Encenada desde 2020, um pouco antes de a pandemia assolar o mundo, o espetáculo “Eu, Romeu” estreia em São Paulo, na Sala Augusto Boal - Teatro de Arena Eugênio Kusnet, apresentando um outro universo para o personagem Romeu, do clássico "Romeu e Julieta", de William Shakespeare.
De 6 a 29 de janeiro, o ator Marcos Camelo apresentará a história que transita pela vida real de um ator do subúrbio carioca que provavelmente não teria a chance de estar dentro do personagem criado pelo escritor inglês. O solo narrativo mistura música, teatro, circo em comunicação direta com a plateia, com a finalidade de um teatro de extrema intimidade com cada pessoa. Sextas e sábados às 20h, domingos às 19h, com ingressos a R$ 40 e R$ 20 (meia-entrada).
A tragédia mais amada de William Shakespeare se mistura à recorrente tragédia dos subúrbios do Rio de Janeiro, onde o CEP de um indivíduo determina os acontecimentos de sua vida, até onde este pode ir e o tamanho de suas conquistas. Transpor essas barreiras equivale a uma verdadeira odisseia, uma constante luta desigual para afirmar sua potência, alcançando seus objetivos e sonhos.
Em cena, Marcos Camelo sintetiza através do corpo a dicotomia de ter a cabeça em Verona, dividida entre Montéquios x Capuletos, e os pés em Rocha Miranda, bairro da Zona Norte carioca, localizado entre Morro do Jorge Turco e o Morro do Faz Quem Quer, trazendo à cena a história de heróis perdedores, daqueles que fazem o que podem com o que são e que com honra, dignidade e bom humor ousam sonhar, lutar e quase sempre perder.
Segundo Marcos, o espetáculo traz o desafio de um teatro vivo, interessado em tocar as pessoas, proporcionando uma experiência intima e pessoal, ultrapassando a facilidade do individualismo que aflige a todos nos dias atuais. Ele se utilizou de duas premissas para construir o espetáculo: um assunto que precisamos falar e um acontecimento que precisamos celebrar.
Daí a ideia de contar a conhecida tragédia de Shakespeare sob a perspectiva de um ator que muito provavelmente não seria escalado para protagonizar uma montagem clássica de Romeu e Julieta. “A inspiração para o espetáculo partiu do quanto estão estruturados na sociedade os sistemas pré-determinados que impõe limites aos cidadãos devido a sua ascendência, a cor de pele, cep e cultura”, avalia.
E onde o Romeu de Shakespeare encontra o Romeu de Marcos? Marcos só se encontra com Romeu na intensidade com que vive a paixão adolescente. Se por um lado Romeu se sente livre para invadir a festa de uma família da alta sociedade de Verona, onde não era convidado - e também, sabidamente não era bem vindo - , para o jovem do subúrbio/periferia do Rio de Janeiro e, de modo geral, do Brasil a resposta à sua paixão é “NÃO”.
Os estereótipos e a regionalização das oportunidades estão no palco, além das barreiras físicas e reservas de mercado. Celebrar a insistência petulante dos improváveis, a paciência dos que não se encaixam e exaltar a teimosia. O espetáculo "Eu, Romeu" apresenta uma dramaturgia autoral e contemporânea, mesclando Romeu e Julieta a acontecimentos da vida de seu intérprete, tornando-os intrinsecamente ligados e apontando que no cotidiano real a cor e a origem de um indivíduo podem tornar sua trajetória trágica. “Schopenhauer certa vez escreveu que vida e sonho são páginas do mesmo livro. E que folheá-las corresponderia a sonhar. Em cena um ator lança mão de tudo o que é - e tem - para fazer com que o espectador brinque com este livro mesmo acordado. Um ator que é o início e o fim de todas as ações”, diz.
O espetáculo, premiado em vários festivais pelo Brasil, já circulou por Goiás, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul e Amazônia. O que o público de São Paulo pode esperar do espetáculo? “Um artista que fala de si para falar do mundo, um espetáculo divertido, provocador que tem a cara do nosso povo. É Shakespeare do hip hop ao samba”, responde Marcos.
O que Marcos diria para Shakespeare em um encontro informal? A resposta é: “Que a provocação de Hamlet tocou um cidadão do subúrbio do Rio de Janeiro - O “Ser ou não ser” existir ou não existir e, em última instância, viver ou morrer. Me fez perceber o quanto eu precisaria me esforçar para Viver, com V maiúsculo e não simplesmente caminhar pelo mundo por um determinado período de tempo já um tanto sem vida, um tanto morto”.
Montagem
Cenário e figurino funcionais que se tornam aparelhos, sendo utilizados em construções de imagens fantásticas, ressignificação do espaço, criando códigos e levando o trabalho do estado do ator para além do seu corpo, ampliando a experiência estética. A iluminação oferece o suporte adequado à linguagem proposta, transitando entre a neutralidade, que reforça um teatro a partir do ator, para uma luz forte e intensa, apoiando a poesia e dramaticidade construída quase que artesanalmente pelo artista em cena.
Sobre a Adorável Companhia
Companhia formada por uma bailarina\acrobata e um ator\palhaço: Cecília Viegas e Marcos Camelo. Criada para satisfazer o desejo por uma autonomia artística e por uma cena autoral, multidisciplinar numa linguagem popular e ao mesmo tempo sofisticada.
Circo, Teatro e dança na construção de uma estética que torne o acontecimento teatral uma experiência única. A sede da companhia é no quintal da casa deste casal, em Guapimirim, Baixada Fluminense, onde foi montado o primeiro espetáculo do grupo, o infantil Nosso Grande Espetáculo, em 2017.
Este já foi encenado no Paraná, Goiás, Tocantins, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Temporada em Copacabana, teatro Glaucio Gill, em abril de 2019. A TV Brasil registrou o espetáculo que virou o especial de TV Palhaçaria. Foi selecionado no edital Primeiros Olhares dos Doutores da Alegria (SP) para apresentações em hospitais públicos. Em março de 2020 estrearam o espetáculo adulto solo narrativo: “Eu, Romeu” em Goiânia no Sesc Centro.
Marcos Camelo
Nascido e criado no subúrbio do Rio de Janeiro, de uma parte da cidade sem biblioteca, cinema, teatro ou qualquer outro espaço para produção e consumo de cultura. A experiência de ver, ouvir e contar histórias, festas populares, onde a dança, o jogo e a brincadeira o levaram ao teatro. Do teatro para o palhaço e o circo foi um pulo.
Formação, técnica, treinamento e pesquisa para que a cena seja o lugar de estar junto e construindo uma realidade alternativa à dureza do dia a dia e sendo ainda uma experiência estética única, arrebatadora e transformadora. Este é Marcos Camelo, ator formado na Escola Estadual Martins Pena, ex-integrante dos Doutores da Alegria, Fundador e Palhaço do Grupo Roda Gigante, diretor do premiadíssimo Acorda Amor, da Cia. Quatro Manos, e Diretor Artístico da Adorável Companhia. Atuou nos espetáculos: “Inventário”, "Os Fabulosos" (Os Fabulosos), "Contos do Mar" (Cia 4 Manos), "Nosso Grande Espetáculo", "TV Brasil Especial Palhaçaria". Protagonista da série "A Liga do Natal", em 2020.
Cecília Viegas
Nascida em Vila Isabel, Zona Norte do Rio de Janeiro. Decidiu ser bailarina desde os três anos de idade e assim foi de alma e corpo. Formou-se na Escola Estadual de Danças Maria Olenewa que lhe deu oportunidade de trabalhar como corpo de baile no Theatro Municipal do Tio de Janeiro em temporadas de "Giselle", "La Bayadere", "Lago dos Cisnes", "A Bela Adormecida" e "O Quebra Nozes".
Com Licenciatura em Ciências Biológicas, no circo encontrou um lugar para realização artística com infinitas possibilidades de reinvenção, ressignificação, além de ser um potente transformador social enquanto ferramenta de arte educação. Fundou seu projeto social, Flutuarte, em Guapimirim, pelo qual recebeu Moção de Honra pelo Conselho Tutelar de Guapimirim e Homenagem do Fórum Cultural da Baixada Fluminense. Buscou formação em pedagogia do circo, fundou a Adorável Companhia com Marcos Camelo para possibilitar sua pesquisa de circo, teatro e dança de forma autoral acreditando que a arte é a melhor ferramenta para inspirar pessoas a serem protagonistas de um mundo que está em permanente construção.
Ficha técnica
"Eu, Romeu". Elenco, roteiro e figurino: Marcos Camelo. Direção artística, argumento e pesquisa de aparelho: Cecília Viegas. Iluminação: Júlio Coelho.
Serviço
"Eu, Romeu". Temporada: de 6 a 29 de janeiro de 2023. Local: Sala Augusto Boal - Teatro de Arena Eugênio Kusnet - Rua Doutor Teodoro Baima, 94 , República. Telefone: (11) 3259-6409. Apresentações: sextas e sábados, às 20h. Domingos, às 19h. Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada). Duração: 60 minutos. Classificação: 14 anos. Gênero: Teatro Narrativo. Capacidade: 99 lugares.
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