domingo, 15 de maio de 2022

.: Crítica de teatro: "Chicago - O Musical" é a alegria de que o Brasil precisa


Por 
Helder Moraes Miranda, editor do Resenhando. 

As batidas do jazz invadem o palco do teatro Santander e, pelo menos em duas horas e meia de apresentação, a plateia pode embarcar em uma história de adultério, crime e, pasmem, muito alto astral na era de ouro do jazz. Afinal, tudo é jazz e a vida pode, e deve ser bonita - mesmo se a paisagem for acinzentada ou, seguindo a linha do espetáculo, em tons mais escuros. E até na penumbra os personagens exalam vida e otimismo. 

Assistir "Chicago - O Musical" no Teatro Santander em São Paulo é preencher uma lacuna que contempla várias esferas. A começar pelo fato de um espetáculo tão grandioso - embora em uma montagem quase minimalista - voltar a lotar o teatro após a fase mais intensa da pandemia de covid-19. As pessoas estão voltando a viver e o teatro, até pouco tempo atrás, respirava sob aparelhos. O resultado disso são as concorridas apresentações que acontecem de sexta-feira a domingo.

Além da qualidade das apresentações, essa procura desenfreada pelos ingressos se justifica porque as pessoas esperaram por quase dois anos para ver uma nova montagem de "Chicago". Agora, eles se deparam com personagens que erram, metem os pés pelas mãos, mas sempre dão a volta por cima. São personagens que não ficam chorando as pitangas pelos dramas pesadíssimos que enfrentam, mas arregaçam as mangas e vão à luta, independentemente se a motivação deles é certa ou errada.

Carol Costa, como Roxie Hart, empresta à personagem algo inédito: uma pureza que ainda não foi vista nas outras montagens. A Roxie dela é espevitada e esfuziante e a atriz, que se preparou muito para o papel, deita e rola com as peripécias de uma persponagem não-linear. A Roxie Hart de Carol Costa é sacaninha e angelical ao mesmo tempo, como pede o script, mas também oferece uma doçura que nunca foi vista até então. A intérprete de Roxie Harte agrega um quê a mais a um personagem já consolidado - o que não é tarefa fácil e isso tem nome: carisma, talento e uma dose de disciplina.



Não é novidade para quem conhece a versatilidade de Carol Costa, que já foi no teatro uma golpista caricata em "Annie" e a Chiquinha de "Chaves - O Musical". Também não é supressa que ela esteja prestes a assumir outra personagem importante dos musicais da Broadway aqui no Brasil - a Wendy de "Peter Pan".

Do lado oposto da docilidade de Roxie Hart, está Velma Kelly, interpretada pela atriz e cantora Emanuelle Araújo. A força desta mulher de pequena estatura a torna gigante no palco - e ouso dizer que a Velma Kelly de Emanuelle Araújo é mais Madonna que a própria Madonna no auge dos anos 90 - femme fatale, perigosíssima e cheia de maldade e energia para fazer funcionar a dupla de antagonistas mais carismática dos musicais - será difícil superál-as em alguma próxima montagem.

Entre as feras femininas do elenco, somente umn ator com estrada e com estrela para não ser ofuscado. Paulo Szot, ator que já interpretou o personagem  Billy Flynn na Broadway, empresta charme, voz e a dose certa de ironia necessária ao personagem que manipula a imprensa e quem a consome de acordo com os próprios interesses. Seria  Billy Flynn o precussor das fake news ou ele é apenas um reflexo do que já foi visto desde sempre na política?


Por entre Szot, Carol Costa e Emanuelle Araújo desfilam personagens interessantíssimos, como a carceireira “Mama” Morton, interpretada pela atriz Lilian Valeska. Ela faz parte de uma das cenas mais saborosas do espetáculo e, atriz tarimbada dos musicais, segue se destacando com papéis cada vez mais desafiadores. Valeska já foi a protagonista de “Amargo Fruto - A Vida de Billie Holiday” e a carismática Sofia de "A Cor Púrpura".  Completam o time, entre outros artistas, os atores Eduardo Amir, como o marido de Roxie Hart, e L. Cândido, que interpretas uma repórter empática com as causas femininas.

Destaca-se, também, a atriz Estela Ribeiro. Ela aparece em quase todas as cenas e, com uma figura marcante e enigmática, chama a atenção para si, mesmo que esteja parada em cena. O espetáculo acontece sob a direção competente de Tania Nardini, que faz com que a orquestra, que ocupa o palco em todas as cenas, seja uma espécie de narrador que sabe a respeito de tudo e de todos - até das intencionalidades de cada um, que não são tão boas. Ou querem salvar a pele, ou querem fama, ou só são motivados pelo dinheiro. As versões brasileiras das músicas inesquecíveis que fazem parte do show tornam o espetáculo ainda mais interessante e agradável.

A produção original da Broadway estreou em 3 de junho de 1975, no 46th Street Theatre e teve 936 apresentações.  Bob Fosse, coreografou a produção original. No Brasil de hoje, época de Copa do Mundo e de eleições, "Chicago" nunca esteve tão atual e relevante , já que discute ética e moralidade. As apresentações seguem até dia 29, no Teatro Santander, localizado no Complexo JK Iguatemi. O resultado é mágico e arrebatador. "Chicago" é um espetáculo para "botar" um sorriso na cara e sair dançando. Afinal, tudo é jazz e... também pode dar samba.


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