Lançando mão de uma narrativa fragmentada, que segue os imprecisos e pouco nítidos territórios da memória, “Os Ossos da Saudade”, de Marcos Pimentel, nos apresenta um panorama sobre singularidades e semelhanças culturais, afetivas e existenciais presentes em pessoas distintas que dividem seus atos de recordar. O filme abre o Cine BH dia 20 de setembro, às 20 horas, no Cine Teatro Theatro Brasil Vallourec. A partir de 22 de setembro, o filme segue para circuito comercial de cinemas, e também, na plataforma de streaming Olhar Play.
Existe uma tese linguística que defende que a palavra saudade - que define de maneira tão precisa o sentimento de falta - só existe na língua portuguesa porque, durante o período das navegações, os lusitanos eram grandes viajantes. Seres errantes que cruzavam os mares por meses, anos e, até mesmo, décadas, deixando para trás sua terra e sua gente.
“Os Ossos da Saudade” mergulha no interior de seus personagens em busca de recordações profundas. Histórias de infância, fragmentos sobre o passado, confissões cotidianas, relatos de viagem. Os cenários são muitos. O filme flutua por arqueologias pessoais e afetivas, flanando por memórias e lembranças de pessoas entregues a pensamentos que não se engessam em modelos estáticos e a olhares que não se fixam em cronologias lineares ou em cartografias precisas.
É um filme sobre a ausência, narrado a partir das vivências de pessoas que experimentam sentimentos de falta e distância, espalhados por Brasil, Portugal, Angola, Moçambique e Cabo Verde. Brasileiros e estrangeiros atravessados pela saudade, que, de alguma forma, carregam o Brasil em seus baús interiores.
O diretor mineiro Marcos Pimentel, nos últimos 20 anos passou a maior parte do tempo viajando, trabalhando com cinema documentário e sendo obrigado a encontrar maneiras de sentir menos falta das pessoas e dos lugares distantes. Esse processo foi a matéria-prima para a realização de “Os Ossos da Saudade”. “Passei a conviver de forma contínua com o sentimento da saudade, que me levou a entender melhor também o que era essencial para minha constituição, o que eu dava conta de viver sem e o que não, o que eu poderia descartar e o que desejava levar comigo nos meus baús interiores para onde quer eu fosse”, diz ele.
“Me dediquei a refletir mais sobre as muitas camadas contidas em cada objeto que guardamos e nos movimentos involuntários da memória, sob os quais não temos controle nenhum e que nos surpreendem de tempos em tempos evocando acontecimentos pretéritos e pessoas que eu não via há muito tempo. Desta forma, passei a me entender melhor como indivíduo, tendo maior noção dos conteúdos que habitavam meu mundo interior”, afirma Pimentel.
Daí, diz o cineasta, veio a vontade de fazer um filme que mostrasse pessoas espalhadas pelos países de língua portuguesa, que vivessem desta mesma forma, “Buscando caminhos e alternativas para sentir menos saudade de lugares e pessoas que, momentaneamente ou de forma definitiva, tinham ficado para trás e que elas insistiam em manter vivas, fortes e bem acesas em seus universos interiores”, explica o diretor.
Com o desafio de percorrer muitos lugares com um orçamento reduzido, a equipe do documentário filmou em cinco países e, muitas vezes, em condições adversas como tempestades em um deserto de areia, mar revolto e cheio de vento no meio do Atlântico, duras escaladas de um vulcão inativo, importunação militar constante em Angola. Muitos obstáculos e um esforço físico demandado por uma equipe mínima que não mediu esforços para chegar a estes lugares e registrar toda a potência imagética deles em harmonia com as lembranças dos personagens que os habitam.
É um filme que se dedica a filmar corpos por espaços. Então, de acordo com o cineasta, era preciso encontrar no cotidiano dos personagens, paisagens que funcionassem como metáforas para tudo que eles sentiam. “E que tivessem a capacidade de evocar os sentimentos que eles tinham por lugares que estavam distantes, mas que se faziam presentes ali, naquelas paisagens próximas de suas realidades no momento em que foram registrados para o filme”, complementa Pimentel.
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