quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

.: Entrevista: Solange Sólon Borges, uma poeta à espera dos girassóis


"Alguns leitores reportaram que foram tocados por algo que nem sabem explicar - será a nossa humanidade em comum? -, que há frases que dão arrepio, que a alma se revela. Tentei nomear aquilo que todo mundo sente, independente de gênero, mas que tem dificuldade de explicitar", afirma a artista em entrevista exclusiva. Foto: Everton Amaro.

Por 
Helder Moraes Miranda, editor do Resenhando.


Solange Sólon Borges 
-  é pura poesia. O livro que ela lançou recentemente, "À Espera dos Girassóis", é só um reflexo da profundidade desta mulher gigante, que alinha nos textos a força do feminino. Além de poeta, Solange Sólon Borges é paulistana, jornalista, especialista em comunicação, mestra em Estudos Culturais (Filosofia/USP Leste). 

Também publicou o livro de poemas "Jardins Irregulares", transitou pelo conto com "Janelas Abertas para Uma Canção Desesperada", escreveu um romance "Todos os Homens são Girassóis", e ainda encantou crianças com os títulos infantis "A História do Cachorro Cheirudo", "Meninas Também Crescem" e "A História do Bichinho Gordão". Solange Sólon Borges  é mais que uma mulher de textos profundos, é um ser cujo olhar diante da vida precisa ser levado a sério. Nesta entrevista exclusiva, você pode conhecer um pouco mais a respeito desta grande artista.


Resenhando.com - Por que o título "À Espera dos Girassóis"?
Solange Sólon Borges - O título remete à ideia de que todo ser humano almeja a luz - representação da paz, tranquilidade, felicidade conquistada. Para que se alcance esse estado, é necessário semear, cuidar das sementes e esperar que brotem e devolvam esse cuidado em forma de beleza. É essa a analogia que quis fazer ao brincar com o título.  


Resenhando.com - Que características você tem de um girassol?
Solange Sólon Borges - O girassol, além de solar, é lindíssimo, com suas pétalas muito vivas, e não é uma planta tímida; seu caule se destaca no meio das outras. Dela tudo se aproveita, óleo, sementes, fruto comestível, um ciclo completo. Os incas faziam referência ao girassol em homenagem ao seu deus do Sol. Um girassol jovem se vira em busca do sol, o mais velho fica fixo, refletindo a sua maturidade. O girassol por si só guarda a sua poesia. Além do mais, um campo de girassóis é a coisa mais linda de se ver, um tapete para deitar a alma. Como amo Vincent van Gogh, ele retratou girassóis pela sua exuberância e colorido, por refletir a vida e a alegria.

Resenhando.com - O que os leitores podem esperar deste livro?
Solange Sólon Borges - A proposta do livro é proporcionar uma viagem pelo universo feminino, um mergulho, com as expectativas que se pode guardar diante da família, de si mesma, das estações que muda a perspectiva e o humor. Por isso, construí o texto dividido em partes, como os "Jardins Regulares", que revela o desejo de harmonia, de beleza e permanência, em contraponto ao meu primeiro livro Jardins irregulares, que considero mais hermético. Passeio pelos cômodos de uma casa - porto seguro de cada um de nós - ao tratar da hora do banho a dois, de cozinhar juntos, do quarto como campo sagrado, daquele que sai, de quem fica, de quem retorna. Alguns leitores reportaram que foram tocados por algo que nem sabem explicar - será a nossa humanidade em comum? -, que há frases que dão arrepio, que a alma se revela. Tentei nomear aquilo que todo mundo sente, independente de gênero, mas que tem dificuldade de explicitar.

Resenhando.com - A exposição de uma jornalista em escrever e publicar poemas é maior?
Solange Sólon Borges - Apesar de o ofício de escrever ser o mesmo, no jornalismo o exercício é dar objetividade ao texto, no literário, trabalhar com o eu lírico. Muitas vezes, as pessoas se surpreendem ao olhar para o meu texto poético e não reconhecer a jornalista acostumada a ter um texto direto, porque o texto literário é um voltar-se para dentro, nem sempre compreensível à primeira leitura. Creio que há exposição maior, sim, pois traz muito da intimidade, mas o retorno também é gratificante.

Resenhando.com - Em que você se expõe mais, e por outro lado, em que você mais se preserva, em seus textos?
Solange Sólon Borges - Penso que exponho muito a expectativa feminina frente à vida, ao outro, seus ideais e como tenta conciliar os diversos aspectos de sua vida e os rumos possíveis a serem tomados. Creio que são pontos em comum a todas as mulheres, apesar dos caminhos serem diversos. Exponho muito a minha alma e talvez me permita preservar os que estão à minha volta, meus amores, não os nomeio para que sejam universais... ao deixar no ar se o que foi retratado realmente ocorreu, um mistério a ser desvendado. Aquela mulher existe de fato? Aquele homem é real? Aquela casa poderia existir? 

Resenhando.com - O que une a Solange de antes, aquela que começou a escrever poemas, e a de agora - uma reconhecida jornalista e escritora independente? 
Solange Sólon Borges - O elemento unificador é a maturidade conquistada a duras penas, diga-se. São 36 anos de atividade jornalística e mais de 40 na literária. Desde jovem me aventurei a escrever, mas confesso que tenho uma pasta "secreta" (opa, contei um segredo) de impublicáveis, pois são meros exercícios. É preciso ter discernimento onde se erra e se acerta, o que pode ser melhorado ou destruído. E, para isso, é preciso ter distanciamento afetivo do texto - para ser crítico - e deixar o tempo fazer o seu trabalho: possibilitar vivências necessárias para que as experiências ganhem contorno e expressão, para que se siga em frente e se olhe o passado com outros olhos. Creio que a jornalista hoje é menos idealista.


Resenhando.com - O que mais iguala e o que mais difere essas duas mulheres de épocas diferentes?
Solange Sólon Borges - No começo da carreira a gente sempre pensa que pode influenciar tanto a sociedade que as mudanças serão inevitáveis. O jornalismo - em sua forma clássica - vive uma crise: hoje todos são geradores de conteúdo e o sistema é o mesmo com seus mecanismos de pressão. Um salto poderá ser dado rumo a uma sociedade mais organizada e igualitária, mas trata-se mais de uma alteração interior, e penso que a poesia pode auxiliar nesse entendimento: é preciso ter um olhar amoroso para com o outro; é necessário cultivar amor, compaixão, fidelidade aos seus princípios, parceria, respeito. Hoje acho que sou mais uma profissional das letras do que do jornalismo e voltei-me à prosa poética e o ritmo interior de uma frase, sua musicalidade própria. Foi uma evolução, creio.


Resenhando.com - Qual foi o critério de escolha das poesias para o livro?
Solange Sólon Borges - Neste livro, especificamente, dividi o livro em duas partes. "Chão de Serpentes & Equilíbrio" traz poemas soltos, escritos em diversos momentos, mais duros, nem sempre sentimentais. Já a primeira parte foi feita em um fluxo contínuo, praticamente. Imaginei que poesia haveria no dia a dia em um lar e fiz um passeio pela casa - a sólida, onde habitamos, mas que leva à estrutura interior, a que nos habita, repleta de sonhos e expectativas, chegadas e partidas, emoções e naufrágios. Como, por exemplo: “Há dias de sol tão forte que me abro inteira - feito cortinas -, assim as perdas queimam e secam as cicatrizes. Quero violetas com flores porque o trabalho de cura é só meu”, um exemplo de comparação do jardim exterior e interno, com os quais brinco, ao trazer também "Motivos de Chegadas", "A Casa dos Sabores", "A Linguagem das Águas", "As Estações do Amor (Temporais, Verão, Primavera, Outono, Inverno)".


Resenhando.com - Que conselhos você dá para as pessoas que pretendem enveredar pelos caminhos da escrita?
Solange Sólon Borges - Leiam muito bons autores. É preciso ter repertório, além de imaginação. Já ouvi autores jovens afirmarem que não gostam de ler para não serem influenciados ou que nunca muda um texto porque ele nasceu assim. Bobagem, todos somos influenciados uns pelos outros. Essa é a grande troca da vida e do labor literário. Uma coisa é ter a lista de autores que o influenciaram, outra, é cometer plágio. A linguagem com a qual trabalhamos é a mesma, reinventá-la como Graciliano Ramos e Manoel de Barros [“o mundo não foi feito em alfabeto”, como diz ele] é um ato genial, um serviço de carpintaria que nem sempre se alcança. Mas o importante é encontrar a própria voz, o estilo, o jeito que se escreve, o que demanda exercício, espírito crítico, editar um texto quantas vezes for necessário. Não há texto que nasça pronto e não possa ser melhorado. Ao se olhar para como os grandes escrevem, apontam para a disciplina e às vezes chegam ao fim do dia e jogam fora tudo o que foi escrito para, no dia seguinte, retornar ao ponto inicial. Esse desapego é maturidade e espírito crítico, essencial para se desenvolver no campo das letras.


Resenhando.com - Quais livros foram fundamentais para a sua formação enquanto escritora e leitora?
Solange Sólon Borges - Desde jovem leio muito, contando com o incentivo dos meus pais, que nunca me negaram um livro. Na infância, fui fisgada pelos gibis e pulei rapidamente para Monteiro Lobato e seu sítio, "Meu Pé de Laranja Lima", de José Mauro de Vasconcelos, "Éramos Seis", de Maria José Dupré, "Pollyana", livros que, de modo geral, influenciaram a minha geração. Saltei para Machado de Assis (que estrutura de texto!), e li muito dos nossos brasileiros, pegando livros em bibliotecas: Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, José J. Veiga, Gibran Khalil Gibran, a poetisa Orides Fontela, a romancista Letícia Wierzchowski, de "A Casa das Sete Mulheres", "Sal", "Uma Ponte para Terebin". Mas também leio muitos livros de história e de filosofia. E adoro um bom mistério: já li tudo de Conan Doyle, sou fã de Sherlock Holmes. Também me agrada a ficção científica, nada como Ray Bradbury, H. G. Wells, Aldoux Huxley, Anthony Burgess, os distópicos, como "1984", "A Revolução dos Bichos" e "Laranja Mecânica". Leio muito os latino-americanos e os espanhóis, Isabel Allende, Gabriel Garcia Marques, Julio Cortázar, Jorge Luis Borges no topo, mas também um escritor espanhol que conheci recentemente e pelo qual me apaixonei Ildefonso Falcones. Tenho uma mania: quando vou a outro país, quero conhecer primeiro as livrarias e peço indicações. Assim, conheço gente nova e sempre me surpreendo. Na viagem que fiz a Cartagena de las Índias, na Colômbia, trouxe livros do Gabo, claro, mas conheci uma poetisa maravilhosa, Piedad Bonnett, de uma sensibilidade ímpar: “Las cicatrizes son las costuras de la memória...”. Há tanta gente boa para se conhecer, tantos livros incríveis nos esperando... essa conversa entre culturas é uma dádiva.


Resenhando.com - Como e quando começou a escrever?
Solange Sólon Borges - Fui alfabetizada muito cedo: mamãe era professora e comecei a ler precocemente. Eu me lembro de uma composição (na minha época se chamava assim!), no segundo ano primário, que deu vazão à minha imaginação: o escritório, fechado à noite, estava uma bagunça na manhã seguinte, pois os objetos ganhavam vida... o lápis dançava com a caneta, o furador usava as bolinhas de papel como confete e rolava uma baita festa! Minha professora, Maria Judith Cassoli, ficou encantada e falou que, no futuro, eu seria escritora ou jornalista. Ela acertou. Nunca mais parei de escrever desde então, coisas ruins, medianas, sofríveis, até encontrar o meu próprio tom.  


Resenhando.com - Quais escritores mais influenciaram a sua trajetória artística e pessoal?
Solange Sólon Borges - No jornalismo, a linguagem fluente de Machado de Assis e João do Rio e seu ritmo flaneur. Clarice Lispector, especialmente, Cecília MeirelesFernando Pessoa, Mario de Sá Carneiro, Florbela Espanca, Cora Coralina, Tagore e Carlos Drummond, para citar alguns. A lista é longa... citaria mais uns 30, entre os expoentes do new journalism, o jornalismo literário.


Resenhando.com - É difícil ser escritora no Brasil?
Solange Sólon Borges - E como! De acordo com a última pesquisa Retratos da Leitura, a venda de livros de poesia representa 1,2% das vendas e se vende mais literatura estrangeira do que brasileira. mas, como sabem, viver de literatura, no Brasil, é um risco e um ato mágico. Eu arrisco.    


Resenhando.com - O quanto para você escrever é disciplina? 
Solange Sólon Borges - Escrever é ato que exige disciplina, pois é necessário autocrítica constante e o fato de se escrever com constância aprimora o estilo e o repertório e é preciso comprometimento com o texto. Claro está que, em alguns momentos, o texto surge numa explosão espontânea, mas nem sempre é assim. 


Resenhando.com - É mais inspiração ou transpiração? 
Solange Sólon Borges - Há mais transpiração mesmo, não adianta ficar só contando com uma ‘musa’ que desce para o nosso plano. Eu escrevo todos os dias, como jornalista, por dever de ofício, ou escritora, mas também me dou o direito de ter os períodos de pausa e ampla vagabundagem. Escrever deve ser algo prazeroso e não doloroso, mas às vezes o ato de escrever é algo tão profundo, que remexe memórias íntimas e causa certa aflição mesmo.


Resenhando.com - Quanto tempo por dia você reserva para escrever?
Solange Sólon Borges - Deve-se estar apto a aproveitar esse momento sensível ou prontificar-se a escrever sobre determinado tema, que eu começo e nem sei onde irá parar. Muitas vezes acordei com uma imagem na cabeça que se transformou em um texto literário e até com uma frase completa e é necessário dar vida a isso. Muitas vezes, um texto em pouco tempo mostra o seu esqueleto, mas devo me debruçar sobre ele para levá-lo ao término, e aí não é possível definir o tempo empregado. Já escrevi contos em duas horas e outros que mexi durante anos na estrutura até entender que estava pronto diante do proposto.


Resenhando.com - Você tem um ritual para escrever?
Solange Sólon Borges - Já escrevi de tantas formas que nem sei se posso dizer que há um ritual. Às vezes, na rua, algo vem à mente e então preciso procurar um café para sentar-me e escrever. Sempre tenho papel e caneta comigo e o bloco de notas do celular é hoje um poderoso aliado. Também rabisquei alguns trechos durante um trabalho jornalístico e os guardei depois para o literário. Gosto de escrever durante viagens, mas também de estar em um ambiente silencioso, de preferência com uma boa taça de vinho, o que ajuda a relaxar e dar fluxo ao texto. Tenho hábitos noturnos e fico na minha escrivaninha disponível para perceber se algum texto irá brotar ou não. Já aconteceu de saírem vários, na sequência, e, em outros dias, nada surge. O mais importante é estar à disposição para entender que algo foi maturado no subconsciente e está vindo à tona. Por preguiça ou sono, algumas vezes deixei esse momento passar, anotei frases que surgiram, mas perdi a completude do poema. É difícil explicar como acontece esse processo, do subconsciente para o papel, mas quando ele vem eu tento parar tudo e dar atenção a esse instante que nunca mais voltará.


Resenhando.com - Qual o mote que faz você ficar mais confortável para escrever? Uma frase? Uma imagem? Um incômodo?
Solange Sólon Borges - Um pouco de tudo, como disse, já acordei no meio da noite com uma imagem, uma frase pronta na cabeça, que acabou virando um poema ou um conto. Mas, muitas vezes, é esse incômodo mesmo de colocar para fora algo que está no inconsciente, eu nem sei como nomear exatamente isso que fica ali martelando. Então, quando surge esse incômodo que é mais forte do que eu, paro tudo e vou escrever, colocá-lo para fora, pois é como se tivesse vida própria e eu não tenho controle sobre isso. É preciso respeitar esses mecanismos e trabalhar com eles a seu favor.

Resenhando.com - Em um processo de criação, o silêncio e isolamento sao primordiais para produzir conteúdo ou o barulho não te atrapalha? 
Solange Sólon Borges - Já escrevi em lugares extremamente ruidosos, como um café, por exemplo. A atmosfera ali é propícia à escritura e me isolo tanto, em uma bolha, que sequer percebo o que está acontecendo à volta, mas é um momento de anotar ideias, fazer rascunhos. Em outros momentos, gosto de ficar quieta no meu canto, em pleno silêncio, para me dedicar totalmente a um texto intimista, que exige mais reflexão. Só não consigo escrever ouvindo música, que geralmente me distrai completamente. Na finalização de um texto, necessito do silêncio mesmo, pois fico lendo em voz alta para perceber o ritmo, a musicalidade, se tudo está no lugar certo, para encontrar o tom e a voz. Cada um tem um processo.

Resenhando.com - Como conciliar a rotina de uma jornalista com o ato de ser escritora e escrever os textos autorais?
Solange Sólon Borges - Eu trabalhei por muitos anos na Rádio Bandeirantes, em São Paulo, e o querido José Paulo de Andrade, que volta e meia me pedia algum texto específico, para o Dia das Mães, das Crianças, da Poesia, por exemplo, que ele lia geralmente no jornal "Pulo do Gato", sempre me perguntava como eu conseguia "virar o botão" da jornalista para a escritora e fazer textos tão diversos. Eu sempre respondi que não sabia mesmo. Nesse caso, era até a confluência do jornalismo com a literatura, que se transformava numa crônica radiofônica. Fiz isso também na Rádio Gazeta AM, onde meus textos eram lidos pelo saudoso Moraes Sarmento. Acho que a grande diferença é que a construção jornalística, especialmente a de rádio, é a construção de um texto bem mais direto e objetivo em sua estrutura. O texto literário permite subverter a ordem, apesar de também necessitar de lógica para o seu entendimento e permitir uma cadência rítmica que dá vazão à lírica e à musicalidade própria de um texto poético. É possível conciliar esses dois lados, como muitos escritores fizeram, atuando como jornalistas e se dedicando à vida literária ao mesmo tempo ou em momentos distintos de suas carreiras.


Resenhando.com - Para você, quais as características separam um texto bom de um ruim?
Solange Sólon Borges - Creio que um texto precisa ter coerência, para ser entendido, e certa elegância, para cativar o leitor, sem contar o aspecto gramatical, ou seja escrever respeitando algumas regras, mas sem ser escravo delas, dar outro propósito às palavras, fugir do banal. O texto ruim é quando se percebe que ele não tem uma razão de existir, não tem um propósito concreto, não foi trabalhado, se torna verborrágico e vazio. Já joguei muito texto fora porque percebi que não era o momento daquele texto ter nascido e às vezes a mesma ideia pode aparecer em outro momento de forma mais clara e burilada. Escrever é mais "jogar fora" do que deixar permanecer. É preciso desapego. Para escrever bem, gasta-se horas, em uma poltrona, conhecendo humildemente o texto de outros autores, suas ideias, como usar uma determinada palavra dentro de um contexto, ganhar repertório e criar imagens. E às vezes é o momento mesmo: quando li João Cabral de Melo Neto pela primeira vez, não gostei do texto, não era o meu momento de enfrentar um texto tão dramático e a construção que ele fazia. Ao revisitá-lo, tempos depois, entendi sua profundidade e agora gosto muito e o respeito. Isso vem com a maturidade de leitora também. Há textos que já olhei, para poder avaliar e criticá-los, e não fazem parte do meu universo como leitora. Para mim, são sofríveis, como os romances hot, febre atual, e Paulo Coelho, nada me acrescentam e não gosto do estilo. Mas ler algo é sempre melhor do que não ler nada. E, claro, também estou sujeita ao fato de outras pessoas lerem o que escrevo e simplesmente não gostarem. Por sorte, a literatura pode ser democrática.


Resenhando.com - O que há de autobiográfico nos textos que escreve?
Solange Sólon Borges - Há demais, eu diria. Escrever é se expor, carrega tons autobiográficos, pelo que se leu de outros autores, pelo que se viveu, e que ficou amadurecendo no próprio interior. Trata-se de uma interpretação muito pessoal com uma visão própria do mundo. Quando me exponho em um poema diante da alegria, de um desalento, um rompimento, acaba sendo muito intimista com tons biográficos. No meu romance "Todos os Homens São Girassóis", agraciado tempos atrás com o prêmio Clio da Academia Paulistana da História, há pedaços da minha infância e adolescência que são bem autobiográficos. Porém, misturo outra voz que seria aquela que ressoa em cada ser humano, na qual uma pessoa pode se reconhecer, pois todos nós nascemos com expectativas, não sabemos o que virá pela frente, como se desenrolará nossa história pessoal, o que planejamos para a vida e, na verdade, tomou outro rumo. É uma forma de dizer que nosso controle sobre a vida é ínfimo e usei minha história pessoal para promover essa reflexão que é universal, apesar de biográfica.


Resenhando.com - Hoje, quem é a Solange Sólon Borges por ela mesma? 
Solange Sólon Borges
Essa é a pergunta mais difícil de responder talvez. Eu não sei, me desconstruo e construo como pessoa a cada dia. Sempre fui muito sonhadora e imaginei para mim uma vida que não se concretizou, mas que sob muitos aspectos foi melhor do que o planejado. Ao olhar-me em retrospecto, gostaria de ter mais momentos promissores, mas tudo isso me fez amadurecer como pessoa e ser quem sou: sentimental demais, perceber tudo com forte profundidade, e nem sei se isso é bom ou ruim, mas é assim que sou e faz parte da minha gênese. A vida é uma brisa e procuro vivê-la intensamente com um olhar mais sutil dentro do cosmos que habitamos. Não é tarefa fácil despregar-se da materialidade que nos rodeia para compreender essa sutileza, o que etéreo e está à volta. Vivo em parte nesse mundo e tento vê-lo de forma mais translúcida e tranquila, mas, isso só vem com a maturidade. Penso que estou bem com isso e me sinto feliz e realizada. Há generosidade inclusive na adversidade. Entre tantas lições que precisamos aprender durante a pandemia, atravessei um processo criativo extremamente interessante, quando eu e o amigo Coca Valença escrevemos juntos o livro "Mudei Meu Passado, e Agora?", que se encontra em gráfica. Ou seja, duas cabeças e quatro mãos e foi um exercício interessante aprimorar esse texto e ceder em alguns aspectos diante da opinião do parceiro literário, o trabalho de dar e receber, e especialmente agradecer, nessa nossa humana trajetória.  


"A Vertigem dos Girassóis" - Solange Sólon Borges



2 comentários:

  1. Parabéns pela entrevista!
    Ao contrário dos girassóis, Solange S. Borges, mulher madura, transita intrépida, com leveza poética entre dores e amores, concretude e sonhos.
    Em tempos sombrios como o que nos encontramos, a poesia soa como ato de resistência, bálsamo para almas doloridas, trazendo raios luminosos de esperança.

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  2. Solange é uma das melhores escritoras que conheci. Ela consegue traduzir sentimentos em palavras. De fato, como ela mesma mencionou na entrevista, ela foi capaz de proporcionar um mergulho em águas nunca antes exploradas. Seu texto é leve, mas profundo. Instigante, mas não enfadonho. Suas obras ainda serão muito valorizadas. Se não aqui, lá fora certamente!
    Alex de Souza

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