Após a condenação do Contrato social e do Emílio em 1762, a reputação de Rousseau estava a pior possível. Com sua prisão decretada em Paris e percebendo-se rejeitado por todos, inclusive por seus protetores, sente-se cada vez mais vítima da intolerância daqueles que o perseguem. Alguns anos mais tarde, ainda sofrendo ataques tanto como autor quanto como pessoa, seu esforço para exprimir o próprio eu para provar ser “amigo da justiça e da verdade”, e não o monstro de hipocrisia e perfídia retratado por formadores de opinião da época, rende duas produções notáveis: as Confissões, cuja relevância na área de literatura em língua francesa é hoje inquestionável, e "Rousseau juiz de Jean-Jacques: Diálogos", que chega aos leitores brasileiros em tradução inédita pela Editora Unesp e se mostra igualmente valioso.
“Rousseau juiz de Jean-Jacques – o título curioso e intrigante deste que é em geral considerado o segundo painel do tríptico autobiográfico de Rousseau deixa entrever apenas parte de sua complexidade. Trata-se, efetivamente, de um texto complexo, cuja compreensão e adequada assimilação implica atravessar diversas camadas que se abrem à interpretação – da biografia à psicopatologia, da filosofia à música, passando pelo conhecimento do pensamento e das obras de Rousseau, bem como do contexto biográfico, intelectual e político em que essas obras foram produzidas”, escreve Claudio A. Reis na apresentação. Ele assina a tradução ao lado de Jacira Freitas.
O mote do livro é o seguinte: a reflexão desenrola-se em forma de diálogo sobre um autor polêmico, identificado pelas iniciais “J.J.”, e seu sistema filosófico. Os interlocutores são de um lado, certo genebrino fictício chamado “Rousseau”, que acredita na inocência de “J.J.” e sustenta seus argumentos em favor dos textos com base no contato pessoal junto ao autor, e, de outro, “um Francês”, que no início despreza “J.J.” sob influência da opinião geral e, somente depois, no terceiro diálogo, muda seu juízo porque passa a considerar os escritos ditos perigosos com base na leitura atenta de todos eles – e isso sem precisar se encontrar com o autor.
A obra é, a uma só vez, expressão autobiográfica do autor e exercício de defesa dos seus princípios filosóficos. A fórmula que anima a escrita dos Diálogos (o texto ficou conhecido por seu subtítulo) é enunciada pelo próprio Rousseau: “era preciso necessariamente que eu dissesse com que olhos, se eu fosse um outro, veria um homem tal como sou”. Ao mergulhar nos labirintos das relações humanas que os interlocutores postos em cena esmiúçam no caso das censuras sofridas por Rousseau, somos deslocados para uma experiência do pensamento na qual nosso próprio eu torna-se objeto de arguição perante a justiça – e a injustiça – da opinião pública.
“Rousseau juiz de Jean-Jacques é, afinal, o início de uma longa conversa com a posteridade”, destaca Reis. “Ler esta obra, portanto, para além do sedimento patológico e de dor que nela está certamente depositado, é aceitar continuar esse diálogo começado pelo Cidadão de Genebra há mais de 250 anos e que, depois e apesar de tudo, ainda se mostra tão fecundo.”
Sobre o autor – Escritor, filósofo e músico genebrino, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) é uma das grandes figuras do chamado Século das Luzes. Suas obras – entre elas, o Discurso sobre as ciências e as artes, o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, a Nova Heloísa, Do Contrato Social e Emilio – obtiveram logo enorme sucesso e desde então vêm motivando leituras apaixonadas de entusiastas e críticos nos séculos que o sucederam. De sua autoria, a Editora Unesp já publicou Cartas escritas da montanha (2006), Textos autobiográficos e outros escritos (2009), Dicionário de música (2021) e Devaneios do caminhante solitário (2022).
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Livro: Rousseau juiz de Jean-Jacques: Diálogos
Tradução: Claudio A. Reis e Jacira de Freitas
Apresentação: Claudio A. Reis
482 páginas
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