segunda-feira, 30 de maio de 2022

.: Morre Milton Gonçalves, ícone da dramaturgia brasileira

Amanhã, em homenagem ao ator, a TV Globo vai exibir, na ‘Sessão da Tarde’, o especial de Natal ‘Juntos a Magia Acontece’, vencedor do Leão de Ouro em Cannes. Foto: Rede Globo


“Quem tem fé, voa”, dizia Zelão das Asas, personagem eternizado por Milton Gonçalves em “O Bem Amado”, de 1973. Em plena ditadura, o talento inconfundível de Milton encarnou a metáfora criada por Dias Gomes em um país que clamava por liberdade. O ator e diretor que alçou os mais altos voos despede-se hoje da vida, com a serenidade e a grandeza de quem, mesmo com tantos percalços, trilhou uma vitoriosa caminhada na dramaturgia de um Brasil que se acostumou a se emocionar com ele e aprendeu a reverenciá-lo. 

Aos 88 anos, Milton morreu no início da tarde desta segunda-feira, 30, em sua casa no Rio de Janeiro, por complicações em decorrência de um AVC. Viúvo, ele deixa três filhos, dois netos e um legado que se confunde com a história da própria TV brasileira. Antes da fundação da Globo ele já era ator e não escondia o orgulho de seu crachá de número 141 na empresa.

Nascido em 9 de janeiro de 1934, na pequena cidade de Monte Santo, em Minas Gerais, filho de camponeses, mudou-se com a família ainda pequeno para São Paulo, onde foi aprendiz de sapateiro, de alfaiate e de gráfico. Fez teatro infantil e amador e estreou profissionalmente em 1957, no mítico Teatro de Arena, na peça ‘Ratos e Homens’. Depois de uma turnê nacional, decidiu morar no Rio. 

“Sofri todos os percalços entendendo, mas não concordando, com o preconceito racial, que foi um trauma na minha vida. Assim, o teatro para mim foi a grande salvação”, revelou, certa vez, em entrevista ao site Memória Globo. Paraquedista, pirófago (engolidor de fogo), mecânico, Milton viveu muitas vidas em uma carreira com papéis de destaque por todas as áreas e gêneros da dramaturgia – da comédia ao drama, emocionou, fez rir e ecoar sua voz contra o racismo.

Milton participou do primeiro elenco de atores da Globo. Ele chegou à emissora a convite do ator e diretor Otávio Graça Mello, de quem fora companheiro de set no filme ‘Grande Sertão’ (1965), dos irmãos Geraldo e Renato Santos Pereira. Dirigido por Graça Mello, participou das primeiras experiências dramatúrgicas da Globo: o seriado ‘Rua da Matriz’, de Lygia Nunes, Hélio Tys e Moysés Weltman, e a novela ‘Rosinha do Sobrado’, de Moysés Weltman. 

Estreou como diretor de TV na novela ‘Irmãos Coragem’ (1970), de Janete Clair, um marco da televisão brasileira. A partir daí, esteve em várias produções icônicas da emissora: foi o Professor Leão, do infantil ‘Vila Sésamo’ (1972); o médico Percival, de Pecado Capital (1975); o Filé, de ‘Gabriela’ (1975), de Walter George Durst; dirigiu os primeiros capítulos da novela ‘Selva de Pedra’ (1972), de Janete Clair; e, em ‘Roque Santeiro’ (1985), de Dias Gomes, interpretou o promotor público Lourival Prata. Também trabalhou em minisséries como ‘Tenda dos Milagres’ (1985), adaptação do romance de Jorge Amado por Aguinaldo Silva; ‘As Noivas de Copacabana’ (1992), de Dias Gomes, Ferreira Gullar e Marcílio Moraes; em ‘Agosto’ (1993), adaptação da obra de Rubem Fonseca por Jorge Furtado e ‘Giba’, de Assis Brasil; e em ‘Chiquinha Gonzaga’ (1999), de Lauro César Muniz, deu vida ao maestro Henrique Alves de Mesquita. 

Por conta de sua marcante atuação como Pai José, Milton esteve nas duas versões de ‘Sinhá Moça’: na original (1986) e no remake (2006), pelo qual foi indicado ao Emmy Internacional como melhor ator. Na cerimônia de entrega, Milton Gonçalves apresentou o prêmio de melhor programa infantil/adolescente ao lado da atriz Susan Sarandon. Foi a primeira vez que um brasileiro apresentou um Emmy Internacional. 

Em 2008, interpretou o personagem Romildo Rossi, um político corrupto, em ‘A Favorita’, de João Emanuel Carneiro, atualmente no ar na TV Globo, no ‘Vale a Pena Ver de Novo’.

Em 2011, trabalhou na novela ‘Insensato Coração’, de Gilberto Braga e Ricardo Linhares, como Gregório Gurgel. No ano seguinte, voltaria a atuar numa trama de época, ao interpretar o Afonso Nascimento em ‘Lado a Lado’, novela de João Ximenes Braga e Claudia Lage, que ganhou o prêmio Emmy Internacional. Participou ainda de ‘Pega Pega’ (2017), como Cristovão, e de ‘O Tempo não Para’ (2018), como Eliseu. 

Em 2019, atuou na minissérie ‘Se eu Fechar os Olhos Agora’, inspirada na obra homônima de Edney Silvestre. No mesmo ano, encarnou o aposentado Orlando, que com a ajuda da neta Letícia (Gabriely Mota) se tornava Papai Noel, do especial de Natal ‘Juntos a Magia Acontece’, que a TV Globo reexibe na ‘Sessão da Tarde’ desta terça-feira em sua homenagem. “Estar aqui e fazer esse personagem me emociona. É uma batalha de muitos anos, de séculos. A gente tem que eliminar o medo, tem que batalhar. Vou fazer o melhor Papai Noel que eu puder”, celebrou ele, com uma alegria quase juvenil na época das gravações.

Milton também participou de uma vasta e diversa produção cinematográfica. Foram mais de 50 títulos como ‘Cinco Vezes Favela’ (1962), ‘Gimba, presidente dos Valentes’ (1963), ‘A Rainha Diaba’ (1974), ‘O Beijo da Mulher Aranha’ (1985), ‘O Que É Isso, Companheiro?’ (1997), ‘Carandiru’ (2003), ‘Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida’ (2007) e ‘Segurança Nacional’ (2010), onde fez o papel do primeiro presidente negro da história do Brasil.

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