Escrever crônicas foi o jeito que Cláudio encontrou para atravessar o primeiro ano após a morte de sua mãe em meio a pandemia. Nas cartas publicadas no livro recém-lançado, ele e Alexandre provam que o luto não precisa ser vivido de forma solitária, mesmo em momentos em que o silêncio é rei. Mais ainda, os amigos comprovam que experienciar o luto é viver, é ressignificar, e sobretudo, recomeçar.
Nesta entrevista exclusiva, Cláudio Thebas, que também é autor de "O Palhaço e o Psicanalista" em coautoria com Christian Dunker, e "Ser Bom Não É Ser Bonzinho", fala sobre como sobreviver ao luto.
Resenhando.com - Por que escrever um livro sobre o luto?
Cláudio Thebas - O que me moveu inicialmente a escrever foi o desejo de compartilhar as histórias que eu e minha mãe vivemos. Acreditava que essas histórias poderiam inspirar as pessoas a viverem intensamente seus encontros. Mas à medida que fui escrevendo e sendo acolhido pelo Alexandre (Coimbra Amaral), o livro ganhou outra dimensão. Escrever na companhia do Alexandre passou a ser a principal forma de lidar com a dor e o buraco que a ausência da minha mãe deixou no meu peito.
Resenhando.com - Como foi escrever o livro em parceria com Alexandre?
Cláudio Thebas - Não à toa o livro se chama “De Mãos Dadas”. Foi assim que me senti. De mãos dadas com o Alê e com cada um dos seus textos. Seguimos uma dinâmica orgânica. Eu escrevia, colocava o texto no drive e avisava o Alê que tinha um texto novo lá. E o Alê lia, escrevia e me avisava. Era o abraço possível no auge da pandemia.
Resenhando.com - A ideia de publicar já estava prevista, ou foi acontecendo ao longo do processo?
Cláudio Thebas - A ideia de escrever o livro surgiu quando fiz a dedicatória do meu livro anterior, "Ser Bom Não É Ser Bonzinho". Minha mãe morreu pouco antes deste livro ser publicado e fiz a dedicatória pra ela, dizendo que um dia eu contaria a nossa história. O querido Felipe Brandão, nosso editor, leu e me ligou: "agora eu quero que você escreva esse livro!".
Resenhando.com - Na apresentação do livro "De Mãos Dadas" aparece a seguinte explicação: é um livro sobre luto, mas está longe de ser triste. Como dissociar a tristeza do luto?
Cláudio Thebas - Acho que o que quisemos dizer é que não é um livro estacionado neste único sentimento, tristeza. O luto tem muitas cores. E os textos retratam isso. É possível rir bastante em alguns momentos. Nesta paleta, os sentimentos se misturam. Não é um livro triste. É um coração aberto, com tudo que tem lá dentro.
Resenhando.com - O que você descobriu sobre o luto, que ninguém havia contado, escrevendo sobre ele?
Cláudio Thebas - Que é uma gangorra. Que não é um fluxo contínuo. É um vai e vem, altos e baixos. E que escrever é um enorme auxílio e amparo.
Resenhando.com - Escrever o livro "Ser Bom Não É Ser Bonzinho" mudou a sua visão sobre a bondade?
Cláudio Thebas - Não sei se mudou minha visão, mas me ajudou a compreender que ninguém é bom ou bonzinho. É preciso reconhecer que se julgamos que alguém não está conseguindo ser autêntico (estado normalmente associado ao bonzinho), talvez a gente tenha um papel nisso. O que posso fazer, para que tenhamos confiança mútua o suficiente para que todos sejam autênticos?
Resenhando.com - Como aprender a dizer não e, ao mesmo tempo, não se tornar o vilão da história?
Cláudio Thebas - Tenho vontade de iniciar a resposta com outra pergunta? Será que não estamos dizendo não, mesmo sem perceber? Às vezes brinco com a plateia, em minhas palestras. Pergunto: "vocês têm facilidade em dizer não?". Na maioria das vezes escuto a resposta em coro: "nãão!". E então rimos e conversamos sobre isso. Numa sociedade competitiva como a nossa, o mais raro é dizermos sim de coração aberto uns para os outros. Por outro lado, volto ao "bonzinho" que, no julgamento geral, está sempre querendo agradar, falando "sim" pra tudo. Neste caso, a dica que eu daria, diante de um "não" difícil de se falar, seria abrir o coração e vulnerabilizar-se: "estou com o coração apertado, não sei como você vai receber minha resposta, mas preciso te dizer 'não'".
Resenhando.com - Se de médico e louco todo mundo tem um pouco... De médico e palhaço todo mundo tem um pedaço?
Cláudio Thebas - (Risos) Acho que sim. Todo mundo tem um lado "cuidador", associado ao médico, e outro lado "bocó", associado ao palhaço. É esse lado, que nos faz, por exemplo, fazer dancinhas no banho, falar com voz infantil com nossos cachorros. Inventar musiquinhas para cortar cebola. Cuidar e fazer "bocozisses" é sinal de boa saúde mental.
Resenhando.com - É possível levar as características da profissão do palhaço para melhorar a vida no dia a dia?
Cláudio Thebas - Não é só possível. É imprescindível. Estou me referindo entre outras coisas à ludicidade. Brincar é manter-se em estado de interação com a vida. Em estado de criação e reconciliação com nossa humanidade. Como? Atitude simples : brincar de basquete na hora de jogar o lixo, inventar brincadeiras com filhos, parceiros, companheiras e companheiros. Como diz o pensador Álvaro Lages: "não existe coisa chata. Existe jeito chato de fazer".
Resenhando.com - Como usar a escuta a nosso favor?
Cláudio Thebas - A pergunta é boa porque ela ilumina em si o caráter competitivo em que vivemos. Veja que aparecem no questionamento o verbo "usar" e a expressão "a favor", termos clássicos da nossa sociedade ultracompetitiva e neoliberal em que pessoas ou ferramentas de relação são utilizadas para se ter alguma vantagem pessoal. Este modelo se caracteriza por uma escuta adversativa, própria do debate, em que seleciona-se da fala do outro os aspectos que nos favoreçam e que nos ajudem a derrotá-lo. Prefiro acreditar que podemos mudar esse modo de estar no mundo e de nos relacionar. Que sejamos capazes de aprender e exercitar uma escuta lúdica e empática, em que não existam ganhadores e derrotados. Uma escuta aberta e por isso corajosa, que traga benefícios para todos, tais como uma conexão humana mais genuína, acolhimento e clareza do que precisamos para estarmos bem juntos. Neste modelo, não usamos a escuta. Somos a escuta.
Resenhando.com - A que você atribui a dificuldade das pessoas em ouvir o outro?
Cláudio Thebas - Uma das dificuldades em escutar os outros é o enorme apego que temos às nossas certezas. Escutar de verdade implica em correr o risco de sermos transformados pelo encontro.
Resenhando.com - Há alguma tática para, quem não sabe ou não tem paciência, aprender a ouvir?
Cláudio Thebas - Acho que podemos, sim, aprender a escutar melhor e descobrir o que cada um de nós precisa para desenvolver esta habilidade. Livros sobre o assunto, cursos e a prática de um hábito às vezes meio doloroso: levar em consideração a crítica dos outros. Certamente há preciosas doses de verdade dentro até das críticas que soam mais injustas. Como diz meu amigo Christian Dunker: "precisamos aprender a separar o grama de verdade no litro de veneno".
Resenhando.com - Qual é a diferença entre ouvir e ouvir com qualidade?
Cláudio Thebas - Escuto sua pergunta e me parece que você está se referindo a "ouvir com qualidade" como escutar. Pra mim esta é a diferença. Ouvir é dos ouvidos, atributo fisiológico, escutar é competência da mente e do coração.
Resenhando.com - O que mais o surpreendeu durante as gravações da série "Fala que Eu (Não) Te Escuto"?
Cláudio Thebas - O quanto as pessoas realmente não escutavam o que falávamos. Ficava perplexo.
Resenhando.com - Quem é o Cláudio Thebas por Cláudio Thebas?
Cláudio Thebas - Sou palhaço. Inquieto e inconformado. Tenho a convicção de que as grandes revoluções se iniciam nos pequenos gestos. Amo pessoas, encontros, minha família, cozinhar junto e tomar vinho.
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