Formada em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Gloria Perez começou a carreira como autora de telenovelas, em 1983, com a função de colaboradora de Janete Clair em "Eu Prometo". Com o falecimento da autora titular, assumiu a responsabilidade e levou a história até o fim, com a supervisão de Dias Gomes. No ano seguinte, assinou sua primeira novela como titular, em parceria com Aguinaldo Silva, "Partido Alto".
É autora de várias novelas de sucesso, como "Barriga de Aluguel" (1991), "Explode Coração" (1995), "O Clone" (2001) e "América" (2005). Suas produções já lhe renderam diversos prêmios. "Caminho das Índias" (2009) foi a primeira produção nacional a ganhar o prêmio Emmy Internacional de melhor telenovela. Gloria assinou também as minisséries "Desejo" (1990), "Hilda Furacão" (1998) e "Amazônia - De Galvez a Chico Mendes" (2007). Em 2012, escreveu a novela "Salve Jorge", e, em 2014, estreou o seriado "Dupla Identidade".
Uma marca dos trabalhos de Gloria Perez são as temáticas de alcance social que introduz em suas obras. Crianças desaparecidas, dependentes químicos, saúde mental e tráfico humano são alguns assuntos já abordados, com ampla repercussão. Toda a trama - e a repercussão dela - contra as drogas em "O Clone" foi premiada nos Estados Unidos pelo FBI e pelo DEA, departamento responsável pela repressão a crimes relacionados ao tráfico de drogas. Em "A Força do Querer" (2017), a autora abordou a questão do gênero e a compulsão por jogo, entre outros assuntos. Em "Travessia", será a vez de falar sobre acessibilidade. Nesta entrevista, ela fala sobre a novela.
Já é uma marca as suas obras sempre trazerem assuntos potentes e diversos também...
Gloria Perez - Num âmbito geral, minhas novelas são histórias escritas com o intuito de emocionar, envolver as pessoas através da emoção, divertir e fazer pensar, refletir sobre alguns assuntos. Sempre tenho a preocupação de trazer temas relevantes e que gerem debates e reflexões; questões com muita força de interesse do público.
Como nasce a história de "Travessia"?
Gloria Perez - O ponto de partida da nossa história é uma deepfake que acaba por transformar radicalmente, num efeito dominó, a vida de algumas pessoas. A novela vai tratar de como a internet introduz, no nosso cotidiano, dramas novos, conflitos que as gerações anteriores não viveram e que dão um formato muito novo àqueles que conhecemos desde sempre como a calúnia, a extorsão, o assédio, a chantagem, e tantos outros mais. Vamos falar da inteligência artificial trazendo grandes benefícios e, ao mesmo tempo, deixando pessoas desempregadas. Também de como as redes sociais, dando voz a todos e possibilitando encontros inviáveis na vida real, funcionam como perigoso mecanismo de controle e abrem portas para novas modalidades de crimes. A internet inaugura maneiras de viver as amizades, os romances, o sexo... A aposta é que esse pano de fundo, mostrando como todas essas inovações são vividas no cotidiano das pessoas, seja um poderoso chamariz para despertar a atenção do público que vive e convive com os dramas e conflitos relatados pela novela. Além de funcionar como alerta para as muitas ciladas embutidas no encanto da vida virtual.
A novela fala de amor, encontros e desencontros, de ambição... Desse pano de fundo que a internet traz pra vida das pessoas. Como é mesclar todos esses assuntos? Isso é uma característica muito sua, das suas obras. O público já espera que venha também algum tema superatual...
Gloria Perez - Todos os meus personagens têm histórias e, por meio delas, vamos levantando algumas questões, como o embate do homem com a máquina – um assunto pesado, mas que vai ser mostrado de uma forma mais leve, com humor, ao mesmo tempo que leva à reflexão. Quem quiser pensar sério sobre o tema, pensa. Quem não quiser, apenas ri da situação. Outra situação que vamos abordar é o assédio pela internet, um drama atualíssimo do nosso mundo moderno. Vamos explorar quantos conflitos humanos novos a internet criou. A cada avanço da tecnologia, novos conflitos. A contemporaneidade da tecnologia serve como pano de fundo afetando a vida de todos, todos os núcleos são afetados por isso. É essa a vida que nós estamos vivendo hoje.
A história se passa no Rio de Janeiro e também tem uma ambientação no Maranhão, de onde vem a protagonista, Brisa. Há ainda o núcleo de Moretti em Portugal. Como se deu a escolha desses locais?
Gloria Perez - A novela tem como cenário o Maranhão, o Rio de Janeiro e Portugal, em pesos diferentes. Rio de Janeiro e Maranhão estão muito equilibrados. Sempre tive muita curiosidade pelo Maranhão. É um estado que tem uma cultura muito própria, muita personalidade, até pela sua própria formação: começa com uma ocupação francesa, depois vêm os holandeses e depois é que chegam os portugueses. Além disso têm ali os indígenas, os africanos e toda essa mistura resulta em um caldo cultural muito rico, que se expressa através do folclore, da arte, da música, da dança. Aqui no Rio, escolhi um lugar para situar o coração da novela, que é Vila Isabel: um bairro que tem muito a personalidade da cidade, musical, alegre, com uma tradição cultural também muito interessante. Já Portugal é a referência de um brasileiro que sai do Brasil para fazer sua vida em outro país, algo que está acontecendo muito. Não vou mostrar a cultura portuguesa dessa vez. O que faz sentido para essa história é que esse personagem, Moretti (Rodrigo Lombardi), que tinha que sair do país, vá trabalhar em outro lugar. E Portugal me pareceu como sendo muito viável, até mesmo pela profissão dele, que é construtor.
A história de Brisa é árdua. Ela está prestes a se casar e vê sua vida virada de cabeça para baixo por conta de uma deepfake. Precisa recuperar sua identidade. Conta um pouco sobre essa mocinha.
Gloria Perez - Brisa vai passar por uma situação horrorosa, mas uma característica dela – assim como das minhas protagonistas, sempre – é ser uma mulher altiva, forte. Que enverga, mas não quebra! A Brisa é exatamente assim: intensa, cheia de personalidade e atitude, também de muita ternura e alegria. Tendo ficado órfã muito cedo, cresceu nas casas de um e de outro, aprendendo a se virar sozinha, a se defender sozinha. Tem a força e as carências dos sobreviventes. Como todas as minhas protagonistas, vai enfrentar os obstáculos com os quais terá que lidar em sua travessia, com os erros, acertos, a coragem e as fragilidades, que fazem parte da complexidade humana. Ela nem entende por que sua vida vira de cabeça para baixo. Vítima de uma deepfake, ela é quase linchada por uma situação que não entende. E ela, claro, fica apavorada. Pede socorro no carro de um homem que ela acha que também está sendo procurado pela polícia e ela não sabe por quais crimes. Consegue chegar ao Rio de Janeiro, onde não conhece ninguém além do Oto. A polícia está atrás dela, e ela acaba sendo presa com uma arma na mão. Ela está tão amedrontada que não diz sequer o nome na delegacia por medo da situação ficar pior. E ainda fica sem comunicação com ninguém, porque a bolsa dela é roubada e hoje em dia ninguém decora número nenhum de telefone. Brisa é uma mulher muito forte, mas que vai passar por toda essa situação. E o que vai defini-la como forte não é cair, mas saber levantar. Eu disse isso para a Lucy (Alves, protagonista): se você nunca caiu, nunca foi derrubada por uma situação vivida, como vai saber que é forte? A Brisa é testada pela vida de cara. E levanta, para lutar. Ela sabe levantar!
Você costuma acompanhar o processo de início dos trabalhos com o elenco, faz visitas ao set? Costuma fazer parte do processo, desde a preparação até gravações?
Gloria Perez - Eu me envolvo muito! Converso pessoalmente com os atores, com o diretor, acompanho as leituras. A primeira leitura que fizemos desta novela foi muito boa! Ali já encontramos um tom muito bacana e, de cara, já gostei muito do que vi. Também estive nos Estúdios Globo no primeiro dia de gravações, e acompanhei algumas outras depois.
E você ajudou na escolha do elenco? Temos grandes nomes nessa obra, um trio de protagonistas jovem, mas já muito conhecido do público, e também grandes apostas.
Gloria Perez - Eu me envolvo na escalação, sim. Fui eu que escolhi a Lucy, por exemplo, gosto muito dela desde que a vi no "The Voice Brasil" e, a partir dali, já queria fazer uma novela com ela. Em cada ator, nós, autores, temos que reconhecer que ele é como um instrumento. Eu tenho uma partitura, que no caso é a personagem, e o ator tem que corresponder àquilo. Se, por acaso, o ator não corresponde ao que você imaginou para ele, você tem que aceitá-lo e ter tempo de adequar o papel às características dele. O autor tem tudo a ver com o elenco. E tem que se apaixonar pelo ator para escrever para ele. Assim como o diretor, que vai ter que conviver com o talento diariamente. Tem que ser uma escolha alinhada, em concordância, uma coincidência de escolha. Porque se um dos dois não concordam, não dá certo.
E como você descreve sua parceria com o Mauro Mendonça Filho?
Gloria Perez - Somos uma dupla acelerada, louca! (risos). É meu segundo trabalho com Maurinho, mas a primeira novela. O primeiro trabalho foi "Dupla Identidade".
Falando ainda em elenco, alguns personagens de Salve Jorge como Helô, Stenio e Creusa estão de volta em "Travessia". Como é a continuidade desses personagens na nova novela?
Gloria Perez - Eles voltam e os três estão envolvidos, de alguma forma, na história central da deepfake, que vai perseguir a protagonista durante a novela. Helô, Stenio e Creusa são personagens que ficaram muito impressos na imaginação das pessoas e, constantemente, me pediam de volta. E eu tinha uma história onde necessariamente teria que ter um advogado e a polícia. Lembrei dos dois e achei que seria um charme trazê-los! Eles têm uma função na história central e que combina com o temperamento e com a relação deles. Se na vida pessoal eles têm um vínculo, estão unidos através do afeto, no âmbito profissional estão sempre batendo de frente. Unido a eles, trouxemos Creusa, divina com seu “Donelô”, que é a madrinha da protagonista, de volta à casa da delegada e querendo unir novamente esse casal que, agora, está separado.
A dança também é uma marca muito particular das suas tramas. Conte um pouco sobre isso.
Gloria Perez - A dança de salão não pode faltar nas minhas novelas! Com o fim da Gafieira, que era um cenário lindo, não quis substitui-la em "Travessia" por um quadrado ou um cenário qualquer. Então, aproveitando o bar de Vila Isabel, pedi para Maurinho fazer um calçadão. Ali sempre estará tocando alguma música. A ideia é que as pessoas dancem ali.
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