Já imaginou entrar em uma casa da década de 1920, localizada em um cenário que lembra ruínas urbanas, e encontrar dentro dela um mundo virtual? Essa é a proposta da exposição "Obscura", em cartaz no Centro Cultural Vila Itororó entre 8 e 20 de novembro. Elaborada com a curadoria de Luiza Testa e a produção da Amalgama, a mostra gratuita chama atenção dos visitantes do complexo histórico para a presença excessiva da tecnologia no cotidiano atual e para o incessante rastreamento de dados.
A exposição traz à tona os bastidores do mundo digital a partir de quatro obras contemporâneas imersivas capazes de revelar que, por detrás de tanta beleza visual e atraentes serviços automatizados, há um complexo sistema de vigilância que visa transformar a memória humana em meros dados a serem compartilhados. “O objetivo da exposição é fazer com que o público saia da Vila Itororó diferente de como entrou, criando um momento de reflexão sobre como nos relacionamos com os dados e a memória”, explica a curadora.
Por ser uma residência histórica tombada pelo Estado de São Paulo, não podem ser feitas alterações permanentes na estrutura do espaço destinado à exposição. A curadora se valeu dessas particularidades do ambiente para transformar três cômodos em câmeras escuras, dispositivo que inaugura a fotografia no século XIX, e, dentro delas, apresentar as instalações artísticas imersivas de Vitória Cribb, ganhadora do Prêmio Pipa de 2022, Anelena Toku e Camila Crivelenti. A área externa da casa contará ainda com uma obra de Giselle Beiguelman.
Como resultado, "Obscura" apresenta ao público o lado obscuro dos bastidores do universo digital – fazendo alusão ao “metaverso” tão citado na cultura pop atual. “Mas, aqui, vamos falar dos bastidores desse metaverso, refletindo a apresentação do universo digital como uma realidade paralela que, muitas vezes, entendemos como parte do mundo real. Se, por um lado, vemos nossos dados rastreados e extraídos no universo digital, lembramos que, fora dele, muitas vezes somos despojados de memórias e bens materiais por outras autoridades”, explica a curadora.
Percurso
A mostra se inicia na área externa da casa, com a obra “Perguntas às pedras, série 2” (2022) criada por Giselle Beiguelman. Trata-se de um letreiro luminoso em neon que remete a um passado não muito distante, questionando os motivos que nos levam a conservar algumas lembranças em detrimentos de fatos esquecidos ou apagados. A ideia é que a peça faça uma interseção entre o mundo virtual e o mundo real-histórico, para que desde já o visitante sinta estar entrando num universo digital completamente artístico.
Na primeira sala, o público sentirá o choque proposto pela exposição com a inédita instalação “Casa/Rio” (2022), de Anelena Toku: dentro de um espaço escuro, poderão ser escutados barulhos comuns à área externa – provocando um paralelo sonoro entre ambiente interno e externo, por mais opostos que pareçam visualmente. Para este trabalho, a artista gravou sons dentro do próprio complexo e em outros locais históricos da capital paulista nas semanas anteriores, que serão transmitidos constantemente dentro da sala. “Este ambiente nos refletir sobre o sentido da nossa memória e sobre como nossos dados, quase que involuntariamente dispersos, provocam ecos da mesma forma que os sons de um curso d’água, uma pedra ao ser percutida ou o vácuo”, explica a curadora.
A partir dessa sala, o visitante terá a opção de seguir para dois cômodos localizados em lados opostos. À direita, encontra-se uma cartomante do século XXI completamente virtual. Trata-se da obra “Oráculo do Desconhecido” (2022), de Camila Crivelenti, que convida o público a participar de um jogo parecido com tarot por meio de um tablet. A peça é inspirada na tecnomancia, termo atribuído à tecnologia criada para fins de adivinhação e deixa no ar o seguinte questionamento: “afinal, a aleatoriedade realmente existe?”.
À esquerda, estará a instalação “_Enxerga” (2021), de Vitória Cribb. Dentro de uma sala escura uma projeção no teto dá vida a um ser com muitos olhos e uma enorme orelha. A figura, estranha e irreal, parece acompanhar os movimentos de quem se encontra no ambiente, “observando” a todos. “A atitude deste ser, que vive no back-end rastreando e codificando nossos dados, faz uma analogia à sensação de navegar pelas redes sociais, em que sofremos o impacto por anúncios que parecem sugeridos por alguém que nos ouve e nos observa enquanto estamos distraídos”, afirma Luiza Testa.
Participantes
Luiza Testa, curadora com bacharelado em Letras pela Universidade de São Paulo e Mestre em Teoria Crítica (Critical Theory and the Arts) pela School of Visual Arts – New York. Em 2020, sua exposição Oh, I Love Brazilian Women foi uma das quatro selecionadas entre mais de 400 propostas e foi exposta na Apexart, em Nova York, em janeiro de 2022.
Giselle Beiguelman pesquisa preservação de arte digital, arte e ativismo na cidade em rede e as estéticas da memória no século 21. Desenvolve projetos de intervenções artísticas no espaço público e com mídias digitais. É professora Livre-docente da FAUUSP e foi coordenadora do seu curso de Design de 2013 a 2015.
Anelena Toku realiza uma pesquisa multissensorial e procura criar uma presença atenta que desperte sensações a partir da colaboração e convivência entre o ser humano e tudo o que alimenta este ser. Em 2022, ganhou o prêmio Palma Ars Acustica 2022 e comissionada pelo CTM Festival e pela rádio Deustchlandfunk Kultur com a instalação sonora e peça para rádio “What Is Not / O Que Não Está”.
Camila Crivelenti é artista multimídia, vive e trabalha em São Paulo. Formada em Design de Produto e Direção de Arte, sempre transitou entre produções manuais e digitais. Sua pesquisa artística é alinhada com suas indagações espirituais e no desenvolvimento de uma simbologia própria para acessar o inconsciente além da linha do tempo e da existência. Seus projetos já fizeram parte de exposições em São Paulo, Rio de Janeiro, Nova Iorque, Miami, Los Angeles, Madri e Turim.
Vitória Cribb é formada pela Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ. Filha de pai haitiano e mãe brasileira, a artista cria e experimenta através de narrativas digitais e visuais que permeiam técnicas como: Animações e desenvolvimento de imagens CGI, Realidade Aumentada e Ambientes Imersivos para web. Em 2022, Vitória Cribb foi nomeada e premiada pelo Prêmio Pipa. No mesmo ano, Cribb foi nomeada para o Prêmio CIFO-Ars Electronica, um prêmio com foco em artistas Latino Americanos, organizado pela Fundação Cisneros Fontanals (CIFO) e a Instituição Ars Electronica.
Amalgama é uma produtora de arte e projetos culturais formada pelas produtoras executivas Lorena Vilela e Paula Marujo e pela designer e pesquisadora Maria Cau Levy, que juntas somam múltiplos projetos nacionais e internacionais na área da cultura, dentre eles a coordenação geral da implantação e exposição permanente do MuNA (Museu da Natureza), a coordenação geral da Trienal de Artes FRESTAS, e a produção executiva, projeto gráfico e design editorial do livro “Arquiteturas Contemporâneas no Paraguai”, vencedor do prêmio Jabuti.
Espaço
O Centro Cultural Vila Itororó, instituição da Secretaria Municipal de Cultura, foi inaugurado no dia 10 de setembro de 2021, após obras de restauração realizadas desde 2013. Desde então, abriga diversas intervenções artísticas e serve de espaço para diferentes eventos culturais, como cinema ao ar livre e peças de teatro.
O espaço, composto por mais de dez edificações construídas no início do século XX entre os bairros da Liberdade e da Bela Vista, passou por um processo de reforma para que pudesse ser plenamente utilizado, com segurança, para as mais diversas atividades artísticas e de lazer. No total, o conjunto ocupa uma área de cerca de 6.000 metros quadrados e foi tombado pelo Conpresp em 2002 e pelo Condephaat em 2005.
Serviço
Exposição “Obscura”
Abertura: 8 de novembro, a partir das 19h
Data: de 9 a 20 de novembro
Funcionamento: de terça a domingo, das 10h às 19h
Entrada: gratuita
Local: Centro Cultural Vila do Itororó (Rua Maestro Cardim, 60 - Bela Vista / São Paulo)
Informações: (11) 3253-0187/ (11) 98397-4800
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