domingo, 22 de janeiro de 2023

.: Entrevista: Camilla Loreta, escritora e poeta fala sobre o primeiro romance


Por Helder Moraes Miranda, editor do portal Resenhando.com. 

“Sândalo Vermelho e os Gatunos Olhos Dela” marca a estreia da poeta Camilla Loreta como romancista. Lançamento da editora Urutau, o livro explora questões de ancestralidade e de linhagem materna. Por meio de uma linguagem que passeia entre os diários de viagem, o onírico e as conexões entre passado e presente, o romance gira em torno da travessia e do inconsciente da protagonista Léia Stachewski, que decide iniciar uma viagem de carro sozinha pelo Leste Europeu, rumo à Finlândia. Perdida em um território gelado, ela relembra momentos de sua formação no Brasil, origens familiares e motivações. Tem tudo para levar os leitores ao deleite estético e de inspiração. 

Camilla Loreta é formada em Audiovisual e História da Arte, em São Paulo. Pesquisa a escrita o corpo e a imagem através das artes gráficas e audiovisuais. Dirigiu dois curtas-metragens, “Clara” e “O Silêncio das Pedras”. Participou de diversas residências artísticas, entre elas: "The Artist Meeting", em Marianowo (Polônia). Atualmente cursa a pós-graduação do Instituto Vera Cruz para escritores de ficção. De vez em quando, surgem grandes artistas e grandes escritores. Camilla Loreta está entre esses e, nesta entrevista exclusiva, permite o leitor observar, mesmo que de longe, um pouco de sua alma criativa. Você pode comprar o livro “Sândalo Vermelho e os Gatunos Olhos Dela” neste link.


Resenhando.com -  O romance “Sândalo Vermelho e os Gatunos Olhos Dela” tem um título curioso. Pode explicar o porquê dele?
Camilla Loreta - O porquê talvez não possa explicar... Mas como foi a escolha: estava no ônibus, andando por São Paulo e o título brotou na minha cabeça, sem muito motivo. Ainda estava na metade da escrita do livro, não havia acabado, mantive o título. Fui entendendo se ficaria... e ficou. Apresentei o título para algumas pessoas e todas acharam que ele era forte e interessante, mais um motivo para manter. Obviamente ele tem conexões com a história, principalmente a parte que falamos sobre planetas, universo...marte e lua no céu! Acho que cada leitor pode tirar suas conclusões.

Resenhando.com - O livro explora questões de ancestralidade e de linhagem materna. O que a motivou a misturar esses dois assuntos?
Camilla Loreta - 
A viagem para Polônia que fiz foi a base da construção da narrativa. Tenho uma linhagem de ancestralidade, por parte da minha avó paterna, que tem suas raízes na Polônia pré-Segunda Guerra. Foi um caminho orgânico, não planejei que esses temas seriam centrais, apenas uma aceitação que era sobre isso que meu livro iria tratar. Acabou que pra personagem principal isso era um centro das transformações que ela estava passando com sua Avó e sua Mãe.

Resenhando.com - Como foi a transição entre poeta a romancista? 
Camilla Loreta - 
Não me parece que ouve transição, continuo sendo poeta, não parei de escrever poesia, e no romance eu exerci um caminho muito próximo do de quando escrevia poesia. A poesia toma tanto tempo, reescrita e releitura, quanto a prosa para mim.


O que difere, e o que se assemelha, entre uma e outra?
Camilla Loreta - 
Os processos não diferem tanto, é mais o resultado final que na página parece diferir. Eu costumo não separar os gêneros, e tem várias escritoras e escritores que pensam assim no contemporâneo.

Resenhando.com - O que é mais difícil para escrever: poesia ou prosa?
Camilla Loreta - 
Acho que os dois são igualmente difíceis, por motivos diferentes. Poesia tem um impacto gráfico, único, marcante, contínuo da palavra. A narrativa de prosa se infiltra no cotidiano, então precisa de toada, convencer o leitor a seguir. Para mim, escrever tem conexão direta com o inconsciente, na poesia essa conexão fique ainda mais explícita, pois meu processo inicial é num caminho do deixar aparecer, fluir, e depois trabalhar. Eu levei esse processo para a escrita de prosa, e acho que isso ajuda a manter uma certa linha estética do meu projeto de escrita.

Resenhando.com - A ideia inicial era fazer desse romance uma ficção científica. Por que a mudança?
Camilla Loreta - 
No começo eu ia escrever sobre Marte e Lua, mas ai as páginas começaram a fazer aniversário na minha gaveta de projetos, a história não continuava, parecia travada. Foi então que eu comecei a escrever sobre a Léia, e quando ela apareceu costurando as páginas que eu já tinha percebi que se tratava da história dela, e não de um mundo de ficção científica. Esse mundo mágico que circunda a história acabou por representar mais o interior da personagem do que o mundo fora dela.

Resenhando.com - Na sua própria literatura, em que você se expõe mais, e por outro lado, em que você mais se preserva, em seus textos?
Camilla Loreta - 
Não entendi muito bem a pergunta, mas acho vou responder pensando sobre autoficção. No caso desse livro não sinto que expus ou preservei nada, eu simplesmente escrevi algo ficcional, que tinha conexões com a minha vida, mas nada literal. No meu próximo projeto tenho um pouco mais de tensão nessas escolhas, deixei alguns fatos mais crus, mas mesmo assim acredito que tudo é ficção. Inclusive a realidade.

Resenhando.com - Quais livros foram fundamentais para a sua formação enquanto escritora e leitora?
Camilla Loreta - Tudo que li do Murakami. Acho que ele constrói bem personagens, e isso sempre me motivou. Assim como os livros do Paul Auster. Gosto muito do "Noite de Oráculo". Gosto muito de literatura asiática, "Kitchen", da Banana Yoshimoto, é meu livro favorito. Tudo que envolve comida me interessa. A poesia de Emily Dickinson é bem seminal para mim, assim como a Sophia de Mello Breyner Andersen. Aqui no Brasil, duas leituras me deixaram rastros internos que ainda analiso os caminhos até hoje, que foram "Um Defeito de Cor", da Ana Maria Gonçalves, e "Outros Cantos", da Maria Valéria Rezende.

Resenhando.com - Como e quando começou a escrever?
Camilla Loreta - 
Não lembro, tenho diários de criança, tenho poesias também, de criança. Sempre escrevi, acho que sempre foi um modo de lidar com as minhas tensões internas. Mas assumi que era escritora quando comecei a deixar essa face pública. Eu tinha um Tumblr, chamava "Tomar Um Sol C." e eu publicava poesias em conjunto com fotos. Eu gosto muito dele, ainda hoje, acho que tudo que sou mora naquele começo. Eu me sentia muito livre, isso é importante para a literatura. Hoje em dia penso muito no depois e isso me trava constantemente.

Resenhando.com - Quais escritores mais influenciaram a sua trajetória artística e pessoal?
Camilla Loreta - 
Carola Saavedra, sem dúvida, pois ela me mostrou que eu poderia ser escritora, mesmo sendo mulher, mesmo parecendo que não era possível. Nos conhecemos num curso que ela ministrou, depois nos tornamos amigas por conta de compartilhamentos de visão sobre o mundo espiritual. Natália Zucalla, pois iniciamos nossa trajetória como escritoras ao mesmo tempo (mais ou menos) e publicamos pela mesmo editora, e isso nos deu possibilidade de trocar e conversar sobre um momento que é bem delicado, agradeço muito por isso. E por fim Gabriela Aguerre, por ser a melhor leitora que conheço, sempre me direcionou com sinceridade e afetos acolhedores.

Resenhando.com - O quanto para você escrever é disciplina? É mais inspiração ou transpiração?
Camilla Loreta - 
É uma mistura, tem de tudo. Tem trabalho, tem insights, tem crise, tem procrastinação, tédio, amor, raiva. Tem de tudo. Quando lemos os diários de escritoras por ai temos a dimensão que escrever é como dar murros (parafraseando Susan Sontag) não é bonito, nem agradável, mas libera certas energias que são importantes para nossos processos enquanto seres humanos.

Resenhando.com - Quanto tempo por dia você reserva para escrever?
Camilla Loreta - 
Depende da época. Na época de "Sândalo", eu ficava no meu espaço de trabalho umas três horas por dia, escrevi com intervalos intermitentes. Foram cinco anos no total, então tive momentos de pausa longa. No caso desse novo romance que estou escrevendo, que ainda não sei dizer bem sobre, costumo ficar uma hora por dia, mas as vezes eu só encaro a parede.

Resenhando.com - Você tem um ritual para escrever?
Camilla Loreta - 
Nem sempre. Mas costumo tentar fazer algo com o corpo antes de sentar. Eu fiz algum tempo de aulas de corpo, dança, e isso costuma a me ajudar a liberar.

Resenhando.com - Qual o mote que faz você ficar mais confortável para escrever?
Camilla Loreta - 
Liberdade e companheirismo. Ter companhia é muito importante, não a todo momento, mas tenho muitas amigas que envio os textos de tempos em tempos para conversar, amigas escritoras. Isso muda bastante algumas coisas, principalmente a sensação que o texto tem um caminho público, que ele pode pertencer ao mundo.

Resenhando.com - Em um processo de criação, o silêncio e isolamento são primordiais para produzir conteúdo ou o barulho não lhe atrapalha?
Camilla Loreta - 
Não sou capaz de produzir com sons que me distraem, mas não são todos que me distraem. Sons de pássaros, água, tráfico longínquo são sons constantes, não me incomodam. Me parece que para alguma pessoas o barulho não é uma escolha, ou vai com barulho ou não se escreve nada, por isso eu diria, escreva mesmo assim, uma hora você alcança um espaço mais adequado, mas não pare de escrever por isso.

Resenhando.com - O que há de autobiográfico nos textos que escreve?
Camilla Loreta - 
Uma resposta sem muita resposta, tudo e nada. No fundo toda pessoa que cria usa o que tem para criar.

Resenhando.com - Hoje, quem é a Camilla Loreta por ela mesma?
Camilla Loreta - 
Uma jovem escritora, que ama a floresta, e espera um dia poder aproximar sua conexão com a escrita de forma tão livre como a água corre pelos rios.


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