Por: Mary Ellen Farias dos Santos
A história do menino desobediente que quando mente faz o nariz crescer ganhou uma nova roupagem nas mãos do diretor Guillermo del Toro, a mente brilhante de "O Labirinto do Fauno", "A Forma da Água" e "O Beco do Pesadelo" que tem agora, ao lado, Mark Gustafson
. "Pinóquio por Guillermo Del Toro", produção da Netflix que soma 1h 57m, começa com uma história de pai e filho, migra para a magia, esbarra na história do menino que está aprendendo tudo e desobedece ao pai, seu criador, Gepeto, chegando a ser escravizado, mas também consegue ser engajado, pois a animação com toques sombrios, explora temas profundos e ainda aborda a opressão fascista. Não há como negar que a versão de del Toro e Gustafson
para "Pinóquio" é a grande surpresa no gênero em 2022.
A fantasia musical, ambientada na Itália, narrada pelo escritor Sebastião O. Grilo (Ewan McGregor, que é mais uma vez um literato igual em "Moulin Rouge") começa com a triste história da perda de Gepeto, quando a Grande Guerra tirou-lhe Carlo, seu filho amado, com quem só passou 10 anos. Sem motivo para viver, o pai entrega-se ao vício da bebida e deixa o trabalho caprichoso na marcenaria de lado, a ponto de não concluir o crucifixo da igreja local. Mesmo sabendo que "quando uma vida se perde, outra deve crescer", não consegue deixar de lamentar a partida precoce do menino.
Num dia de fúria, Gepeto derruba o pinheiro que em anos nasceu bem perto da sepultura de Carlo e leva o tronco para casa. É justamente assim que o Grilo entra na história, pois ele tinha se instalado na árvore cortada. Desesperado e raivoso, passa a noite esculpindo o filho. Sem forças e após ter bebido além da conta, desmaia e a magia acontece com a Fada da Floresta, uma guardiã que cuida das coisas pequenas, esquecidas e perdidas (azul, meio fada, esfinge e peixe, o que é um tanto que assustador), dando imortalidade para a criação do marceneiro.
Qual é a máxima dela para que o Grilo cuide e faça Pinóquio ser bom? "Neste mundo você recebe, o que dá". Interessado em publicar as próprias memórias que está anotando, o bichinho que vive na madeira em que o menino foi esculpido, logo fecha o trato. Com o toque do ser azul, a personalidade de Carlo passa para o garotinho de madeira, mas como nem tudo é exatamente igual, Pinóquio tem muita curiosidade em aprender sobre tudo, ainda que sempre diga amar as coisas novas que desconhece -incluindo o que é ruim.
Outra sequência um tanto que estranha é quando Pinóquio conhece Gepeto, andando feito aranha, remete ao incrível "Coraline e o Mundo Secreto", do autor Neil Gaiman, com direção e roteiro de Henry Selick. Em meio ao desejo de conhecer tudo, o menino de madeira, praticamente destrói toda a casa do marceneiro. Interessante analogia. Afinal, a chegada de uma criança numa casa, de fato, muda o ambiente mesmo. Enquanto que Pinóquio chama Gepeto de papai, o marceneiro reluta em retribuir e não o chama de filho.
Ao ir para a igreja, o pai tranca o filho, mas Pinóquio é desobediente que ao andar pelas ruas locais destaca um anúncio numa parede que prega "Crer, obedecer, combater", o lema do fascismo. Desengonçado Pinóquio ainda diz "tchau, tchau" para a ilustração. Claro! Ali está uma prévia do que é apresentado na animação de modo aprofundado, por meio de cutucadas com estilo.
Entre os momentos de destaque, está quando o boneco chega à igreja, sendo apontado como uma obra do diabo, esculpido por um bêbado. Ao dizer que é um menino de carne e osso, o nariz cresce. Em casa, o que Gepeto reforça para a criação é que "as mentiras ficam tão evidentes quanto o seu nariz". Contudo, os responsáveis pela ordem local, vão até a casa do criador e criatura para garantir que o menino anormal, sem disciplina, seja um exemplo da juventude fascista.
"Pinóquio", um jovem aprendiz, imita a todos que lhe cerca, mas fica interessado em saber quem foi Carlo. Como Gepeto teria perdido uma pessoa inteira?! Assim, a morte é retomada na pauta da trama enquanto que Pinóquio descobre o que é fardo e tenta conquistar a aceitação do pai e dos moradores dali. Assim, o Grilo (que vive sendo esmagado) começa a escrever sobre a imperfeição de pais e filhos, além de perda e amor. Como não se envolver com o questionamento do boneco sobre o Cristo de madeira ser amado, enquanto que ele não?! Excelente inserção, uma vez que ambos podem retornar da morte à vida!
Trazendo a mentira para o centro do enredo, Pinóquio não pisa na escola e assina um contrato perigoso ao desenhar um Sol sorridente. Enquanto leva uma tremenda lição de obediência do dono do circo, Pinóquio é ameaçado de ser levado para a fogueira. Detalhe: a canção do antagonista de Pinóquio reforça o termo "crer". Pois bem, o fã do fascismo, chega ao ponto mais alto ao ter Mussolini uma apresentação -o que garante boas risadas com uma música sobre excrementos.
Há ainda o ápice para o desfecho de "Pinóquio", dentro da barriga de uma baleia, mas a releitura de del Toro é diferente e muito rica. Portanto, o desfecho emociona e arrepia. Em tempo, aos 6m 26s surge na tela um personagem segurando um jornal, usando óculos redondinhos, tendo barba, deseja "bom dia" a Carlo. Talvez seja uma coincidência, mas nele há um "quê" dos traços do diretor. Como não lembrar das aparições marcantes do incrível Stan Lee e também Peter Jackson, por exemplo?
Tudo aqui é interligado. Basta ver, inicialmente, a pinha de pinheiro. Aparece no início, no fim e, quando plantada, origina o pinheiro de que o menino de madeira é feito. A animação de "Pinóquio" passa longe do toque Disney de cores vibrantes, mas trabalha com um colorido vivo, garantindo um visual originalmente diferente e extremamente lindo de se ver. Remetendo, por vezes, a produções ímpares de Tim Burton como "A Noiva Cadáver" e "O Estranho Mundo de Jack", mas vai muito além. "Pinóquio" por Guillermo del Toro já é um clássico imperdível!
* Mary Ellen é editora do site cultural www.resenhando.com, jornalista, professora e roteirista, além de criadora do photonovelas.blogspot.com. Twitter:@maryellenfsm
Filme: "Pinóquio"
Gênero: Fantasia Musical
Duração: 1h 57m
Diretores: Guillermo del Toro, Mark Gustafson
Produção: Guillermo del Toro, Corey Campodonico, Lisa Henson, Gary Ungar, Alexander Bulkley
Classificação indicativa: 12 anos
Elenco: Gregory Mann, Ewan McGregor (Grilo), Finn Wolfhard (Pavio), Ron Perlman (Podesta), David Bradley (Geppetto), Tilda Swinton, Cate Blanchett (Spazzatura), Christoph Waltz (Count Volpe), Burn Gorman (Priest), Tim Blake Nelson (lapins noirs), John Turturro (Dottore), Tom Kenny (Benito Mussolini)
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