domingo, 15 de janeiro de 2023

.: Entrevista: Alexandre Arbex fala sobre a normalidade narrativa


Por Helder Moraes Miranda, editor do portal Resenhando.com. 

Alexandre Arbex é autor do livro de contos “Pessoas Desaparecidas, Lugares Desabitados”, lançado pela editora 7Letras, que reúne 30 contos curtos que mesclam uma pretensa normalidade narrativa com situações insólitas. Ele já foi finalista na categoria contos no Prêmio Jabuti com o livro "Da Utilidade das Coisas". Também foi finalista do Prêmio Off Flip duas vezes e levou o terceiro lugar no Prêmio Rubem Braga de Crônicas, do Sesc, em 2015.

Leitor de literatura latino-americana, do realismo mágico até os contemporâneos, ele nasceu em 1980, em Resende, no Rio de Janeiro, mas cresceu na capital, onde morou até 2009. Desde então, vive em Brasília. Tem contos publicados na revista Gueto e no projeto Máquina de Contos. Nesta entrevista exclusiva, Alexandre Arbex fala sobre a arte que produz e mostra a que veio. Você pode comprar  “Pessoas Desaparecidas, Lugares Desabitados” neste link. 

Resenhando.com - Dentro do contexto do livro, o que seriam “Pessoas Desaparecidas" e " Lugares Desabitados”? 
Alexandre Arbex - As histórias centradas em personagens têm a forma de verbetes biográficos que se dissolvem na morte ou na perda de paradeiro dos protagonistas, ao passo que as histórias sobre lugares – reinos, ilhas, casas – se descolam pouco a pouco da realidade até tornar puramente ficcionais os espaços físicos onde os acontecimentos se passam.

Resenhando.com - Por que um título tão curioso?
Alexandre Arbex - Acho que o título contempla a maioria dos personagens e dos cenários dos contos que integram o livro. 


Resenhando.com - O que o levou a misturar uma pretensa normalidade narrativa com situações insólitas?
Alexandre Arbex - Gosto do efeito de contraste resultante da conjunção entre, de um lado, um estilo desassombrado e cartorial, com pretensões explicativas, e, de outro, uma situação absurda, uma aberração lógica: o discurso pedagógico às vezes serve como instrumento de normalização do horror. Por mais delirante ou indigno que seja um fato descrito, basta atrelá-lo a uma explicação (ou a um discurso com a aparência formal de uma explicação, estabelecendo causas e efeitos) para torná-lo palatável, para satisfazer as exigências da razão. De modo geral, os nossos critérios de racionalidade se prendem muito mais à forma que ao conteúdo.

Resenhando.com - Você nasceu no Rio de Janeiro e hoje vive em Brasília. De que maneira esses dois ambientes, quase antagônicos, refletem na sua escrita?
Alexandre Arbex - Hoje, depois de 13 anos de Brasília, acho que minha escrita reflete muito mais a experiência de vida na capital federal que o Rio de Janeiro idealizado pelo meu saudosismo. Além disso, comecei a escrever ficção, para valer, aqui em Brasília. Acho que o ambiente burocrático, a geometria despovoada da cidade e a aridez do cerrado têm influído tanto sobre o estilo quanto sobre os temas dos meus contos.


Resenhando.com - O que representa a literatura em sua vida?
Alexandre Arbex - A literatura tornou-se, para mim, uma necessidade orgânica, impositiva, a tal ponto que, mesmo se minha escrita se revelar futuramente um fracasso absoluto, eu continuarei a escrever.

Resenhando.com - Na sua própria literatura, em que você se expõe mais, e por outro lado, em que você mais se preserva, em seus textos?
Alexandre Arbex - Acho que me exponho completamente no que escrevo, pelo pior lado possível, mas com uma discrição escrupulosa que me permite preservar alguma integridade. De todo modo, me parece que todos os escritores produzem ficção a partir de suas próprias vidas e criam personagens a partir de si mesmos: o que lhes permite preservar-se mais ou menos é o distanciamento artificial que o estilo e o “contrato” ficcional criam em torno da história contada.

Resenhando.com - Que conselhos você dá para as pessoas que pretendem enveredar pelos caminhos da escrita?
Alexandre Arbex - A gente sempre começa tarde demais.

Resenhando.com - Quais livros foram fundamentais para a sua formação enquanto escritor e leitor?
Alexandre Arbex - "Dom Quixote", "As Viagens de Gulliver" e "Cem Anos de Solidão".

Resenhando.com - Como e quando começou a escrever?
Alexandre Arbex - Comecei a escrever ficção, de modo mais assíduo e determinado, depois dos 30 anos de idade.

Resenhando.com - Quais escritores mais influenciaram a sua trajetória artística e pessoal? Alexandre Arbex - A literatura latino-americana do século XX: Borges, García Marquez, Silvina Ocampo, Alejo Carpentier e, mais recentemente, Roberto Bolaño e Mariana Enriquez. Em língua portuguesa, Machado de Assis, gênio absoluto, Eça de Queiroz, Guimarães Rosa, Saramago e Agustina Bessa-Luís, cuja prosa é insuperável. Entre os clássicos, Cervantes, Swift, Dickens, Tolstói, Kafka e Proust. E tudo de Primo Levi.

Resenhando.com - É difícil ser escritor no Brasil?
Alexandre Arbex - Depende de como se quer viver como escritor, mas, de modo geral, não é algo viável em nenhum lugar.


Resenhando.com - Dá pra viver de literatura no Brasil?
Alexandre Arbex - De novo: depende de como se quer viver. No Brasil, acho que a simples possibilidade de ter a atividade literária como horizonte de futuro exprime já (com raras exceções) uma inserção socioeconômica relativamente segura. A literatura não é, definitivamente, uma atividade marcada pela urgência material da sobrevivência: quando uma pessoa dispõe de tempo para escrever, provavelmente a questão da sobrevivência está resolvida para ela ou, ao menos, equacionada de modo estável no médio prazo. Dito isso: pelas características do mercado editorial brasileiro, acho difícil que um(a) escritor(a) possa, vivendo apenas de literatura, garantir as condições materiais necessárias (incluindo, aí, o “ócio”) ao desenvolvimento de uma atividade literária concebida como trabalho exclusivo. Quando se tem filhos, família ou outros compromissos sociais, além disso, o tempo encurta, os encargos materiais aumentam e as brechas para o exercício da escrita se tornam mais escassas e estreitas.

Resenhando.com - O quanto para você escrever é disciplina? É mais inspiração ou transpiração?
Alexandre Arbex - Em termos de tempo, é muito mais disciplina e transpiração. Mas a inspiração é essencial, muito embora também ela possa ser fabricada.

Resenhando.com - Quanto tempo por dia você reserva para escrever?
Alexandre Arbex - Tento escrever todos os dias, às vezes menos de uma hora, às vezes um pouco mais, mas não passa disso.

Resenhando.com - Você tem um ritual para escrever? 
Alexandre Arbex - Geralmente, leio algum romance ou conto que esteja me ajudando a sanar as dificuldades que encontro na produção de um texto específico – e faço um café. Às vezes, à noite, saio para caminhar.

Resenhando.com - Qual o mote que faz você ficar mais confortável para escrever?
Alexandre Arbex - Tendo a me sentir menos confortável ao escrever algo sentimental.

Resenhando.com - Em um processo de criação, o silêncio e isolamento são primordiais para produzir conteúdo ou o barulho não lhe atrapalha?
Alexandre Arbex - Quando se pode escolher, o silêncio e o isolamento são preferíveis ao barulho, porque a escrita exige uma capacidade de abstração da realidade que é precondição para a imersão ficcional. Mas às vezes uma boa ideia se impõe no meio da rua, e é preciso correr agarrado a ela até o papel, a tela ou o gravador mais próximo.

Resenhando.com - O que há de autobiográfico nos textos que escreve?
Alexandre Arbex - Não há nada deliberadamente autobiográfico, mas acho que tudo na escrita pertence de uma forma ou de outra à minha vida.

Resenhando.com - Por qual de seus livros - ou personagem - você sente mais carinho?
Alexandre Arbex - Do último livro, tenho carinho especial por todos os personagens que receberam um nome. Do anterior, por todos que conheci.

Resenhando.com - Hoje, quem é o Alexandre Arbex por ele mesmo?
Alexandre Arbex - Dostoievski disse, nas “Memórias do subsolo”, que nenhuma pessoa que se conhece bem pode ter estima por si mesma.


3 comentários:

  1. Excelente entrevista. Desperta curiosidade pelo autor. Quero conhecer!

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  2. Parabéns pelo livro e pela entrevista.

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  3. Parabéns! 👏🏿👏🏿💖

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