Após um processo coletivo de mais de um ano e meio, a Cia. Triptal se debruça em uma dramaturgia que escancara as feridas da história do Brasil. Livremente inspirada na obra "Pedreira das Almas", de Jorge Andrade, o coletivo estreia "Travessia Brasil - Um Caminho Para Pedreira", com direção de André Garolli. Com mais de 30 atores em cena, o elenco reúne Fabrício Pietro, João Bourbonnais e Simone Rebequi.
A montagem faz temporada no Teatro Alfredo Mesquita, de 21 de outubro a 13 de novembro, com sessões sempre quinta, sexta e sábado, às 21h, e domingo, às 19h. As apresentações contam com entrada gratuita. Na trama, não há mais lugar para o povo na cidade de Pedreira das Almas, nem para os mortos, pois o ciclo da mineração destruiu tudo, restaram apenas árvores retorcidas que se agarram às pedras. Agora o povo está dividido entre aqueles que querem abandonar a cidade e os que desejam permanecer.
É em torno da personagem Mariana (Nicoly) que os conflitos se formam. Seu namorado, Gabriel (Alan Recoba), é um dos idealizadores da revolta contra o imperador do Brasil. Outro representante da revolução é o irmão de Mariana, o jovem Martiniano (Isabela Suckow). Urbana (Simone Rebequi), a mãe, não concorda com a revolução e as ideias liberais vendidas por Gabriel, e faz forte oposição. Passando por temas como a relação passado e presente, o conflito entre tradicionais e progressistas, e a luta pela liberdade, a peça escrita em 1957 se passa na cidade fictícia de Pedreira das Almas durante os tempos da Revolta Liberal de 1842.
“A dramaturgia mistura a batalha da Revolta Liberal de 1842 e a fundação da cidade de São Tomé das Letras. Revela o problema da questão de terras que envolve a história do Brasil desde sempre. Aqui existe um embate de gerações, onde o jovem é a favor de um futuro antimonárquico em busca de novas terras em contraponto a personagem absolutista que simboliza a tradição. É uma polarização assim como está acontecendo em nossa política atual e traz uma reflexão sobre o passado que nos persegue, porém é sempre deixado de lado, não existe uma revisão”, explica André Garolli.
Um ponto importante do espetáculo é a presença do Estado simbolizado pelo personagem Vasconcelos (Fabrício Pietro) contrapondo-se às crenças de um povo, e é onde a história se aproxima de Antígona, de Sófocles, e também com a atualidade brasileira como ocorreu na Operação no Jacarezinho, no Rio de Janeiro, onde o Estado invade o local para resolver um problema, contudo acaba criando um outro. Uma guerra nunca acaba de um dia para o outro.
“'Pedreira das Almas' é um texto instigante. Nos convocou a muitos mergulhos, de cunho político, filosófico, histórico, biográfico. A partir desta obra, fomos em direção a outros universos, em textos de outros escritores, só isso já foi enriquecedor. A possibilidade de entender o Brasil no bicentenário de nossa Independência não poderia vir de mãos mais assertivas, senão as de Jorge”, enfatiza Fabrício Pietro.
Para o diretor, a adaptação utiliza o coro, representando o povo de Pedreira, onde os corpos dos atores revelam a própria cenografia por meio de movimentos, junções e contatos. "O coro feminino traz um dos principais destaques com uma manifestação que exige saber o que aconteceu com seus entes queridos e familiares. Um processo em que o Estado confronta a religiosidade”, explica.
Pax Bittar é o responsável pela trilha sonora ao vivo em que objetos metálicos, aquários, tubos de pvc se tornam instrumentos musicais aliados as sonorizações vocais e corpóreas, além dos cantos dos atores. Os recursos cênicos vão para o lado de uma estrutura mais expressionista, onde as malhas pretas dos figurinos de Telumi Hellen e a caracterização de Beto França se unem à luz operística de Caetano Vilela criando imagens por meio do trabalho dos corpos-corais. O preto e o branco são cores que dominam a cena representando a polarização atual do Brasil, assim como nos embates de "Travessia Brasil - Um Caminho Para Pedreira".
“Essa é uma peça de ideias para ser ouvida, um paralelo com a nossa realidade, onde existe uma dificuldade de construir um diálogo, pois cada um quer exprimir sua verdade. O próprio título simboliza o momento de travessia que estamos vivendo. Trazemos um lado épico na encenação, uma linguagem que estamos experimentando neste novo trabalho”, conclui Garolli.
A montagem encerra o projeto “A Tragédia da Historiografia do Estado Brasileiro pela Ótica de Jorge Andrade”, contemplado pela 37ª edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro pela cidade de São Paulo - Secretaria Municipal de Cultura.
Jorge Andrade
O ano de 2022 marca o centenário de um dos grandes dramaturgos brasileiros: Jorge Andrade (1922-1984). Natural de Barretos, interior de São Paulo, foi um dos poucos autores que conseguiu traçar um panorama histórico e social do Brasil por meio de seus textos teatrais. Foi montado por encenadores como Eduardo Tolentino de Araujo, diretor do Grupo Tapa, nas peças "Rastro Atrás", "A Moratória", e "O Telescópio"; Antunes Filho dirigiu "Vereda da Salvação" com o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e o CPT; Gianni Ratto montou "A Moratória" para a companhia de Maria Della Costa encenada, em 1955, com a jovem Fernanda Montenegro.
Andrade também fez sucesso na teledramaturgia com "Os Ossos do Barão" (1973-1974 / Rede Globo), "Exercício Findo" (1974/ Rede Globo), "O Grito" (1975-1976/ Tupi), "Gaivotas" (1979/ TV Tupi), "Os Adolescentes" (1981-1982/ Bandeirantes), "Ninho da Serpente" (1982/ Bandeirantes), entre outras produções.
O diretor ainda enfatizou que nenhum outro dramaturgo produziu tantas obras, em que as preocupações estavam voltadas para o mundo que ronda o homem brasileiro - um universo voltado à identidade e às raízes que ligam o homem à terra e suas memórias. “As peças vão desde a entrada das bandeiras, passando pela inconfidência mineira, a 'evangelização', a queda da 'aristocracia' do café, até o crescimento do operariado e o surgimento de um patronato com pele de burguês. Busca constantemente a resposta à pergunta: 'Quem sou eu?', não no sentido existencial, mas sim coletivo. Na obra de Jorge Andrade, à pergunta 'Quem sou eu?' se lê 'Quem somos nós, brasileiros?'. Conviveu com os trabalhadores rurais na fazenda do pai, com a efervescência do teatro paulistano ao lado de Bibi Ferreira, Cacilda Becker e tantos outros, o surgimento das telenovelas, a luta contra o golpe militar. É um personagem singular do nosso teatro”.
Fabrício Pietro reforçou a importância de encenar o dramaturgo nos dias atuais. “Jorge Andrade é um apaixonado pela gente brasileira. Ele procura no passado explicações para o presente, desejando nos lançar para um futuro em que entendemos o que é ser brasileiro. É incrível e único o que ele faz, partindo de uma busca sobre si mesmo, vai extrapolar em 400 anos de história do Brasil, com peças de teatro. Jorge aponta, somos frutos da semente que foi plantada deste da invasão do Brasil pelos portugueses e seguimos replicando a mesma violência, com o verniz equivocado do conceito de cordialidade, do “homem gentil”. Nunca nos entendemos como nação. É preciso reconhecer isso”.
Cia Triptal
A Cia Triptal começa em 1990 desenvolvendo projetos de teatro infantil a partir dos textos de Maria Clara Machado. O projeto “Maria Clara Clareou” envolveu 7 montagens de textos da autora. Nos anos seguintes a companhia se dedicou em desenvolver e gerir um programa que cruza “estudo de dramaturgos clássicos” e “estudo de técnicas de atuação coral”, um programa de extensão no processo de formação do jovem artista que possibilita a vivência teatral no âmbito profissional. A partir desta pesquisa foi configurada a “Trilogia dos Homens” - “Homens ao Mar” (2004), “Homens à Margem” (2011) e “Homens à Deriva” (2018) - que levou aos palcos textos de Eugene O’Neill, Plínio Marcos e Tennessee Williams. Em sua trajetória de 30 anos a Cia Triptal recebeu reconhecimentos através dos prêmios APCA, Shell, Apetesp, Mambembe de Teatro, Panamco, Guia da Folha, Cenym, entre outras honrarias.
Ficha Técnica:
"Travessia Brasil – Um Caminho Para Pedreira". Baseado em "Pedreira das Almas", de Jorge Andrade.
Direção Artística: André Garolli. Elenco: Fabrício Pietro, João Bourbonnais, Simone Rebequi, Nicoly. Alan Alexis, Ingrid Arruda, Athos Magno, Jenifer Costa, Bella Santos, Lucas Guerini, Marcelo Rocha, Roana Paglianno, Alexandre Vicenzo, Ana Bahia, Felipe Sorrilha, Gabriela Rocha, Leandro Tadeu, Leo Braga, Maria Clara Quilez, Marina Seccatto, Neto Paludet, Raíssa Costa, Renan Novais, Tayane Araújo, Vinícius Fontana, Vitoria Rabelo, Zava, Zeus Achetti. Atores acompanhantes: Isabela Suckow, Karla Marcon, Vinicius Valesi, Taís Freitas. Direção musical: Pax Bittar. Coreografia e movimento: Der Gouvêa. Cenografia: Cia Triptal e Julio Dojcsar. Figurinos: Telumi Hellen. Assistente de figurino: Mariana Morais. Iluminação: Caetano Vilela. Caracterização: Beto França. Adaptação dramatúrgica: Cia Triptal. Assistente de direção: Mônica Granndo e Gabi Rocha. Designer gráfico: Nando Medeiros. Social media: Pietro Arte e Comunicação. Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli e Renato Fernandes. Assistente de produção: Rafaelly Vianna e Ana Bahia. Produção geral: Cia Triptal. Realização: esta atividade faz parte do projeto contemplado pela 37ª edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro pela cidade de São Paulo - Secretaria Municipal de Cultura.
Serviço:
"Travessia Brasil – Um Caminho Para Pedreira"
Classificação: 14 anos. Duração: 100 minutos.
Teatro Alfredo Mesquita
Até dia 13 de novembro. Quinta, sexta e sábado, às 21h, e domingo, às 19h. Grátis
Endereço: Avenida Santos Dumont, 1770 (Metrô mais próximo: Portuguesa-Tietê)
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