segunda-feira, 31 de outubro de 2022

.: Entrevista: os "Laços de Afeto" do diretor Marco Simon Puccioni

"As histórias têm o poder de mudar nossas vidas e fizeram isso comigo em várias ocasiões", afirma Marco Simon Puccioni em entrevista exclusiva.

Por Helder Moraes Miranda, editor do Resenhando. 

Em uma data histórica para o Brasil, o primeiro dia após a disputa presidencial mais disputada de todos os tempos, falar sobre amor e família é extremamente necessário. É por esse motivo que convidamos o diretor italiano de cinema Marco Simon Puccioni, que vem fazendo sucesso na Netflix com o longa-metragem "Laços de Afeto".

No filme, em meio a descobertas e crises familiares, um adolescente faz um documentário sobre seus dois pais. Falar de família é algo prximo a realidade deste artista único e cheio de talentos. Sétimo de oito filhos, Puccioni nasceu e cresceu em Roma. Depois de se formar em arquitetura na Universidade Sapienza de Roma, ele ganhou uma bolsa Fulbright que lhe permitiu estudar na CalArts em Los Angeles, onde recebeu MFA em Cinema e Vídeo em 1991. De lá para cá foram dez filmes e cinco curtas-metragens. Nesta entevista exclusiva concedida ao portal Resenhando.com, ele fala sobre arte, autobiografia e afetos.
  

Resenhando.com - O que representa o cinema em sua vida?
Marco Simon Puccioni
O cinema começou a marcar minha vida desde a infância. Eu era e sou uma pessoa introvertida e reflexiva que está bem mesmo sozinha. Quando entro no cinema e mergulho no mundo do filme, posso me sentir bem ou mal, mas se me sinto envolvido na história, desligo-me da minha dimensão pessoal e entro em contato com um mundo maior. As histórias têm o poder de mudar nossas vidas e fizeram isso comigo em várias ocasiões. Você pode contar histórias de várias maneiras, mas o cinema para mim continua sendo a maneira mais poderosa e completa de contar uma história. O cinema é a minha vida quando percebo que as histórias que conto têm o poder que outros filmes tiveram sobre mim, ou seja, mudamos a vida das pessoas, mudamos suas ideias e as inspiramos a fazer escolhas.

Resenhando.com - Como é ser o sétimo, de oito filhos?
Marco Simon Puccioni - No meu caso, significava ser mais livre e independente. Quando você cresce, ter muitos irmãos mais velhos do que você pode ser esmagador porque eles tendem a vê-lo como inferior e mais fraco do que eles. Eu sendo o sétimo, era menos controlado que eles e passei o verão sozinho desde a adolescência. Aos 20 anos, fui morar sozinho. Uma vez independente, meu relacionamento com minha família melhorou e eu tratei meus irmãos mais como iguais.


Resenhando.com - Qual o critério de seleção das histórias que você resolve contar no cinema?
Marco Simon Puccioni - Pode estar no tema ou nas relações ou no caráter do personagem. Se você faz filmes de autor, inevitavelmente sentirá o assunto com o qual deseja lidar como seu, e isso é bom porque garante uma participação emocional que depois passa para a história e os personagens e, esperançosamente, também para o público.


Resenhando.com - Há algo de autobiográfico nestas escolhas?
Marco Simon Puccioni - Acredito que mesmo quando escolhemos histórias aparentemente distantes de nós no tempo e no espaço há algo de autobiográfico. 

Resenhando.com - Se pudesse escolher um filme seu, para apresentá-lo ao grande público, qual seria?
Marco Simon Puccioni - Existem muitos tipos de público e você precisa ter em mente com quem está se dirigindo ao escolher a linguagem cinematográfica a ser usada. "Laços de Afeto" é, sem dúvida, o pensado para um público mais abrangente. Tenho muito em mente a questão das famílias do mesmo sexo porque me diz respeito pessoalmente, sobre o assunto já fiz dois documentários ("Prima di Tutto" e "Tuttinsieme"), mas eles têm uma circulação limitada, então propus fazer um filme voltado em um público mais amplo e a oportunidade se apresentou com a Netflix. Escolhi, portanto, um gênero e uma linguagem que pudesse atingir o público mais amplo e geral para chamar a atenção para questões "difíceis" como direitos civis, gestação de outros, paternidade, leis que regem a família.

Resenhando.com - Como você definiria o seu filme mais recente, "Laços de Afeto", em cartaz na Netflix?
Marco Simon Puccioni - "Laços de Afeto" é um filme no meio caminho entre o drama e a comédia, um filme emocional sobre os sentimentos que unem as pessoas, que trata de questões sociais e políticas sem pregação. Mostra-nos em nossas imperfeições e falhas e tenta nos dizer que, por mais diferentes que sejamos em nossa natureza e escolhas, somos todos seres humanos falíveis tentando viver suas vidas ao máximo.


Resenhando.com - Em relação ao filme, qual é a sua opinião sobre a instituição "família"?
Marco Simon Puccioni - "Laços de Afeto" representa uma das muitas famílias que existem hoje no mundo. A família é uma construção social, todos sabemos, ela muda ao longo da história e de acordo com as culturas e sociedades. Nossa sociedade vê a coexistência de famílias tradicionais, recompostas, monoparentais, homoparentais. "Laços de Afeto" não reescreve a realidade da família, mas representa-a como é, em muitos casos, cada vez mais numerosa. "Laços de Afeto" foi o primeiro filme que conheço a representar uma família de dois pais e um filho. De muitos pontos de vista uma família como qualquer outra, muitos encontraram a sua própria família: é uma família sólida porque se baseia no amor e mesmo que o amor não seja tão eterno como gostaríamos e está sujeito ao tempo, às crises. Uma família como a do filme, ainda que baseada no amor e sem as leis certas, é mais frágil do que as outras se for atingida por uma separação.

Resenhando.com - Por que falar sobre famílias LGBTQIAP+ ainda é necessário em pleno século 21?
Marco Simon Puccioni - Porque somos uma sociedade em evolução ainda com muitas relutâncias em aceitar a diversidade do ser humano. Vemos na Europa, nas Américas e no resto do mundo o surgimento de movimentos identitários reacionários que tentam voltar no tempo e viver na nostalgia de um mundo tradicional ligado à religião. Ainda há muito medo e desconfiança de que entendo parcialmente por que estamos enfrentando mudanças de época. No decorrer da minha vida, passamos de viver nossa condição homossexual com vergonha e orgulho gay, casamentos igualitários e adoções. Uma parte da sociedade estava pronta, mas muitas outras não estavam e ainda precisam conhecer a realidade para entender que fazemos parte da mesma sociedade e não somos marginais.

Resenhando.com - O que pode nos adiantar sobre os seus próximos projetos?
Marco Simon Puccioni - Não posso dizer muito até estar no set, mas posso antecipar que continuarei fazendo filmes que contam histórias de sentimentos sobre direitos humanos, relacionamentos, as grandes questões sociais do nosso tempo.

Resenhando.com - Qual história você gostaria de contar e ainda não contou? 
Marco Simon Puccioni - Estou interessado em histórias do passado e do futuro. Gostaria de contar às pessoas que viveram em épocas passadas porque acho importante entender de onde viemos e como mudamos. Também gosto muito de filmes distópicos de ficção científica porque acredito que seja um exercício de especulação filosófica sobre nosso destino. Por exemplo, eu adoraria ter dirigido "2001 - Uma Odisseia no Espaço", um filme de 1968 que previu a complicada relação entre humanos e inteligência artificial que estamos vivenciando agora.

Resenhando.com - Quem é o Marco Simon Puccioni por ele mesmo?
Marco Simon Puccioni - Esta é uma pergunta muito complexa que não posso responder. A identidade é algo móvel e indescritível. Vivemos de ilusões e contos que nos definem, mas estes mudam ao longo da vida, mesmo que o nome permaneça o mesmo. No entanto, para não fugir completamente à pergunta, digamos que sou um buscador da beleza, da poesia, da justiça e da verdade.


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