo mesma, a partir de vários pontos de partida, portos de entrada e através dos mares. Um diálogo de conceito futurista e cósmico, embora contemporâneo em seu apelo, apoiado por um conjunto de instrumentos subsaarianos que adicionam urgência melódica ao discurso.” (Carlos Moore)
É desta maneira que o escritor, pesquisador e cientista social dedicado ao registro da história e da cultura negra Carlos Moore define a experiência ao escutar "Iroko". O novo álbum do compositor cubano Omar Sosa e do compositor e violonista baiano Tiganá Santana, é uma reverência em forma de música ao Orixá que presentifica aqueles que vieram antes e o que está por vir; uma saudação ao tempo que pontua histórias passadas e presentes para desenvolver um diálogo afrocentrado em um futuro comum.
Gravado no Brasil, no estúdio Gargolândia, em Alambari, São Paulo, o álbum, em formato exclusivamente digital, será lançado pelo Selo Sesc, a partir do dia 20 de janeiro nas principais plataformas de áudio e gratuitamente no Sesc Digital. Antes disso, o público já teve contato com a faixa "Bloco Novo", acompanhada de videoclipe gravado no interior de São Paulo e lançada em novembro de 2022, mês da consciência negra. Antecipando a sonoridade compartilhada pela união da dupla, a música convoca a todos para “refazer o afoxé do povo / quando a dor dominar / são as marcas de um bloco novo / que passará”. E vislumbra um futuro que diz respeito ao comum, partilhado em artes musicais – prática espiritual por excelência – ao ecoar “Afoxé vai traçar um destino altivo / pra minha gente morar / todo o medo já foi vencido / por ijexá”.
"Iroko" (do iorubá Íròkò) é guardião da ancestralidade e dos antepassados, é a força das variações meteorológicas e, ao mesmo tempo, floresta centenária. Ou o próprio coletivo de árvores grandiosas; seio da natureza que é morada de todos os Orixás; primeira árvore que se fez plantar na Terra. Em África, Iroko vive na árvore que leva seu nome. No Brasil, onde essa árvore não é nativa, foi-lhe atribuída a grandiosa gameleira branca. Em Cuba, é a “ceiba” - a sumaúma. Trata-se, na diáspora afro-brasileira, do Orixá que equivale, entre os que descendem dos bantos, ao Inquice Kitembu: o vento transformador, a vida, a morte, a árvore como o corpo do tempo.
O projeto do disco teve início com o encontro entre Omar e Tiganá, dois artistas negros afro-latinos ligados a tradições espirituais afrodiaspóricas, egressos de dois dos principais polos culturais negros fora da África subsaariana: Brasil e Cuba. Os artistas encontraram-se algumas vezes no Brasil e na Europa, sempre trocando informações quanto à possibilidade de gravar um álbum que explicitasse, por meio do diálogo entre suas obras, os pontos de encontro entre rítmicas, inflexões e criações afro-cubanas e afro-brasileiras com base em princípios artístico-musicais bantos (entre os Congos e Angola) e iorubanos (entre a Nigéria e o Benin). Tais culturas exerceram influência histórica muito relevante no Brasil e em Cuba e se fazem presentes nas suas manifestações culturais contemporâneas.
Composto por 11 faixas, o repertório engloba três canções em parceria ("Inner Crossing (Travessia)", "Black Frequencies" e "Time In Nature"), três de Tiganá ("Bolero de Flotación", "A Seiva da Gameleira Branca" e "Bloco Novo") e duas de Omar ("Moradía de Babalú" e "Y Loves"). Completam a lista três canções que são fruto da tradição oral africanas ("Iroko", "Muilo" e "Kitembu"). Como um todo, o álbum materializa-se com a amálgama do dedilhar de Sosa e Santana, ao piano e violão respectivamente, onde arroubos melódicos curtos e contidos abraçam um “experimentalismo” que lhes permite espaço para continuamente instigar o movimento. A voz de Tiganá, num cantarolar hipnótico, soma-se a percussão de Omar e, juntos, desafiam fronteiras e obliteram o tempo, pintando novos sonhos com as cores do possível e esculpindo as formas do amor e do desejo redescobertos.
A respeito do desenvolvimento das composições, Sosa define um processo orientado, sobretudo, pela espontaneidade e pela confluência de concepções: “Nós optamos por um caminho que foi, basicamente, o do encontro: Tiganá gravava o que sentia sem que eu escutasse, e eu gravava o que sentia sem que ele soubesse. Porém, ao nos encontrarmos para a gravação final, ficou bastante claro que nós compartilhávamos uma mesma ideia, que era a de uma reverência, uma homenagem, uma saudação a Iroko”. E Santana complementa: “Fazer um disco, para mim, faz sentido quando o ato não se resume a uma certa ideia pré-concebida a respeito do que seja música; quando é algo que parte de uma ação vital”.
Ao ter seu primeiro contato com a obra, a cantora e pesquisadora Fabiana Cozza clama para que palavras não interfiram nessa que é uma experiência de escuta, de música e, por isso, diz mais à pele do que aos tímpanos. “Aqui, a escuta possível é a dança da madeira, do aço, dos ossos, membranas de animais, palmas que mergulham em nós”, completa.
Em formato digital, "Iroko" tem lançamento previsto para o dia 20 de janeiro nas plataformas de streaming e no Sesc Digital e é acompanhado de um EPK sobre o processo de criação do álbum no Estúdio Gargolândia, em Alambari, no mês de fevereiro de 2022.
Tracklist:
1. "Iroko" (Domínio Público – arr. Omar Sosa) – piano e voz: Omar Sosa / percussão no bojo do violão e voz
2. "Bolero de Flotación" (Tiganá Santana) – violão-tambor e voz: Tiganá Santana /piano: Omar Sosa
3. "Muilu" (Domínio Público) – percussão corporal e voz // percussão corporal, cordas de piano e vozes: Omar Sosa / Participação especial dos pássaros, insetos e outros seres vivos, antecedendo a aurora, isto é, o nascimento de Muilu
4. "Inner Crossing (Travessia)" (Poema de Tiganá Santana e música de Omar Sosa) – piano, percussão e efeitos: Omar Sosa / voz: Tiganá Santana
5. "Moradía de Babalú" (Omar Sosa) – piano, percussão, efeitos e vozes: Omar Sosa / percussão e vozes: Tiganá Santana
6. "A Seiva da Gameleira Branca" (Tiganá Santana) – violão-tambor e voz: Tiganá Santana / piano, percussão e efeitos: Omar Sosa
7. "Black Frequencies" (Omar Sosa & Tiganá Santana) – piano, kalimba e efeitos: Omar Sosa / percussão e voz: Tiganá Santana
8. "Bloco Novo" (Tiganá Santana) – violão-tambor, percussão corporal e voz: Tiganá Santana / piano e percussão: Omar Sosa
9. "Kitembu" (Domínio Público) – percussão, percussão vocal e vozes: Tiganá Santana / percussão vocal e vozes: Omar Sosa / vozes em conversa: Manu, Pedro Altério e André
10. "Y Loves" (Omar Sosa) – piano e percussão: Omar Sosa / violão-tambor e voz: Tiganá Santana
11. "Time in Nature (Omar Sosa & Tiganá Santana) – vozes: Sol, Aves, Bois, Tiganá Santana, André Magalhães, Pedro Altério e Manu / piano: Omar Sosa
Produzido por Omar Sosa e Tiganá Santana.
Gravado em fevereiro de 2022 no Estúdio Gargolândia - Alambari (SP) por André Magalhães.
Mixado por Steve Argüelles at Plushspace, Paris.
Masterizado por Klaus Scheuermann.
Produção executiva: Mônica Cosas.
Arte da Capa: Criola
Design gráfico: Nilton Bergamini
Akassá Produções
Disponível a partir de 20 de janeiro nas plataformas de áudio e Sesc Digital.
Omar Sosa
Compositor e pianista cubano, Omar Sosa é um dos artistas de jazz mais versáteis da cena atual. Seu trabalho funde uma ampla gama de jazz, world music e elementos eletrônicos com suas raízes nativas afro-cubanas para criar um som urbano original. A trajetória musical de Omar Sosa o levou de Camagüey e Havana a turnês em Angola, Congo, Etiópia e Nicarágua nos anos 1980; a uma permanência nas comunidades afrodescendentes do Equador no início dos anos 1990; a uma presença estendida na cena de jazz latino da área da baía de São Francisco; ao seu envolvimento atual com artistas da França, Cuba, Brasil e várias nações do Norte, Oeste e Leste da África.
Tiganá Santana
Compositor, cantor, instrumentista, poeta, produtor musical, curador, pesquisador, professor e tradutor, Tiganá Santana iniciou seus estudos musicais de violão aos 14 anos em sua terra natal, Salvador (BA). Aos 16 anos já compunha em diferentes línguas africanas e europeias. Criou o seu próprio violão, que chamou de violão-tambor, com afinação, textura e disposição cordofônica próprias. Graduou-se em Filosofia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) - onde é professor do Bacharelado Interdisciplinar em Artes - e doutorou-se em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Foi o primeiro compositor a gravar como compositor e intérprete um álbum com canções em línguas africanas no Brasil, e foi eleito pela revista inglesa "Songlines" um dos dez principais músicos brasileiros da atualidade.
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