Um manifesto. Um grito. Uma necessidade urgente de (re)pensar o mundo atual com os olhos - cabeça e coração - de Glauber Rocha. Três universos em caos controlado, suportes para olhares apurados e críticos dirigidos para a realidade em que estamos inseridos, para um contexto de pouco caso e desinteresse pelo outro, de declínio da capacidade de convivência, do que é público, coletivo, e de tudo aquilo que isso representa.
“’Quis/mudar/tudo’: como no poema de Augusto de Campos, esse foi o mote desse projeto. Essa é a meta desse trabalho – o desejo de tomada de consciência e de mudança”, diz Bia Lessa, criadora e curadora da exposição "Cartas ao Mundo", em cartaz no Sesc Avenida Paulista, em São Paulo, até o dia 29 de maio de 2022.
A mostra modifica-se diariamente, várias vezes ao dia, e tem uma programação semanal definida, com horário para cada atração, incluindo diferentes montagens do ambiente expositivo, exibições de filmes e performances. Além disso, aos domingos, às 13h, ocorrem cortejos contestadores pela Avenida Paulista.
Ao visitar a exposição-manifesto, o espectador assume outros papéis quando se depara com os três capítulos de uma narrativa cinematográfica que estimula, com realidades e ambientes que ganham vida em uma expografia que se transforma incessantemente, com cenários que se modificam durante a visitação. A mostra quebra as barreiras do que se costuma esperar de uma mostra e se encaminha para uma antiexposição, como diria Tadeusz Kantor.
Formas, cores, atos e reflexos conduzem o visitante e são conduzidos por ele. Performances sequenciais, realizadas por uma dezena de artistas, vão preenchendo, assim, os universos dos filmes "Asfixia", "Mercadoria" e "O Comum". Assim como a experiência de uma miríade de obras de 80 artistas, reunidas com a contribuição especial de Vitor Garcez, Flora Süssekind, Ailton Krenak e Guilherme Wisnik.
Uma exposição-instalação, como define a curadora, com um tríptico fílmico cravado no coração de São Paulo e uma obra no Largo do Paissandu “que foi, realmente, o ponto inicial desse projeto e de seu esforço de reimaginar um trecho abandonado da cidade - e, nesse microcosmo, visualizar e pensar o país”. Essa série, cujos capítulos, ou seja, três universos são vistos em contraste e diálogo mútuo e convidados a um trânsito entre espaço expositivo, e visualização em celulares, sites e TVs. "Cartas ao Mundo" é um projeto intencionalmente expansivo e apresentado em diferentes plataformas, ampliando o diálogo com o público e criando diferentes formas de apreciação.
O tríptico pode ser visto na Globoplay e na plataforma Sesc Digital. A mostra conta com os apoios do Canal Curta, Consulado-Geral da França em São Paulo, Globoplay, Goethe-Institut São Paulo, Instituto Inhotim, LBM e Pinacoteca do Estado de São Paulo, e com realização Sesc.
"Cartas ao Mundo" acontece no Sesc Avenida Paulista, em um local que é símbolo de “cidade” e de “urbanidade”, um espaço expositivo aberto, escancarado para a vida urbana e pronto para ser invadido por tudo aquilo que vem dela: seus olhares, seus sons, seus lamentos, suas opiniões, seus medos, seus desejos, seus sonhos, sua revolta, sua vida que pulsa.
“A intenção é participar de um movimento que diz em alto e bom som ASSIM NÃO. Não a uma cidade e a um país excludentes, que não consegue mais se ver”, anuncia Bia Lessa. E continua: “esse trabalho sai do fundo do estômago, passa pela garganta e cheira mal. Porque ele procura olhar de frente para o que nos sufoca. Porque ele existe com minhas tripas”.
Aos 63 anos, ela dá voz a ações importantes para que este “não!” ganhe corpo, passo inicial para transformação. Assim como na obra de Glauber, em "Cartas ao Mundo" são evidentes a (r)evolução da linguagem, o diálogo com a atualidade, a quebra de barreiras e a ampliação dos limites, a ligação definitiva entre teoria e prática e o indispensável diálogo entre linguagens artísticas.
Expografia
A expografia é baseada numa ideia de doença e cura, transforma-se a cada hora, criando diferentes ambientes a cada um dos capítulos. A trilha sonora das performances é composta por Dany Roland. O Grivo, responsável pela trilha sonora das exposições, e Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, responsáveis pela música tema que ganhará a Avenida Paulista nos cortejos.
O design de luz é de Paulo Pederneiras e a preparação dos atores é de Amalia Lima. Compõem a exposição, três filmes de 60 minutos de duração cada, imagens das obras de 80 artistas, textos e colagens criadas por Arnaldo Antunes.
Capítulo 1: "Asfixia"
Este capítulo, intitulado Asfixia, mostra a degradação da cidade, diante dos problemas oriundos das grandes metrópoles - problemas geográficos, sociais e econômicos. As questões são tratadas a partir de depoimentos, citações, poemas, imagens reais e imagens virtuais. Utilizamos a obra e a personalidade de Glauber Rocha como elemento condutor da narrativa. Móveis hospitalares, duas grandes telas, 300 sacos de lixo compõem a expografia.
Capítulo 2: Mercadoria
O capítulo intitulado Mercadoria mostra a transformação dos cidadãos em consumidores, questionando os valores humanos. A partir da revolução industrial, o desenvolvimento tecnológico viabilizou a fabricação de produtos em larga escala, e consequentemente fez surgir o homem/consumidor. O mundo fica de ponta cabeça, os móveis hospitalares ocupam o espaço aéreo, as obras de arte são transformadas em mercadorias.
Capítulo 3: O Comum
O capítulo três tem como ponto de partida o conceito de Comum de Antônio Negri e Michael Hardt. Uma nova forma de ocupação do Largo do Paissandu é proposta, diante da reflexão visceral de Glauber Rocha. Um coro de narradores é constituído, dando ênfase a ideia de que a cidade é construída a partir da necessidade e do desejo plural. O mobiliário hospitalar é substituído por um labirinto de tecido transparente, uma expografia fluida, caixas de papelão se transformam em suportes de obras.
Sobre Bia Lessa
Bia Lessa, paulista, artista responsável por trabalhos nas áreas de teatro, ópera, artes plásticas e cinema. Recentemente dirigiu os espetáculos: "Macunaíma" de Mario de Andrade, "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa, e "Pi Panorâmica Insana", a partir de autores contemporâneos.
Foi responsável pelo Pavilhão Humanidade 2012, no Forte de Copacabana durante a Rio + 20, pelo Pavilhão do Brasil na Expo 2000 na Alemanha, pela Reinauguração dos Painéis Guerra e Paz na ONU em NY, pela exposição "Grande Sertão Veredas" na inauguração do Museu da Língua Portuguesa, pelo Módulo Barroco na Bienal do Redescobrimento, pela exposição "Claro e Explícito", e "Itaú Contemporâneo: Arte no Brasil 1981-2006", no Instituto Cultural Itaú.
Em cinema dirigiu os longas metragens "Crede-Mi", "Então Morri" e finaliza "Travessia", com estreia prevista para 2023. Dirigiu, ainda, as óperas "Suor Angélica", de Puccini; "Cavalleria Rusticana", de Pietro Mascagni; "Pagliacci", de Ruggero Leoncavallo, "Don Giovanni", de Mozart, e "Il Trovatore", de Giuseppe Verdi, para a reinauguração do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Trabalha atualmente na montagem de "Aida" no Theatro Municipal de São Paulo, com estreia prevista para 2 de junho desse ano. Seus espetáculos e filmes foram apresentados em diferentes países, entre eles no Centre Georges Pompidou, em Paris, no Festival de Outono de Madri, no Festival Theater der Welt, na Alemanha, na Berlinale, em Berlin, em São Francisco, Biarritz, em NY, entre outras cidades.
Black Sun, obra de de Cyril Lancelin. Foto: Carol Vida |
Atividades integradas à exposição "Cartas ao Mundo"
O Sesc Avenida Paulista promove atividades integradas à exposição-manifesto "Cartas ao Mundo", criada por Bia Lessa, em cartaz até o dia 29 de maio. A mostra crítica, inspirada na obra de Glauber Rocha, modifica-se diariamente, várias vezes ao dia, incluindo diferentes montagens do ambiente expositivo, exibições de filmes, performances e cortejos contestadores na Avenida Paulista. Além dessa programação, a instituição promove ações educativas paralelas e gratuitas.
"Black Sun", obra de de Cyril Lancelin, ocupa a área externa do Sesc, até o dia 29 de maio, aos domingos, das 10h às 16h. Lancelin é um artista francês que combina tecnologia e arte, misturando ficção e realidade. O trabalho, em grande escala, convida o público a questionar a sua própria relação com o ambiente construído. Ele cria estruturas complexas e, com a ajuda de um software de computador, imerge essas estruturas num cenário realista.
Todas as instalações físicas do artista estão associadas à relação com o corpo humano, sendo questionada a escala e a identidade de cada imagem social. Seus projetos destacam a “nuvem social”, que define a vida diária dos humanos. As instalações de Lancelin foram exibidas em instituições públicas e privadas em todo o mundo, como China, Oriente Médio, Europa, América do Sul e EUA.
No encontro Ações Inclusivas: proposta de Acessibilidade Comunicacional em Exposições, com Amanda Tojal e Claudia Aoki, dia 11 de maio, das 19h às 22h, serão abordados conteúdos referentes às questões de planejamento de Projetos de Acessibilidade Comunicacional em Exposições e Instituições Culturais e exemplos de programas de acessibilidade implantados nos últimos anos. Também serão apresentados os recursos de acessibilidade desenvolvidos especialmente para Cartas ao Mundo - Ações Inclusivas e as mediações que estão sendo realizadas com esses recursos para os públicos, com e sem deficiência*.
No dia 21, sábado, das 14h às 16h, acontece o evento on-line "Partilha Pedagógica", com Ka Gestão em Arte, Cultura e Educação. Serão coletadas histórias com os professores sobre suas experiências com as linguagens de cenografia, teatro e cinema em contexto com o Brasil que Glauber Rocha traz, sobre a fúria e as emergências. Como prática, ocorrerá a proposição em grupo com as questões recolhidas na etapa anterior, trazendo ao corpo, os gestos e a respiração, e principalmente a consciência das experiências anunciadas.
A Ka Gestão em Arte, Cultura e Educação é formada por artistas educadores. Partem do princípio de que todo cidadão é um artista ao desenvolver sua criatividade e atuar em sua comunidade. Acreditam na arte como um campo político de ação que possibilita a reorganização social e desejam promover, por meio da educação não formal, ações que gerem o encontro, a criação coletiva de ideias e a inserção cultural, fomentando a produção e discussão no contexto artístico e educacional.
Serviço
Exposição "Cartas ao Mundo" no Sesc Avenida Paulista
Até 29 de maio de 2022, terça a sexta, das 12h às 21h, sábados e domingos, das 10h às 18h30.
Local: Praça (Térreo).
Classificação etária: livre.
Grátis.
Agendamento de grupos: agendamento.avenidapaulista@sescsp.org.br
Horário de funcionamento da unidade:
Terça a sexta, das 10h às 21h30.
Sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h30.
É necessário apresentar comprovante de vacinação contra COVID-19. Crianças de 5 a 11 anos devem apresentar o comprovante evidenciando uma dose, pessoas a partir de 12 anos, das duas doses (ou dose única), além de documento com foto para ingressar nas unidades do Sesc no estado de São Paulo.
Veja a programação:
Terças
12h - Exposição "Asfixia"
19h30 - Exibição do filme "Asfixia"
20h45 - Exposição "Mercadoria"
Quartas
12h - Exposição "Mercadoria"
19h30 - Exibição do filme "Mercadoria"
20h45 - Exposição "O Comum"
Quintas
12h - Exposição "O Comum"
19h30 - Exibição do filme "O Comum"
21h05 - Exposição "Asfixia"
Sextas
12h - Exposição "Asfixia"
19h30 - Exibição do filme "Asfixia"
20h45 - Exposição "Mercadoria"
Sábados
10h45 - Exposição "Asfixia"
12h - Exibição do filme "Asfixia"
13h15 - Exposição "Mercadoria"
14h30 - Exibição do filme "Mercadoria"
15h45 - Exposição "O Comum"
17h - Exibição do filme "O Comum"
Domingos
10h45 - Exposição "Asfixia"
12h - Exibição do filme "Asfixia"
13h - Exposição "Mercadoria"
13h - "Cortejo"
14h30 - Exibição do filme "Mercadoria"
15h45 - Exposição "O Comum"
17h - Exibição do filme "O Comum"
Instalação Black Sun, de Cyril Lancelin
Ação externa. Até dia 29 de maio, domingos, das 10h30 às 16h. Livre. Ações Inclusivas: proposta de Acessibilidade Comunicacional em Exposições, com Amanda Tojal e Claudia Aoki.
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