terça-feira, 15 de novembro de 2022

.: Espetáculo "(A) DOR(A)" estreia nesta terça-feira no Teatro Itália Bandeirantes

Finalizando o Projeto “Cia. Provisório-Definitivo 20 anos” contemplado pelo Proac Lab Prêmio por Histórico de Realização em Teatro da Lei Aldir Blanc em 2020, a Cia. estreia décimo sexto trabalho no Teatro Itália Bandeirantes. No elenco, Ana Tardivo, Flavia Couto, Pedro Guilherme, Sofia Botelho e Thiago Andreuccetti. Foto: Gabriela Bernd


Livremente inspirado na vida de Maria Auxiliadora Lara Barcellos (Dora), militante da Vanguarda Armada Revolucionária (VAR-Palmares) que se suicidou na Alemanha, "(A) DOR (A)" é um texto que mistura dados biográficos dessa mineira natural de Antônio Dias, com recriações ficcionais baseadas em fatos colhidos por meio de relatos históricos de outros guerrilheiros na literatura e em filmes documentais. 

Uma atmosfera poética não linear permeia essa colcha de retalhos da vida dessa estudante de medicina que entrou para a clandestinidade, onde três atrizes representando Dora em algumas de suas facetas (a mulher, a guerrilheira e a torturada) dialogam entre si e convivem com os fantasmas da tortura ao mesmo tempo em que se relacionam com a atmosfera política do Brasil e dos países percorridos por ela.

Um texto de um ato, com duração de 90 minutos. Mesclam-se elementos épicos e dramáticos de forma não-linear. A pesquisa e escrita do texto foi inicialmente encomendada por Henrique Stroeter e também ocorreu no âmbito do Programa de Ação Cultural Proac nº 40, de 2014, e aprovado no Edital do “Concurso para Bolsa de Incentivo à Criação Literária no Estado de São Paulo - Texto de Dramaturgia”.  Texto Vencedor do 2o. Concurso Nacional FETAERJ de dramaturgia - Prêmio João Siqueira em 2015 no Rio de Janeiro.

No mês de dezembro, completando o projeto “Cia. Provisório-Definitivo 20 anos” foram realizados seis ensaios abertos em diferentes teatros da cidade (ver histórico das apresentações), todos gratuitos. Em janeiro a peça teria sua estreia em temporada no Teatro de Contêiner da Cia. Mungunzá, mas teve a temporada cancelada devido ao surto da Ômicron e por parte da equipe ter ficado doente. Agora, o projeto tem a sua temporada de estreia no Teatro Itália Bandeirantes no dia 15 de novembro, às 21h, e fica em cartaz às terças-feiras até o dia 6 de dezembro de 2022.

A peça tem como objetivo traçar uma reflexão sobre o momento político brasileiro atual a partir do retratado no espetáculo dentro do período do Regime Militar. Mais precisamente, sobre a participação dos jovens na vida política do país de uma forma ativa e utópica. Em paralelo a isso, também se busca questionar a violência que sofrem aqueles que se opõem francamente à ordem capitalista estabelecida, em especial o grupo de militantes que entraram para a luta armada no momento de linha dura da ditadura e foram vítimas de tortura, e, no caso de Dora, posterior exílio. Um mergulho não só racional mas também emocional e sentimental nos subterrâneos da história do país.

De acordo com Jacob Gorender no livro "Combate nas Trevas - A Esquerda Brasileira: Das Ilusões Perdidas à Luta Armada", sem o exercício do poder coercitivo não existiria o Estado burguês. O golpe direitista de 1964 arrancou os véus que disfarçavam a violência do Estado burguês no Brasil”. Descobrir assim os limites democráticos da sociedade atual através do olhar voltado pro passado, tudo isso sem necessariamente trazer respostas, mas até perguntar profundamente ao espectador/leitor da obra se é possível a caminhada humana na Terra sem a existência de utopias transformadoras parece ser fundamental numa sociedade cada vez mais normativa e mercadológica. 

As “transgressões” da juventude de 68, são, talvez, a primeira busca de resposta mais clara a essas questões dentro da modernidade e da contemporaneidade. Revisitá-las, ressignificando-as, sem um forçoso olhar maniqueísta para os fatos, ainda que esses nos levem às mais altas transgressões aos mais básicos direitos humanos no caso das torturas, poderá nos levar a entender como se dá a interação social da nossa juventude atual. Hoje em dia, tem-se um contingente assustador de pessoas anestesiadas de um lado e de rebeldes sem causa do outro, tornando necessário analisar os processos históricos como mais profundos do que se pensa. Talvez a ditadura tenha deixado heranças políticas e sociais maiores dentro do cenário atual do que pode imaginar nossa vã filosofia.

Assim, o estudo e a colocação da história na dramaturgia analisando todos os pontos de vista dos envolvidos no conflito, aliado à fruição estética da obra em si, pode ser um importante instrumento para pensarmos o sistema político, educacional e cultural do país livre das estruturas que se arraigaram a estes. Em outras palavras, mais do que eleições diretas e liberdade de expressão, a revisão dos fatos nos mostra que a democracia é um processo de atualização e de constante revogação dos modos de funcionamento do passado.

Alguns exemplos que sempre devem ser transformados e que possivelmente tem a sua estruturação influenciada pelo período militar: uma polícia que não oprima e sim proteja o cidadão, alianças políticas não pautadas em governabilidade somente, a busca de sistemas educacionais preocupados em formar cidadãos pensantes e não somente mão de obra para o mercado de trabalho.

Dora, mulher, militante, realmente preocupada em fazer diferença no quadro político e social, ao ter sua vida massacrada pelo exílio e pela tortura, nos faz ver que ter o pensamento voltado para o ser humano no mundo de hoje, pode ser um ato de extrema ingenuidade. Mas talvez seja o único necessário.

Todo ser humano tem várias características e exerce diversos papéis. Um político ou um artista, por exemplo, tem uma espécie de personalidade como homem público que pode muitas vezes ser diferente da personalidade que este mesmo homem tem com sua família, que, por sua vez, pode ser diferente ainda de quando ele está com os amigos e, assim por diante.

As pessoas que lutaram contra o Regime Militar e entraram para a clandestinidade, muitas vezes, ou, na maioria das vezes, abriram mão de suas vidas e passaram a adotar outras identidades para sobreviverem fora do sistema que combatiam, já que a ausência de nomes reais protegia não só a pessoa, mas a organização da qual faziam parte como um todo.  Essas pessoas literalmente quase que tinham uma versão delas mesmas como guerrilheiras. Mais do que uma personalidade ou um papel, era quase como se vivessem outra vida além da vida civil a qual estavam acostumadas.

Ainda por cima, psicologicamente, mesmo que aos olhos do mundo cada um tenha uma só personalidade, internamente, têm-se várias forças se manifestando, como se fossem diferentes pessoas dentro da mesma pessoa para formar aquela personalidade. Cada linha psicológica explica isso com seus termos e teorias. Uma pessoa numa crise de depressão, por sua vez, tem uma espécie de núcleo interno desses que age sobre sua personalidade contaminando de certa forma outros traços saudáveis do mesmo indivíduo. 

Mais do que afirmar conceitos psicológicos ou sociológicos sobre o modo de agir do homem moderno, essas percepções acima que podem ou não serem abalizadas cientificamente ou contestadas são o ponto de partida do argumento de "(A)DOR(A)". Assim, Maria Auxiliadora Lara Barcellos, a Dora, aparece em cena no conjunto de três atrizes que, juntas, formam a personagem Dora como um todo. (Dora) Maria é a pessoa física de Dora. 

Mais precisamente a mulher. A mulher que sente, ama e tem a apreensão do mundo ligada à sua existência primordial de viver experiências sobretudo afetivas e emocionais. Ela encontra uma primeira subdivisão de si mesma ao entrar em contato com a realidade brasileira e suas misérias. Desse contato, aparece Auxilia (Dora). Essa é a nossa militante guerrilheira que se arrisca pela causa da luta armada e muda de nome. 

Idealista, pretende mudar o mundo. Essa ambição desmedida tudo poderia se não fosse barrada pelo aparato repressor dos militares. Quando presa, entra em contato com os limites da sua força, com sua impotência. Mas mais do que isso, sente na carne a violência do sistema que combatia. A tortura possivelmente deixa sequelas na forma de (Dor)A. Uma espécie de sombra das outras Doras dentro de si mesma, ela vai contaminando a pureza e a beleza que existia das outras duas.

Durante a peça vai se mostrando de forma não linear a história dessa mulher, com o contraponto do próprio diálogo dessas personalidades diferentes de si mesma, até que a dor da tortura e privação trazidas por (Dor)A chegam a tal grau na encenação que elas fazem com que Dora se atire no metrô de Berlim em 1º de junho de 1976. A ideia é que as cenas de tortura entrem como rompantes invadindo o fluxo da narrativa, até que elas adquiram tal proporção que inviabilizem a continuidade da história. Não se trata de descobrir causas para tal ato, nem de julgar, mas de entender que essa alternativa poderia ser possível dentro do contexto vivido por essa mulher.

Nas palavras de Fernando Gabeira no livro "O que é Isso, Companheiro?" sobre o seu companheiro de prisão, Frei Tito de Alencar, que também se suicidou : “Uma civilização que tratava dessa forma seus prisioneiros de guerra precisaria ser repensada de alto a baixo. Também eu era um produto dessa civilização. O inimigo num certo sentido, dava a dimensão de minha estatura. Se ele estava afundado na pré-história, não era possível que eu tivesse os dois pés plantados na história; ainda mais eu que não acredito numa divisão assim tão cristalina entre bem e mal. Nunca mais poderia pensar em ser brasileiro, sem levar em conta essa realidade. (...) todos nós, inocentes ou não, ficamos horrorizados com o Brasil e com o ser humano. Creio que começava a entender a tentativa de suicídio de Frei Tito de Alencar... Mas não estou autorizado a especular sobre a tentativa de suicídio de ninguém. Apenas digo: compreendi a possibilidade de suicídio.”


Sinopse
Três mulheres acham dentro de si um passado que preferiam ter esquecido. O vivido no Período de Ditadura Militar no Brasil. Essas mulheres são três facetas da mesma mulher. A partir daí, a narrativa cênica começa a contar a história de Dora. (Dora) Maria, Auxilia (Dora) e (Dor) A compõem essa mulher dilacerada em mil pedaços. Memórias a partir do ponto de vista de cada uma dessas personas começam a vir à tona num jogo de metalinguagem, que aproximam e distanciam o espectador de acordo com a crueza dessa história inspirada na vida de Maria Auxiliadora Lara Barcellos.

Sem a obrigatoriedade de ser linear vão sendo mostradas ao público passagens da vida de Dora. A infância viajando com a família. A adolescência ajudando seus avós a organizar uma escolinha num bairro pobre.  Os estudos de Medicina na UFMG, e a entrada na militância ao trabalhar num hospital precário. A vida na militância. O romance com Antônio Espinosa. A prisão. A tortura. A vida no Chile. O exílio na Europa. O suicídio.

Durante a cena, uma ou mais Doras vivem a mesma situação, ou contracenam entre si vivenciando outras personagens da memória. Na cena com Espinosa, por exemplo, em que ela, como militante se vê com a função de morar na mesma casa com ele, fingindo serem um casal, o romance com ele se dá num plano, ao mesmo tempo em que em outro plano a (Dora) Maria conversa com a Axilia(Dora) sobre a dicotomia da situação. A guerrilheira conversa com a mulher sobre levar o romance adiante ou não. (Dor)A vai entremeando as cenas, aparentemente distantes dos momentos de tortura, com relatos cruéis sobre o vivenciado por ela na prisão. 

Ficha técnica
Livremente inspirada na vida de Maria Auxiliadora Lara Barcellos e na idealização de Henrique Stroeter
Texto e direção: Pedro Guilherme
Elenco:
Ana Tardivo, Flavia Couto, Pedro Guilherme, Thiago Andreuccetti, Sofia Botelho
Figurino: Maria D’Cajas
Cenário: Pedro Guilherme
Cenotécnico: Mateus Fiorentino Nanci
Trilha sonora: Barbara Frazão
Iluminação: Vinícius Andrade
Edição de vídeos: Gabriela Bernd
Operação de vídeo: Júnior Docini
Fotografia: Bob Sousa
Arte gráfica: Flavia Couto
Assessoria de imprensa: Pombo Correio
Produção: Pedro Guilherme
Idealização inicial: Henrique Stroeter
Realização: Cia. Provisório-Definitivo

Serviço:
Estreia:
dia 15 de novembro, terça-feira, às 21h
Temporada: de 15 de novembro a 06 de dezembro de 2022
Horário: terças, às 21h
Local: Teatro Itália Bandeirantes – Avenida Ipiranga, 344 – República, São Paulo
Horário da blheteria: quarta a sábado, das 16h às 20h, aos domingos, das 16h às 19h
Lotação: 276 lugares
Ingressos: R$ 40 e R$ 20

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