Por Helder Moraes Miranda, editor do Resenhando.
O amor é sublime, estranho e, em alguns casos, tétrico. Em "Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito", dirigido com acidez, eficiência e sensibilidade por Tadeu Aguiar e em cartaz até dia 29 de outubro no Teatro Raul Cortez, coloca na essência do amor um tempero picante. O conflito começa quando uma septuagenária recebe a notícia de que o filho único vai se casar com uma mulher desconhecida.
A partir daí, o espetáculo, que traz Vera Fischer, Larissa Maciel e Mouhamed Harfouch no centro de um ringue em que a disputa é a atenção de um homem - porque o amor elas já têm - tira o açúcar do sentimento amoroso para colocá-lo sobre uma ótica apimentada e sem o conservadorismo a que todos estão acostumados a presenciar.
No texto de Eduardo Bakr que é a nata da mais pura ironia fina, Vera Fischer ressurge no teatro para um papel que dá sentido a toda a trajetória de sucesso que construiu antes e que, muitas vezes, foi menosprezada. Ela está brilhante na pele da dona de casa Dulce Carmona, uma mulher que se torna fera para defender os interesses - financeiros - da família.Não há nela um pingo de pieguice ou falso moralismo: ela é o que é, sem formalidades.
Dizer que a veterana está linda no papel é redundância, no entanto é impossível não perceber as trocas de figurino, as subidas e decidas da escadaria cenográfica e as paradas cinematográficas que ela dá ao longo do espetáculo - além das corridinhas em saltos altíssimos e roupas esvoaçantes que desenham a aura da personagem e alimentam o mito de diva que acompanham a história de Vera Fischer ao longo dos anos. Mas ela não é só isso: Vera Fischer é carisma puro e, a exemplo desta peça, merece papéis tão marcantes quanto o de Dulce Carmona nos próximos trabalhos, já que o talento dela é patrimônio nacional.
Do outro lado do embate, está Larissa Maciel interpretando uma rival à altura. Com nome de flor, Gardênia é cínica, dissimulada, manipuladora e extremamente dócil. Não é uma rivalidade feminina gratuita, ambas se odeiam e se aturam, mas, ao mesmo tempo, querem se destruir. Difícil imaginar outra atriz, que não seja do calibre de Larissa Maciel, para dar coerência a uma personagem tão cheia de camadas. Ela brilha neste papel, sobretudo quando mostra a verdadeira faceta da personagem disposta ao tudo ou nada para alcançar os objetivos. Ninguém é anjo em um espetáculo que fala de amor e isso, por si só, é anárquico e libertador.
Entre as duas personagens está Lauro, interpretado por Mouhamed Harfouch muito bem em um papel que é - propositalmente - ofuscado no duelo de egos e finalidades de mulheres tão profundas e caóticas. Ele se destaca fazendo o contraponto e servindo de escada para duas mulheres alcancem o máximo de suas interpretações. É, também, um exercício de generosidade de um artista talentoso que não precisa provar nada a ninguém.
É certo dizer que ninguém vale nada entre os "amorosos" personagens da peça teatral. Todos defendem algum interesse e têm suas razões que, dentro de um contexto plausível, são fáceis de ser justificadas. "Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito" prova que as mulheres movem o mundo para o bem e para o mal. Nunca o amor foi retratado deste jeito no teatro, o que é sublime, estranho e... tétrico, mas, ao mesmo tempo, memorável.
Ficha técnica
Serviço
"Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito"
Teatro Raul Cortez
Ingressos a R$ 120.
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