Por Luiz Gomes Otero, jornalista e crítico cultural.
Integrante da banda Sempre Livre nos anos 80 e dona de uma voz marcante, Dulce Quental vem desenvolvendo uma carreira solo interessante, que aponta para várias influências musicais. O seu mais recente trabalho, "Sob o Signo do Amor", mostra uma mescla de MPB, jazz e bossa nova, entre outros estilos. Em entrevista para o Resenhando, ela conta como foi o início da carreira solo e a criação de parcerias musicais, além de revelar o conceito do novo disco. “Ele surgiu de uma espécie de estado de silêncio e respiração, um mergulho nas sensações, pausas, e desaceleração geral promovida pela contemplação”.
Como surgiu a amizade com o Herbert Vianna e como ele contribuiu no seu início como cantora solo?
Dulce Quental - Conheci o Herbert em 83 no movimento do rock brasileiro. A gente se apresentava nos mesmos palcos, éramos da mesma geração. Uma vez voltando juntos de ônibus, Paralamas e Sempre Livre, começamos a namorar. Eu já havia saído da casa dos meus pais e acabara de voltar da França. O namoro não durou muito, mas a relação foi se enriquecendo. Quando o Sempre Livre entrou no estúdio para gravar o LP "Avião de Combate" fizemos uma demo num estúdio caseiro testando algumas composições, entre elas o "Fui Eu", gravada pelo Sempre Livre. Quando saí do grupo, em 85, ele fez a ponte com a gravadora EMI. No meu segundo disco solo, foi meu produtor e me presenteou com a canção "Caleidoscópio", segundo ele, inspirada no meu jeito de ver as coisas, meio fragmentadas.
Como você define o conceito de um novo trabalho musical?
Dulce Quental - Cada vez é de um jeito. Não existe uma fórmula, entende. Às vezes parte de uma ideia, outras das próprias canções e da seleção final. No caso de "Sob O Signo do Amor", o que foi determinante foi uma espécie de estado de silêncio e respiração, um mergulho nas sensações, pausas, e desaceleração geral promovida pela contemplação, o que favorece a simbiose entre letra e música.
Uma das composições marcantes é uma parceria com o Frejat, na canção em homenagem ao Cazuza ("O Poeta Está Vivo"). Como essa canção foi elaborada?
Dulce Quental - Um dia eu estava na casa do Cazuza, no apartamento da Lagoa, no Rio de Janeiro, e cantei para ele uma canção que eu tinha acabado de compor, chamada "Gato de Sete Vidas". Ele ficou muito impressionado e foi me visitar nos estúdios da EMI onde eu estava ensaiando para um show. Foi lá só para escutar a música de novo. Depois do ensaio fomos a um boteco ali perto, na Rua Mena Barreto, e ele me falou que estava doente e que iria para Boston se tratar. Quando voltou, compôs as canções do que seria o clássico "Ideologia". Eu fiquei muito impressionada com algumas letras, entre elas tinha uma música que falava: “eu vi a cara da morte e ela estava viva” (trecho da canção "Boas Novas"). Achei isso uma porrada! Compus a letra do que viria a ser "O Poeta Está Vivo", impactada pela dor e sofrimento traduzidos naquelas composições. Cheguei até a mostrar para ele, num outro encontro na sua casa. Ele disse que eu estava escrevendo melhor do que ele. Era adorável o modo como fazia as pessoas se sentirem especiais.
Falando em parcerias, você se mostra uma parceira eclética, que passa por nomes como Paulo Monarco, e outros contemporâneos, como Frejat e George Israel, entre outros. Como é que surgem e como acontecem as produções em parceria?
Dulce Quental - As parcerias surgiam da necessidade, antes de tudo, de encontrar alguém para fazer a música. Eu queria dizer muitas coisas, mas não dominava suficientemente a parte musical. Então eu escrevia as letras e dava para os parceiros, sempre procurando aprender com essa troca, inspirada um pouco no que cada um fazia. Com o tempo me dei conta que as músicas ficavam, às vezes, muito diferentes de mim e mais parecidas com eles. Aos poucos fui dominando o processo e trazendo mais para perto do meu jeito. Não sou uma grande melodista, nem toco bem violão, mas hoje percebo que o estilo se faz das nossas características e limitações, e isso não é necessariamente ruim, pode ser interessante.
Em 2012, você lançou o livro "Caleidoscópicas", que reunia crônicas. Você pensa em produzir algo na seara literária no futuro próximo?
Dulce Quental - Depois desse livrinho escrevi um romance de autoficção chamado, "100% Mais ou Menos". Eu estava preparando um livro de contos. Estava indo muito bem, mas parei de escrever para fazer o novo disco. E o romance está na gaveta. Algum dia, quem sabe, tomo coragem e tiro ele de lá. Pessoalmente, acho os contos melhores. O romance deu um trabalho de cão. Passou por dezenas de revisões, tem bons momentos, mas tendo a achar que não é o suficiente para ser editado. Mas foi importante ter escrito.
Como foi que surgiu a ideia do recente trabalho, "Sob o Signo do Amor"?
Dulce Quental - Eu estava me devendo um disco autoral. Meu último trabalho é de 2004. De lá para cá muitos discos foram engavetados. Por falta de dinheiro para produzir, ou porque eu não encontrava o produtor certo, o momento certo. Sob o signo do amor nasceu desse longo silêncio e de uma viagem para dentro, proporcionada, um pouco, pela pandemia. Eu ia viajar para a França para comemorar o meu aniversário de 60 anos, rever amigos que eu não via há 26 anos. Com a pandemia, o projeto da viagem caiu. Acabei indo parar em Angra dos Reis, um dos lugares que mais amo no mundo, onde passei momentos inesquecíveis na infância. Lá aluguei uma pequena casinha, com uma canoa e um stand up, e que servia de casa de apoio para um empresário local. Conversei com ele e pedi para que me cedesse por alguns meses, para que eu pudesse trabalhar no disco. Tive a maior sorte porque apesar de ele ser um cara do mercado financeiro, adorava música, tocava violão e guitarra e, por isso, entendeu tudo. Lá pude viver a experiência de fazer tudo que mais amo que é nadar e compor. Levei meu computador com Pros Tools, meu violão e passava as manhãs no mar e as tardes gravando. Às noites vi as luas mais lindas da minha vida.
Atualmente, quais são as suas referências na música?
Dulce Quental - Gostei muito do disco novo do Caetano. O do Bob Dylan eu passei essa temporada em Angra ouvindo sem parar. Pegava a prancha de stand up e navegava horas com Dylan no ouvido. Gostei muito do último disco da Jane Birkin também. Rap e hip hop, eu adoro. Não entendo bem as letras, mas adoro a parte toda rítmica. É muito criativo e irreverente. Gostei do disco da Rosalía também, "Motomami". Divertido e inteligente. Chico Buarque é sempre uma grande referência, assim como Tom Jobim. Os grandes mestres do jazz. Ella Fitzgerald. Billy Holiday. Paul Desmond, Chet Baker. E os mestres da Bossa Nova. João Gilberto. Carlinhos Lyra... Fez um disco muito lindo recentemente. Um clássico já. Henri Salvador. Stacey Kent...Dos novos: Thiago Amud, Fred Martins, Zé Manoel, Dora Morelenbaum e o seu grupo Bala Desejo, Nina Becker, Jussara Marçal, Mariana de Moraes tem um disco lindo de bossa nova. Raul Misturada, Paulo Monarco.
Como você tem trabalhado para divulgar o novo disco?
Dulce Quental - Tenho feito lives na internet, Instagram, programas de rádio. Estou agora produzindo uma tiragem física do CD e me preparando para os shows. Estou louca para subir no palco de novo e me encontrar olho a olho com o público. Cantar esse disco todo ao vivo. Esse é o meu sonho agora. Viajar junto com as pessoas nessa sonoridade tendo Pedro, Jonas e uma galera incrível de novos músicos do meu lado.
"Amor Profano - Dulce Quental
"Poeta Assaltante - Dulce Quental
"Apenas Uma Fantasia" - Dulce Quental
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