segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

.: Entrevista: Bráulio Bessa fala sobre a poesia que transforma e série poética


Bráulio Bessa para documentario Globoplay "Poesia que Transforma. Foto: Globo/Sergio Zalis


O Globoplay estreia a série documental "Poesia que Transforma". Idealizada por Duda Martins em parceria com Bráulio Bessa, com direção de Duda e de Chico Walcacer, e roteiro assinado por Douglas Vieira, a obra conta as histórias de brasileiros que, no momento certo, se cruzaram com a vida e obra do poeta popular Bráulio Bessa. 

Com cinco episódios temáticos -  raízes, amor, igualdade, fé e recomeço -, três pessoas de dez diferentes estados do país têm suas trajetórias revisitadas desde as origens até o momento em que seus caminhos se cruzam com os versos de Bráulio Bessa. “Hoje, percebo ainda mais a força existente na palavra. Percebia isso em cartas, depoimentos, e-mails, abraços, em cada história que meus leitores me contavam, mas agora percorri geograficamente o caminho que a poesia fez e foi muito emocionante. Contar essas histórias é uma grande homenagem à poesia, à esperança, ao amor, à bondade, à sensibilidade humana”, diz Bráulio. 

O documentário ainda navega por temas da atualidade, como racismo, homofobia, intolerância religiosa, desigualdade social, xenofobia e tantos outros assuntos que também atravessam a obra de Bráulio Bessa. “Encontramos um Brasil que é muito mais conectado à poesia do que poderíamos imaginar. Em tempos tão difíceis, conhecemos gente de todas as idades, de todas as classes, de norte a sul do país, respirando poesia. Foi uma experiência transformadora pra todos nós”, relata o roteirista Douglas. 

A diretora Duda Martins, também nordestina, conheceu Bráulio Bessa nos bastidores do programa "Encontro com Fátima Bernardes" e teve a ideia do projeto ao perceber a riqueza dos relatos que espectadores enviavam ao programa após as participações de Bráulio no seu quadro “Poesia com Rapadura”. Em sua visão, a série é um convite para o público se dar de presente. “O presente de parar, respirar e olhar para dentro. Um fôlego em meio ao caos. ‘Poesia que Transforma’ é uma forma de ver o Brasil bonito de novo, com os óculos da poesia. O país que amamos, cheio de potencialidades, histórias inspiradoras e arrebatadoras, e contadas por todo tipo de gente”, defende.

Durante quatro meses de viagens e gravações, o poeta e a equipe da série captaram de perto histórias, momentos e imagens de um Brasil múltiplo, com o olhar e a sensibilidade do diretor de fotografia Lucas Oliveira, parte fundamental para a narrativa, que junta periferia, favela, floresta e sertão, depois de percorrerem mais de dez estados e 15 cidades, de Norte a Sul do país. Entre elas estão a terra natal de Bráulio Bessa, Alto Santo; Juazeiro do Norte; Assaré; Jaguaribe; Jaguaruana, Fortaleza; Pau dos Ferros; Salvador; Cuiabá; São Paulo; Porto Alegre; Rio de Janeiro; Reserva Amanã, em Manaus; Brasília; Poconé; Santarém; Óbidos; Tefé e Maraã.

Além dos depoimentos, a série, em uma referência à trajetória de Bráulio Bessa - marcada desde a infância por uma relação afetiva com a costura - ofício da sua mãe e avó - entrelaça a vida do poeta e das pessoas. A cada encontro, um verso bordado é deixado, como forma de espalhar simbolicamente a poesia. São peças feitas à mão pela artista pernambucana Blenda Souto Maior. A costura e o artesanato também estão presentes com obras inovadoras e pop que misturam fotografia e bordado, assinadas pela artista Cami Pires. É tradição e contemporaneidade caminhando juntas. “A nossa ideia era mostrar poesia em cada elemento do documentário. Seja nos bordados, nas imagens, nos sons e texturas de cada lugar, também nos silêncios e nos abraços. A poesia se revela num tempo diferente, que se opõe ao ritmo frenético que vivemos hoje. Existe um olhar atento à pluralidade. A gente queria mostrar o Brasil mais profundo, mas também o país mais urbano e pulsante”, conta Chico Walcacer. 


A poesia na vida do poeta 
A família, a esposa Camila, Alto Santo, o Nordeste, os afetos, suas raízes, o sertão, o Brasil, os assuntos de ontem e hoje. São diversas as inspirações de Bráulio Bessa. Antes de transmitir aos seus leitores o poder dos versos, ele também tem a sua própria trajetória como exemplo de transformação com a poesia, e sua primeira referência da literatura de cordel é o conterrâneo Patativa do Assaré. Foi no colégio, depois de conhecer e ficar hipnotizado com a obra do repentista cearense, que a poesia começou a dominar os pensamentos de Bráulio. Nascia ali um fazedor de poemas, aos 14 anos, com muita história para compartilhar. Um poeta matuto que já tinha como desejo ajudar o próximo com palavras, principalmente representando e exaltando a cultura nordestina. 

Assim como os personagens de "Poesia que Transforma", Bráulio é impactado pelas raízes de sua terra, pelo amor que sustenta pela família, pela igualdade por qual luta, pela fé que enxergava nos avós Dona Maria e Seu Dedé Sapateiro e pelo recomeço que tanto aplaudiu nos outros ou viveu. Nos cinco episódios, o poeta apresenta as 15 histórias da série documental, mas também revisita seu passado desde a infância. Suas memórias, junto com depoimentos de sua família, também são exemplos do poder transformador da poesia.


Para você, como definiria "Poesia que Transforma"?
Bráulio Bessa - Poesia que Transforma é um título literal. Eu costumo dizer que a poesia, quando o poeta quer, tem o mesmo poder de um abraço. O poder de se adaptar a qualquer pessoa e fazer bem. Independente do físico, da casca, o abraço vai sempre fazer bem a quem está dentro dele. Por isso acredito nessa transformação. Certa vez me perguntaram qual minha maior fonte de inspiração. E eu disse: “Gente”. Eu me inspiro em gente. O artista é um prestador de atenção do sentimento e da vida alheia. Pega tudo, mistura com seus próprios sentimentos e transforma em arte. Por isso tantas histórias se cruzam com o que eu escrevo. Porque eu escrevo sobre gente. 


Como você recebeu a ideia para o documentário?
Bráulio Bessa - 
Quando Duda me ligou dizendo que estava com essa ideia na cabeça, a primeira coisa que pensei foi: “Eu lá tenho história pra fazer um doc?” E disse isso a ela. Nessa hora, Duda me explicou que a ideia seria contar a história de brasileiros que tiveram suas vidas transformadas através do contato com minha poesia. Como eu recebo milhares de depoimentos tocantes de pessoas incríveis, pensei logo: “Rapaz, isso pode ficar bonito”. Pois não seria a minha história, seria a história da força existente na poesia. Tô dentro. Mas não é pouco dentro não. É todim! (risos) 


Como é ver a transformação que suas obras proporcionam na vida de tantas pessoas ser mostrada na produção? Você sente essa influência positiva que seu trabalho causa nas pessoas? 
Bráulio Bessa - Eu sou de uma cidade pequena no interior do Ceará, Alto Santo. Até os 14 anos, não sabia dizer o que queria ser quando crescesse. Certa vez uma professora me perguntou isso na aula e eu fui o único aluno que disse: “Não sei”.  Pouco tempo depois, li um livro de Patativa do Assaré, naquele dia botei na cabeça que queria ser poeta, escritor, lançar livros e etc. Eu dizia que um livro meu ainda transformaria a vida de muita gente, assim como o livro de Patativa do Assaré me transformou. Hoje, percebo ainda mais a força existente na palavra. Percebia isso em cartas, depoimentos, e-mails, abraços, em cada história que meus leitores me contavam, mas agora percorri geograficamente o caminho que a poesia fez e foi muito emocionante. Contar essas histórias é uma grande homenagem à poesia, à esperança, ao amor, à bondade, à sensibilidade humana.


Para o Bráulio Bessa, como é contar com a participação de seus familiares na produção e gravar em locais que fazem parte da sua trajetória? 
Bráulio Bessa - Minha terra e meu povo me construíram e me reconstroem todos os dias. Ver uma equipe de filmagem de uma série apontando as câmeras para o banco da praça que beijei minha esposa pela primeira vez, as calçadas que corri quando criança, a barraca que como minha tapioca, o bar que tomo minhas cachaças e converso besteira, tudo isso é emocionante. Ver minha família envolvida nesse projeto, achei incrível.
 

Você ajudou na escolha dos personagens? Conhece todos antes, virtualmente ou pessoalmente, antes de gravar?
Bráulio Bessa - 
Sim. Inevitavelmente as histórias chegam até mim. Seja por meu produtor Gustavo, seja pelas redes sociais, encontros em palestras, sessões de autógrafo e etc. Participei de toda pesquisa, fiz questão de conhecer cada história de perto. Já me sinto até amigo de cada um! 
 

Para o Bráulio Bessa, qual o significado de recomeço, amor, raízes, igualdade e fé?
Bráulio Bessa - 
Recomeço é viver. A vida é dinâmica justamente pelo poder de recomeçar a todo instante. Amor é um balaio que cabe todos os outros bons sentimentos. Sempre carrego um desses comigo. Raízes é a liberdade de crescer o mais alto possível sem ter medo de cair. Igualdade é lei universal. Pelo menos para mim. Fé é indefinível e inexplicável. 
 

Quem é o protagonista de "Poesia que Transforma"? A poesia, todos os personagens, a transformação? 
Bráulio Bessa - 
É uma série cheia de protagonistas. Vai depender do olhar de cada um. Isso é encantador. Mas eu arrisco que a poesia é a grande estrela de tudo. 


"Poesia que Transforma" é uma série documental original Globoplay, criada por Duda Martins e Bráulio Bessa, desenvolvida por Bianca Lopes, com apresentação de Bráulio Bessa. A série tem direção de Duda Martins e Chico Walcacer, redação de Douglas Vieira e produção de Beatriz Besser. Rafael Dragaud é o diretor executivo, e a produção executiva é de Mariano Boni e Erick Brêtas, com direção de gênero de Mariano Boni.



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